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“O negro brasileiro tem um potencial mais radical do que o norte-americano”, afirma pesquisador dos EUA

Michael Hanchard é professor do departamento de Estudos Africanos da Universidade da Pensilvânia, uma das mais importantes dos EUA; ele tem livros publicados sobre o racismo e o movimento negro no Brasil

O negro brasileiro tem potencial mais radical

Foto: O negro brasileiro tem potencial mais radical

7 de julho de 2022

Os Estados Unidos ainda vivem sob influência da Guerra Fria, período em que o país e a União Soviética disputavam a geopolítica mundial sob o prisma de dois projetos para o globo: o capitalismo e o comunismo. Para Michael Hanchard, professor da Universidade da Pennsylvania, esse imaginário ainda influencia a sociedade norte-americana, inclusive o negro.

“A tendência, até por uma questão de socialização, é o negro, como qualquer outro setor da população socializado com as regras e valores dominantes, ter fé no capitalismo”, explica.

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A diferente cultura política brasileira e a presença de organizações antirracistas de esquerda como o Movimento Negro Unificado (MNU), maior do país, colocam o negro brasileiro em um espectro político mais radical. Criado em 1978, o MNU promoveu um encontro com mais de 300 delegados, entre os dias 12 e 15 de maio, para definir as linhas de atuação da organização e reeleger Ieda Leal como coordenadora nacional.

“O negro brasileiro tem um potencial mais radical do que o norte-americano”, afirma.

Michael Hanchard é autor do livro “Orfeu e o Poder: Movimento Negro no Rio e São Paulo”, quando estudou as organizações negras entre 1945 e 1988, e publicou a obra em 1994. Ele também lançou a obra “Política Racial no Brasil Contemporâneo”, em 1999. Neste período, contou com a colaboração de ativistas do movimento negro brasileiro em São Paulo, como Hamilton Cardoso, Vanderlei José Maria, Rafael Pinto e Milton Barbosa.

Na obra, Michael Hanchard analisa o porquê do Brasil não ter tido organizações de movimento negro de massas no Século XX, como os EUA e a África do Sul. Para o autor, um dos fatores é o mito da democracia racial, que impede a mobilização do negro.

“Eu nunca pensei que o Brasil vivia sob uma democracia racial. Mas até hoje há quem acredite. Eu estava em uma conferência sobre o Brasil e a América Latina, há uns cinco anos atrás, e um sociólogo relativamente jovem me falou que ainda acredita na democracia racial. Todos os dados apontam para uma das sociedades mais desiguais do mundo”, explica.

Em dezembro de 2021, o Laboratório das Desigualdades Mundiais, instituto ligado à Escola de Economia de Paris, publicou levantamento sobre as diferenças econômicas e sociais no globo e indicou o Brasil como uma das nações “mais desiguais no mundo”.

Mesmo diante de um cenário desigual, o avanço do debate sobre raça no Brasil faz o pesquisador acreditar na existência de grandes movimentos de massa no Século XXI, fator considerado importante para sobrepor o mito da democracia racial e o racismo. “Eu acho que a gente pode ter movimentos de massa no Brasil no Século XXI, mais possibilidades agora do que em qualquer outro momento da história”.

O Brasil presenciou manifestações de nível nacional em diferentes capitais do país depois de Beto Freitas, homem negro de 40 anos, ter sido espancado até a morte por seguranças do Carrefour. O fato ocorreu no dia 19 de novembro, antes da data em que se recorda a Consciência Negra no Brasil. A morte de Beto impulsionou manifestações em diversas capitais do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador, entre outras.

Apesar de acompanhar as crescentes mobilizações da sociedade civil, Michael Hanchard acredita que o Brasil segue como um país distante da democracia, ainda mais da democracia racial.

“Tem democracia e tem democracia racial. Eu acho que o Brasil está bem mais distante da democracia racial hoje, do que da democracia”.

A pesquisa de Michael Hanchard foi publicada pela Universidade da Pensilvânia, uma das integrantes da Ivy League, o grupo das oito principais universidades norte-americanas: Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth, Harvard, Pennsylvania, Princeton e Yale University.

Nos estudos desenvolvidos pelo cientista, Hanchard apontou para a importância da cultura, produzida por pessoas negras no Brasil, e em outras nações da diáspora, como uma grande arma para enfrentar o racismo e as desigualdades no país. Sem acesso às instituições do Estado, ou mesmo a possibilidade de mobilizar a sociedade para enfrentar o mito da democracia racial, a cultura foi um elemento fundamental, segundo Hanchard.

A teoria desenvolvida pelo pesquisador recebeu críticas de diferentes espectros. Caetano Veloso, cantor e compositor, escreveu uma coluna no New York Times, em 20 de agosto de 2000, com repúdio às afirmações de Hanchard por condenar a ideia de democracia racial e indicar que as interpretações do cientista alimentam a intolerância racial no país.

Hanchard também foi alvo de questionamentos por parte de Luiza Bairros, integrante do MNU na época e quem depois ocuparia o cargo de Ministra da SEPPIR, durante a gestão de Dilma Rousseff. Para Bairros, a obra tem momentos “confusos” e “contraditórios”.

“Contraditória, porque as análises apresentadas oscilam entre a afirmação do baixo nível de consciência racial e de organização entre afro-brasileiros e a constatação de que, afinal de contas, a experiência do movimento negro não pode ser considerada um fracasso. Confusa, porque o conceito teórico básico – hegemonia racial – é aplicado de forma inconsistente, mudando ao sabor da ambivalência das pressuposições do autor”, explicou, em documento publicado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Hanchard refutou posicionamentos como o de Caetano Veloso, que negavam a existência de diferenças raciais entre negros e brancos no Brasil, e publicou documento em resposta às críticas de Bairros.

“Como sugeri anteriormente, tais preocupações e interesses não são peculiares aos africano-americanos dos Estados Unidos, nem pretendi em Orpheus and Power que os afrobrasileiros seguissem o modelo norte-americano. Minha avaliação e crítica dos movimentos negros no Rio de Janeiro e São Paulo têm raízes tanto em interesses acadêmicos quanto no desejo de ver esses movimentos vitoriosos. É porque levo esses movimentos a sério que fiz tanto críticas quanto avaliações positivas”.

Fascismo e Bolsonaro

Michael Hanchard acredita existir uma diferença entre governos racistas e regimes fascistas. “Pode ser ruim e fascista, e pode ser ruim e não fascista”.

Ele faz a diferenciação por motivações históricas, por sinalizar que os governos racistas surgiram antes dos governos fascistas. “É importante lembrar que regimes racistas existiam antes do fascismo. O fascismo começou no fim da década de 1920, na Itália, e os regimes raciais começaram com o colonialismo ocidental. O próprio fascismo se utilizou de heranças do colonialismo de possuir uma ideologia de supremacia racial”.

Para ele, Bolsonaro não representa um governo fascista. “Bolsonaro não criou novas instituições, ele está utilizando o Estado para os próprios interesses e está ligado às tendências reacionárias dos movimentos pentecostais, em vários segmentos da sociedade civil”.

A existência de manifestações de orgulho e supremacismo branco na rotina brasileira fazem Michael Hanchard alertar para o futuro. Pesquisa divulgada pelo programa Fantástico, da TV Globo, de autoria da antropóloga Adriana Dias, aponta para um crescimento de 270% de núcleos neonazistas no Brasil entre janeiro de 2019 e maio de 2021.

Ele acredita que esses movimentos estão ligados a grupos e teorias que pedem pela proteção da raça branca.

“Isso é o discurso absurdo da Replacement Theory. É considerada uma ideia nova, mas não é, uma ideia de que o aumento do percentual negro em um país branco pode fazer com que em algum momento os negros dominem a sociedade. Isso significa o enfraquecimento do branco. Esses grupos brancos racistas decidem que eles têm de proteger a raça branca nessa sociedade”.

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