O governo da África do Sul comunicou oficialmente sua insatisfação à administração dos Estados Unidos após a confirmação de que Washington passará a receber os primeiros africânderes — grupo étnico descendente de colonos, principalmente holandeses, mas também de alemães, franceses e outros, que se estabeleceram na África do Sul no século XVII — como parte de um programa de reassentamento.
A medida parte da acusação feita pelo presidente Donald Trump, que alega a existência de “discriminação racial” contra brancos sul-africanos, especialmente agricultores de origem africânder.
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O Ministério das Relações Exteriores sul-africano afirmou, em nota divulgada nesta sexta-feira (9), que “expressou preocupação” com os relatos sobre o início do processamento de pedidos de refúgio por parte dos Estados Unidos. O vice-ministro Alvin Botes levou o tema diretamente ao seu vice-ministro norte-americano, Christopher Landau.
‘Motivações políticas‘, diz Pretória
O governo sul-africano classificou a decisão norte-americana como “politicamente motivada”. Para Pretória, a aceitação de africânderes como refugiados representa uma tentativa de deslegitimar a democracia constitucional do país. “Reiteramos que as alegações de discriminação são infundadas“, afirmou a chancelaria sul-africana, segundo a Agence France-Presse.
Segundo o governo, mesmo que houvesse indícios de discriminação, não se verificaria o grau de perseguição exigido pelo direito internacional e pelas leis domésticas de refúgio. Apesar da crítica, Pretória esclareceu que não impedirá a saída de cidadãos que optarem por deixar o país.
Reportagens publicadas pelo New York Times, National Public Radio (NPR) e pelo site investigativo The Lever indicam que os primeiros reassentamentos estão previstos para ocorrer já na próxima segunda-feira (12). Um memorando citado pelo The Lever aponta que até mil africânderes poderão ser aceitos nos Estados Unidos ainda este ano.
As informações indicam que milhares de sul-africanos já teriam procurado a embaixada americana em Pretória. A chancelaria sul-africana afirmou esperar esclarecimentos sobre o status legal dos indivíduos acolhidos e exigiu garantias de que todos os migrantes tenham passado por avaliação de antecedentes criminais.
Disputa sobre reforma agrária
Um dos principais pontos de atrito entre os dois países é a lei de expropriação de terras sancionada em janeiro pelo governo da África do Sul. A nova legislação prevê a possibilidade de desapropriação de propriedades sem indenização, desde que em nome do interesse público e após tentativas de acordo com os proprietários.
Trump classificou a medida como um ataque direto aos direitos da minoria africânder e afirmou que a lei permitiria ao governo “confiscar propriedades agrícolas de minorias étnicas”.
Em fevereiro, o presidente anunciou que priorizaria o acesso de africânderes ao programa de refúgio dos Estados Unidos. Em março, prometeu “caminho rápido” à cidadania para agricultores e familiares que desejassem “fugir” do país.
Contexto histórico
Os africânderes são, em sua maioria, descendentes de colonizadores holandeses que se estabeleceram no sul do continente africano há mais de 300 anos. Eles compõem a maior parte dos 7,3% de sul-africanos brancos atualmente.
Durante o apartheid, sistema institucionalizado de segregação racial vigente até 1994, governos liderados por africânderes impuseram severas restrições aos direitos da maioria negra.
Alegações de que agricultores brancos são alvo preferencial de crimes violentos circulam desde então, embora dados oficiais apontem que a maioria das vítimas de homicídios no país sejam homens negros jovens em áreas urbanas.
Essas alegações se transformaram em narrativas de “genocídio branco”, replicadas em parte por Trump e seus aliados. A decisão de acolher africânderes como refugiados aprofunda o distanciamento diplomático entre os dois países, já desgastado desde a expulsão do embaixador sul-africano de Washington em março.