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ESPECIAL | Conhecimento passado de mãe para filha garante a manutenção de comunidades tradicionais

Marisqueiras e artesãs aprendem o ofício desde meninas e cultivam sonhos enquanto lutam para driblar as dificuldades causadas pela pandemia de Covid-19

Texto: Caroline Nunes | Edição: Lenne Ferreira | Imagem: Reprodução/YouTube

Imagem mostra o ofício de uma marisqueira, afroempreendedorismo comum no Nordeste brasileiro

16 de julho de 2021

Em uma comunidade tradicional o conhecimento repassado de mãe para filha pode representar a manutenção e sobrevivência das gerações futuras. São os saberes ancestrais que possibilitam a perpetuação de negócios que garantem renda para famílias e comunidades inteiras. Marisqueiras do litoral ou até mesmo artesãs de comunidades quilombolas aprendem o ofício por meio da oralidade e da prática desde muito pequenas. São afroempreendedoras sem diploma, mas com experiência de sobra para transformar a realidade de seus territórios. 

Edileuza Silva Nascimento, de 65 anos, teve os primeiros contatos com os mariscos aos 4 anos de idade. Dona Leu, como é conhecida, conta que a mãe a levava para pescar no litoral pernambucano. Abreu do Una, em Coronel da Coroa Grande (PE) é o local em que a pescadora faz o que sabe de melhor e tira seu sustento. Com a crise sanitária, que acomete o Brasil desde março de 2020, as saídas de casa se tornaram mais escassas e os problemas psicológicos surgiram.

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“Pesco caranguejo, siri, sururu. Mas é tudo muito difícil hoje em dia. A pandemia veio para tirar o pouco que a gente conseguia. Luto para me livrar dessa fobia e conseguir pescar o suficiente para pagar os meus remédios. A fluoxetina é cara e não dá no posto de saúde”, conta Dona Leu em entrevista à Alma Preta.

O afroempreendedorismo tradicional realmente exige a mente afiada para lidar com as adversidades no caminho. É o que diz a quilombola Cláudia Ferreira Rocha, de 46 anos, moradora do quilombo da Restinga, em Lapa (PR). Artesã desde a adolescência, também por influência da mãe, a quilombola explica que é necessário ter foco no trabalho para que ele seja reconhecido no Brasil. A palha do milho é protagonista nas peças confeccionadas por Cláudia.

Cestas produzidas pela artesã quilombola Cláudia Rocha a partir da palha do milho | Créditos: Acervo PessoalCestas produzidas pela artesã quilombola Cláudia Rocha a partir da palha do milho | Créditos: Acervo Pessoal

“Eu amo o que faço, ser artesã pra mim é renovar minha mente. Sempre tiro um tempo para prática do artesanato, pois não consigo viver somente dele hoje. Sou quilombola e artesã com muito orgulho da minha ancestralidade e do aprendizado que minha mãe me deu. O país reconhece sim, só precisamos levar mais a sério nosso trabalho, buscando sempre inovar, buscar cursos de aperfeiçoamento e apoio dos meios públicos para divulgar e fazer feiras”, relata.

Leia também: ‘ESPECIAL | Quem inventou o empreendedorismo no Brasil?’

Para Cecília Gouveia, empreendedora de acessórios de moda e líder do movimento Quilombolas de São Lourenço (PE), o afroempreendedorismo nas comunidades tradicionais representa o empoderamento das mulheres e sua autonomia financeira, sejam elas marisqueiras ou artesãs.

“Acho importante esse trabalho para que a comunidade inteira seja vista e valorizada. A mulher pode, ela consegue ir em frente e batalhar. Ter o poder sobre o próprio trabalho sem ficar à margem dos homens é o mais importante”, avalia Cecília.

“Tudo que eu faço na minha vida, mesmo que seja com dificuldade, eu amo fazer”

Na pandemia, o afroempreendedorismo das mulheres pertencentes às comunidades tradicionais foi fortemente afetado. A quilombola Cláudia conta que diversas feiras de artesanato foram canceladas, o que gerou impacto na renda e na autoestima da artesã. Contudo, a empreendedora ainda tem esperança na melhora da crise sanitária para retomar seus planos.

“Meus sonhos estavam todos em andamento. Antes da pandemia estavam programadas várias feiras, em que eu fui convidada para participar e mostrar meu trabalho. Seria uma feira com artesãs de todo Brasil, um sonho que foi adiado, mas não esquecido”, desabafa.

Claudia diz que talvez a maior dificuldade seja conseguir vender seus itens pela internet durante essa época. Ela possui uma página no Instagram para expôr suas cestas, sacolas e outros itens de confecção própria, mas acredita que ainda “necessita capacitação nessa área” para alavancar os negócios.

Leia também: ‘ESPECIAL | Como suas ancestrais, empreendedoras negras driblam dificuldades e criam as próprias oportunidades’

Já Dona Leu, que depende do clima para pescar, diz que a chuva agravou a situação das marisqueiras do nordeste brasileiro. Com a melhora do tempo na região e aumento no número de mariscos disponíveis, Edileuza diz que tem sonhos simples a realizar.

“Quero encontrar um psicólogo que acabe com essa fobia que eu tenho, operar uma hérnia e terminar a casa que estou morando. Eu adoro mergulhar, adoro nadar. É o meu prazer. Tudo que eu faço na minha vida, mesmo que seja com dificuldade, eu amo fazer. Me orgulho de ser pescadora, sou pobre, mas me orgulho. É uma profissão boa”, conta.

Para Cecília Gouveia o afroempreendedorismo das comunidades tradicionais se dá como uma herança histórica ancestral, que move sonhos simples e valoriza o protagonismo feminino familiar.

Acessório elaborado pelas artesãs do movimento Quilombolas de São Lourenço (PE) | Créditos: Acervo PessoalAcessório elaborado pelas artesãs do movimento Quilombolas de São Lourenço (PE) | Créditos: Acervo Pessoal

“A mãe, a avó, ou a tia vem passando de geração em geração suas técnicas e ações, a fim de mostrar para a filha como é que se luta e se batalha em uma comunidade pequena. O pão de cada dia se ganha lutando. É humilde, mas é repleto de força e garra”, conclui.

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