A capital do Brasil completa, nesta quinta-feira (21), 62 anos desde a sua fundação pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek. Foco dos holofotes nacionais e internacionais por ser palco para a política, a dita “cidade modelo” carrega em si diversas contradições que podem caracterizá-la, também, como símbolo de resistência negra.
“Brasília foi construída por mãos negras”, disse Daniel Kibuko, integrante do movimento negro e coordenador do Setorial de Combate ao Racismo do PT-DF. Pessoas de diversos estados do país se deslocaram de suas regiões para trabalhar na construção civil o pôr de pé o sonho de pessoas brancas: Dom Bosco, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e o próprio Juscelino Kubitschek.
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Idealizada para ser uma cidade-parque e comportar aproximadamente 500 mil pessoas, a cidade viu o crescimento e a higienização social do centro abrir espaço para periferias e ocupações urbanas. Hoje, o Distrito Federal é formado por 33 regiões administrativas, ou seja, além de Brasília, onde ficam as sedes dos Poderes da República, existem mais 32 cidades com características, cultura e índices de desenvolvimento humano distintos. De acordo com a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (CODEPLAN), em 2018, a população do DF era de quase 3 milhões de habitantes, desses 57,6% eram negros (10,1% pretos e 47,5% pardos).
Apesar de ser lida como a capital com o maior IDH do país, estudos revelam que Brasília possui a desigualdade social mais acentuada de todo o território nacional. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que o índice de Gini do DF, metodologia que mede a concentração de renda e aponta a diferença entre pobres e ricos, é maior que a média no país. Com variação entre zero (perfeita igualdade) até um (desigualdade máxima), o DF chegou a 0,548 em 2020 contra 0,524 de média nacional.
“Isso quer dizer que regiões com o Lago Sul, onde vivem os ministros, grandes empresários e membros da alta elite brasiliense pode ter um IDH semelhante ao da Noruega, enquanto Sol Nascente ou Cidade Estrutural, regiões de periferia, de maioria negra e onde vivem as pessoas mais humildes, podem ter o IDH semelhante ao do Congo”, revela o documentário Noruega e Congo no Centro do Brasil, realizado pelas pesquisadoras da UnB, Camila Muguruza e Shady Arana.
Simone Macedo, fundadora da Associação dos Amigos do Centro Histórico de Planaltina, comentou que é muito difícil falar de Brasília com tão pouca idade. “Brasília tem periferias, favelas, como todos os outros estados. Não há as mesmas oportunidades para negros, mulheres, jovens. Foi criada para ser sede dos Poderes, mas o poder do povo é abafando. Só vivemos na resistência”, reiterou.
Com mais de 200 anos, a região administrativa de Planaltina, que fica há 10 km do Plano Piloto, Centro de Brasília, é a mais antiga do DF e é onde se encontra a pedra fundamental da capital federal. O obelisco foi assentado na Serra da Independência, em 7 de setembro de 1992.
“Infelizmente, o brasiliense e o brasileiro não conhecem bem sua história. Planaltina era para ser exemplo, mas, por sermos periferia, temos um elevado índice de criminalidade e falta de direitos”, disse Simone. No bairro tradicional da cidade, por exemplo, há construções que evidenciam,inclusive, o trabalho e a vida de pessoas escravizadas do período colonial.
De acordo com Daniel Kibuko, as formas de construção monumental que Brasília tem, muitas vezes, apaga a tragetória e vivências de negros e negras que fizeram e fazem a cidade. “No passado, comparava-se a construção de Brasília com o Egito Antigo. Nisso a gente pode enxergar o racismo que, por muitos anos, negava o protagonismo de pessoas negras, tanto na civilização egípcia, quanto no planalto central”, observou.
A assistente social Dani Sanchez Mutaledi afirmou que o povo negro que chegou à Brasília, saídos de diversas regiões do país, em especial do Nordeste, e lá permaneceram “sofreu muitas violencias, muitos foram mortos e houve um pagamento dessas pessoas”.
“Hoje, movimento negro tem feito esse trabalho de construção da memória do povo preto, para trazer e recuperar a história e ancestralidade brasiliense”, conclui.
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