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Afroinfância em tempos de pandemia: como estão as nossas crianças?

13 de maio de 2020

Aulas online, jogos, leitura… No começo, poderia ter sido divertido ficar em casa, mas os sinais de cansaço já começaram

Texto: Flávia Ribeiro | Edição: Simone Freire | Imagem: Arquivo Pessoal

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O distanciamento social, uma das medidas de prevenção à pandemia do novo coronavírus, impôs uma nova rotina na vida das famílias já que as escolas estão fechadas e as aulas suspensas há mais de um mês. Sair de casa não é recomendável, salvo em situações bem específicas, como consultas médicas.

Em casa, a nova rotina tem sobrecarregado as mães que tem buscado dar conta das tarefas pessoais, e dos estudos ou atividades diversas dos filhos. Com crianças em casa o dia inteiro, o desafio é evitar grandes alterações no dia-a-dia mesmo diante da incerteza de como será a vida pós-Covid-19.

Para a assistente social Patrícia Gomes, o cansaço alcançou não só a sua filha, Anália, de oito anos de idade. “Eu já inventei várias brincadeiras, piscina de marmitas de isopor, brincadeiras que pesquiso da internet, brincadeiras da minha época, mas tem uma hora que a gente cansa e não sabe mais o que fazer. Aprendi, nesse afastamento social, a não me cobrar tanto e ficar sem fazer nada. Isso também faz parte. Afinal, temos vários dias e noites para esperar passar”, analisa.

Ela diz que até mesmo as tentativas das aulas online falharam e agora a menina está de férias. “Ela assistia, mas logo o colégio decidiu parar porque muitos professores ficaram doentes. Havia assuntos que eu não sabia, eu pesquisava, só que ela reclamava que eu não sabia ensinar. Eu estava tentando, acho que não consegui muito não. Tem sido um período desafiador, só estou sabendo viver um dia de cada vez”, comenta Gomes.

Embora com redução na jornada, Patrícia continua trabalhando. Quando ela não está em casa, conta com ajuda de familiares que estão passando esse período com elas. “Tenho a sorte de ter uma amiga que está morando com a gente e que virou a professora dela. Isso é um presente. Os avós dela estão em casa também. Isso não tem preço. Ela passa horas brincando com o avô. Não nego que está muito cansativo, mas vivemos o maior privilégio que é ter saúde, comida e amor”, afirma.

Além de lidar com o receio da infecção, Patrícia também se preocupa com o bem-estar da filha. O diálogo tem sido fundamental nesse momento. “Eu pergunto sempre como a Anália está se sentindo. Às vezes, percebo ela olhando muito pela varanda. Antes, achava o máximo não ir para aula. Agora, já quase chora sentindo saudades”, explica.

Além de tudo isso, a família está prestes a mudar de residência. Então, ainda há a ansiedade para lidar com mais esta informação. “Existe a bagunça da casa e caixas por todo lado. Tudo converso com ela. Digo como faremos, para que isso se torne algo leve para ela”, diz.

A menina não nega que já gostou de ficar esse tempo todo em casa, mas agora está achando meio “entendioso”. “A minha quarentena está sendo legal. Mas eu já quero sair para ver minhas amigas e a escola, menos as aulas Matemática e História. Às vezes, sinto vontade de sair de casa, mas já que eu não posso… Quando acabar, eu quero uma praia. Mamãe vai me levar na praia ou no Combu, nada de shopping este ano, né mãe?”, relata Anália, citando uma ilha próxima à Belém (PA).

corinaA euforia inicial também foi a sensação de Emodha, de 11 anos de idade, agora, assim como Anália, ela já planeja o momento em que poderá sair de casa. “Eu não estou gostando muito da quarentena. Eu queria ver meus amigos, ir para shopping. Já estou com saudade deles. Eu queria voltar para escola. Em casa, é sempre a mesma coisa. Eu leio livros. Escrevo histórias que vem na minha cabeça do nada. Já está chato fazer sempre a mesma coisa”, reclama a menina.

A rotina de trabalho da mãe, Corina Serra, não foi alterada. Por trabalhar no ramo alimentício, ela sai todos os dias, mas sem descuidar da prevenção até porque já houve três óbitos na família. Mesmo assim, tentou manter uma rotina de estudos para a filha Emodha.

“Não posso acompanhá-la ao longo do dia. No início chegou a ter aulas online, mas era muito difícil de acompanhar. A internet não funcionava bem. Travava. Ela se irritava. Agora, a escola determinou as férias. Ela gosta muito de desenhar e tem feito bastante desenhos, a produção está intensa nesse período. Ela também gosta de assistir desenhos, de cantar no karaokê e já leu todos os livros”, destaca Corina.

Lidando com sintomas

De Ananindeua, região metropolitana de Belém, a recepcionista Nara Oliveira também estava trabalhando normalmente, mas está afastada há uns dias por apresentar sintomas da Covid-19. “Tem sido um período bem complicado para mim. Já tive crises de choro, medo, ansiedade. Eu precisava sair para trabalhar, mas tinha medo o tempo inteiro. Agora, está bem pior já que estou com sintomas e sinto mais medo ainda”, desabafa.

No começo do afastamento, a filha Snayla, de 10 anos, conseguia assistir vídeo-aulas e fazer atividades online, mas já não consegue. Perdeu o interesse por quase tudo. “Mando que ela faça algumas leituras e isso ela ainda consegue fazer, mas ela está achando que está de férias e não quer mais fazer nada”, diverte-se.

Para a família, manter o distanciamento social e se manter em casa não chega a ser um problema. “Na verdade, a gente gostaria de ter feito isso desde o começo. A gente consegue se distrair, de assistir filmes, séries, eu gosto de cozinhar. No fim de semana, eu fazia bolo, pipoca, comidas diferentes. Agora que não consigo porque não estou me sentindo bem”, lamenta.

Nara diz que o planejamento inicial era de não alterar muito a rotina da Snayla e tentar se manter produtiva para não perder o ritmo de estudos, mas isso não foi possível. “Os horários estão todos alterados, ela está acordando bem mais tarde e isso altera o resto do dia”, fala.nara

Snayla estuda em escola pública e a família fala que não está recebendo orientação neste período. “Foram disponibilizadas vídeo-aulas para os alunos, mas o conteúdo não é direcionado especificamente para a série dela e para o que ela estava aprendendo. Não achei interessante. Nesta semana a proposta é de uma nova rotina de estudos. Como maneira de incentivar os estudos dela, eu sempre ensinei as matérias. Eu estudava para depois ensinar para ela. E disse que nesta semana vou pegar o material didático eu ela recebeu e reforçar porque ela acha que está de férias”, explica Nara.

Em quase dois meses em casa, a família precisou adequar o dia-a-dia mais de uma vez. “Nos aproximamos muito mais, com essa questão de estarmos todos em casa por mais tempo. Inventávamos brincadeiras, coisas que não fazíamos há muito tempo. Agora, com o meu isolamento, tivemos que mudar de novo porque eu sequer posso abraçá-la”, diz.

Para Snayla, que não pode falar diretamente com o Alma Preta porque não podia se aproximar da mãe, a ideia de interromper as atividades parecia divertida. “Agora já está sentindo falta das amiguinhas, já está cansada porque não pode passear. Mas ela sabe que precisa ficar em casa para conservar a nossa saúde. Ela também gosta de ficar em casa, de poder brincar mais. Antes, ela estudava de manhã, fazia jiu-jitsu à tarde e ainda tinha as lições de casa. No momento, ela está sentindo mesmo é falta de mim e do contato comigo”, diz Nara.

Tudo bem se as coisas não saírem como o planejado

Para a psicopedagoga Natália Salomão a indicação para este período é trabalhar a ludicidade. “É necessário considerar a faixa etária da criança respeitando as limitações de cada idade e cada fase. Mas, em geral, trabalhar a ludicidade com estímulo à psicomotricidade pode tornar o processo mais leve para pais e crianças. Ou seja, busquem jogos e brincadeiras. Não criem muita expectativa para querer alfabetizar uma criança agora. Neste período, é provável que vocês não consigam”, diz.

Ela ainda discorre que é importante tentar manter uma rotina para crianças, mas está tudo bem se nem tudo o que for planejado sair como o esperado. “Eles precisam entender o que está acontecendo e que não sabemos quando e como isso vai terminar. Conversem e expliquem que podem até acordar mais tarde, mas que não está de férias e vai voltar para as atividades de antes. Tudo bem se você não conseguir cumprir com tudo, mas quando puder, tente fazer atividades”, pondera Salomão.

*Foto de capa: Patrícia Gomes, a filha e a mãe.

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