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Cabelo raspado, maquiagem, botox e bronzeamento: brancos fazem de tudo para fraudar cotas

23 de setembro de 2020

Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) explica que os fraudadores costumam ser pessoas contra as política afirmativas

Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Reprodução

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As políticas afirmativas como as cotas, voltadas para pessoas de etnia negra ou indígena, têm o objetivo de ampliar a diversidade racial em espaços majoritariamente brancos, como universidades, repartições públicas e empresas privadas. As medidas previstas na lei federal 12.990, de 2014, são consideradas constitucionais também pelo Supremo Tribunal Federal (STF), desde 2017, e frequentemente são alvo de fraudes.

O professor Juarez Xavier, da Unesp (Universidade Estadual Paulista), explica que as ações afirmativas, apesar da garantia legal, estão sob constante ataque do que ele define como “industrialização da fraude” praticada por candidatos brancos. “Eles raspam o cabelo, fazem tratamento para escurecer a pele com bronzeamento artificial, usam maquiagem e até aplicam botox no nariz e lábios para tentar enganar a banca de avaliação”, destaca.

Xavier é presidente da Comissão Central de Averiguação das Autodeclarações da Unesp para as vagas destinadas a estudantes cotistas e acompanha a legislação e os processos de políticas afirmativas em prática no Brasil. O professor diz que é preciso um aprimoramento das comissões para identificar essas fraudes. “Algumas delas são grotescas. Em uma averiguação presencial não é possível deixar de notar as artimanhas para burlar o sistema de cotas”, lembra.

Recentemente, o caso de uma agente da Polícia Federal que passou no concurso de 2018 como cotista gerou polêmica. A mulher se autodeclara como negra e na data de avaliação da comissão de heteroidentificação o tom de pele dela está bem mais escuro e os cabelos com um penteado encaracolado.

No dia 14 de setembro, após a comparação entre as fotos recentes (com cabelo liso e pele clara) e as fotos feitas no dia da avaliação circularem na internet, a agente pediu exoneração do cargo. Em um vídeo divulgado nas redes sociais, a ex-agente policial disse que sempre sofreu “preconceito por causa do nariz e cabelo”. A Polícia Federal informou que investiga o caso.

Bruno Henrique Correio do Estado

(Foto: Reprodução/Bruno Henrique)

Em 9 de junho de 2019, uma reportagem do Fantástico mostrou que um funcionário branco e de olhos claros do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) ingressou no órgão como cotista. Nas fotos feitas para confirmar a autodeclaração como negro, a camiseta dele estava com uma mancha de uma espécie de maquiagem e o os olhos com outra cor. A aparência do homem também não era compatível com as fotos do documento de identidade, de habilitação e o passaporte dele. O caso também foi investigado e ele foi demitido.

Ao ser confrontado pela TV Globo, o ex-funcionário do INSS só aceitou dar entrevista de óculos escuros, dentro da garagem do prédio onde morava e em um canto com pouca luz. “A avaliação para o sistema de cotas nas políticas afirmativas se baseia na textura do cabelo, nos aspectos fisionômicos e na cor da pele”, enfatiza Xavier.

A professora Lia Vainer Schucman, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), explica que os fraudadores costumam ser pessoas contra as política afirmativas. “Eles acreditam que são donos por direito dessas vagas e não de 56% da população que é negra, contribuinte, e sustentam essas vagas públicas. É uma reatividade da branquitude expressa pela má-fé nas cotas, ou seja, uma reatividade contra a perda de privilégios”, salienta Lia, que é autora do livro “Entre o Encardido, o Branco e o Branquíssimo. Branquitude, Hierarquia e Poder na Cidade de São Paulo”.

A professora ressalta que o racismo estrutural também é um incentivo para as fraudes porque, na prática, as chances de punição de pessoas brancas que cometem fraudes é menor. “O sistema judiciário tem predominância branca. Os juízes, que são brancos se identificam mais com o réu, no sentido de ‘não vão punir ou castigar uma pessoa branca’. A branquitude é privilégio na Justiça também”, conclui.

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