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Brasil libera voos de países africanos após bloqueio não impedir disseminação da variante ômicron

Desde o fim de novembro do ano passado, passageiros de África do Sul, Botsuana, Essuatíni, Lesoto, Namíbia e Zimbábue estavam impedidos de entrar no país; especialistas comentam o viés racista da medida restritiva

Imagem de um saguão de aeroporto para ilustrar texto sobre liberação de passageiros de países africanos no Brasil.

Foto: Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

26 de janeiro de 2022

O governo de Bolsonaro voltou a permitir a entrada de viajantes de seis países africanos que estavam impedidos de entrar no Brasil devido à circulação da variante ômicron do coronavírus em seus territórios. Segundo especialistas, a medida restritiva aos passageiros africanos não foi realmente efetiva em evitar a disseminação da variante no Brasil, além de evidenciar o racismo da decisão.

A portaria editada na última sexta-feira (21) e publicada no Diário Oficial da União revogou a proibição de entrada de passageiros provenientes da África do Sul, Botsuana, Essuatíni, Lesoto, Namíbia e Zimbábue que estava em vigor desde o fim de novembro de 2021, após o surgimento da variante ômicron.

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A normativa do ano passado também impossibilitava a entrada de viajantes que estiveram, nos 14 dias anteriores, em algum dos países africanos mencionados, além de indicar quarentena para brasileiros com histórico de passagem por esses países.

A nova portaria lançada na sexta-feira já começou a valer e segue a recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), publicada em nota técnica no início deste ano, de retirar a restrição aos viajantes de países africanos. De acordo com a Anvisa, a situação deveria ser revista tendo em vista a atual taxa de propagação e extensão da variante ômicron pelo mundo.

“Fica claro que a transmissão da Ômicron rompeu a barreira de transmissão sustentada nos países africanos, sendo identificada atualmente em mais de 100 países, conforme divulgado pela OMS”, informa a agência.

De acordo com a nota da Anvisa, em 23 de dezembro de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou uma atualização de dados sobre a ômicron, sendo que, até 22 de dezembro do ano passado, a variante foi identificada em 110 países em todas as seis regiões da OMS.

A portaria mais recente mantém as regras para viajantes internacionais atualmente em vigor. Os passageiros provenientes de outros países via transporte aéreo ainda precisam apresentar teste negativo para a Covid-19, comprovante de vacinação, preenchimento da Declaração de Saúde do Viajante ou realizar quarentena após desembarque no país.

Racismo em restringir países específicos

A variante ômicron do coronavírus foi identificada em novembro do ano passado na África do Sul. Considerada a cepa mais contagiosa encontrada até então, países da Europa e os Estados Unidos proibiram voos com origem do país africano. Entretanto, a mutação do vírus já estava sendo identificada em outras regiões do mundo.

No Brasil, a Anvisa publicou em nota técnica em 26 de novembro de 2021 uma recomendação para o fechamento das fronteiras brasileiras com as localidades africanas em que o vírus já tinha sido identificado e com cobertura vacinal baixa.

De acordo com Andrêa Ferreira, cabo-verdiana, doutora em saúde pública e pesquisadora da IYALETA – Pesquisa, Ciência e Humanidades, a medida de restrição brasileira foi desnecessária e tratou apenas de copiar o que estava sendo feito pela Europa e os Estados Unidos.

“Essa variante já se encontrava em circulação e vinha sendo mapeada em outros territórios, a exemplo da Holanda, porém há que se questionar o porquê dos países não terem reportado a sua presença anteriormente. Foi preciso a contribuição de pesquisadores sul-africanos – o que demonstra a sua capacidade de vigilância epidemiológica no país – para que outros países anunciassem que estavam trabalhando na sequenciação dessa nova variante”, explica Andrêa.

Além disso, o professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e doutor em História Social, Flávio Francisco, pontua que o Brasil, ao tomar a decisão de restringir a entrada dos passageiros dos países africanos, evitou uma leitura mais ampla de cenário para perceber que o problema, em um dado momento, era mais europeu do que africano, já que em África a situação de contágios já estava retrocedendo.

“A decisão foi equivocada porque não levou em consideração o fato de que a ômicron estava se espalhando pelos países europeus e talvez fosse mais necessário fazer o controle dos passageiros europeus do que propriamente dos oriundos da região Austral da África. Se quisesse dar uma resposta efetiva de fato teria feito um controle dos passageiros europeus”, destaca o professor.

De acordo com Flávio Francisco, alguns fatores podem ressaltar o viés racista da medida tomada pelos países que fecharam a fronteira com as nações africanas. Um dos fatores era a ideia que se tinha, desde o início da pandemia, de que o continente africano sofreria mais com a disseminação da Covid-19, o que não aconteceu.

“Há o fato de não reconhecer a capacidade de controle desses países”, afirma Flávio. Segundo ele, o continente africano tem uma população que é muito mais jovem, pensando que a Covid tem impacto muito maior sobre as pessoas idosas, e, em várias partes do continente, a circulação de pessoas é muito menor por conta da infraestrutura.

Além disso, também há uma estrutura em vários países do continente para lidar com epidemias. Já há uma inteligência africana para lidar com surtos de ebola, malária, HIV, ebola e uma logística que envolve também um conjunto de medidas para que haja um controle de circulação de pessoas para evitar que a epidemia se acentue nessas regiões.

“Isso também foi um fator primordial em países como África do Sul e Quênia para que o impacto não fosse maior. Esses dois países foram até muito mais efetivos no controle de circulação e no lockdown. Então, os africanos foram muito responsáveis em relação ao controle e à preocupação em tomar medidas contra o Covid. É algo que nem se compara com o Brasil”, destaca.

De acordo com Andrêa Ferreira, não é primeira vez que se observa o comportamento de barrar fronteiras para países africanos.

“As restrições de voos para alguns países africanos, partem de uma justificativa falaciosa e que tem a discriminação e o racismo na sua base. Aliás, as fronteiras seguiram e seguem abertas para o Reino Unido, Portugal e EUA, entre outros que seguem apresentando índices elevados de contaminação pela ômicron. Quando alguns países africanos vivenciaram a epidemia do Ebola, as fronteiras de muitos países foram fechadas e pouca ou nenhuma solidariedade foi prestada ao povo africano”, finaliza.

Leia mais: O que restou da relação Brasil e África são resquícios da aproximação de governos anteriores, avaliam especialistas

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