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Refúgio LGBTQIA+, casas de acolhimento sofrem com falta de apoio financeiro e discriminação

À base de doações e campanhas de financiamento online, entidades suprem a falta de suporte e atendimento à população em vulnerabilidade por parte do poder público

Imagem mostra bandeira LGBTI+ em destaque pendurada em uma parede rosa dentro de um dormitório de uma casa de acolhimento

Foto: Imagem: Reprodução/Casa Florescer

10 de fevereiro de 2022

Diante do desamparo em vários âmbitos vivido por pessoas LGBTQIA+, as casas de acolhimento não-governamentais realizam um trabalho de suprir necessidades que não são acompanhadas pelo poder público. Entretanto, lidam com o desafio diário de criar ferramentas para que haja manutenção e continuidade de suas atividades. À base de doações e campanhas de financiamento on-line, estes espaços revelam um país que, ainda, não voltou os olhos para as especificidades desta população. 

Recentemente, a Casa Nem, ONG de acolhimento LGBTQIA+ com projetos sociais voltados para comunidade, sediada no Flamengo, no Rio de Janeiro, divulgou em suas redes sociais que poderia fechar as portas por falta de recursos. Fundada em 2016 pelo Grupo Transrevolução, a casa é administrada somente por pessoas trans e acolhe, em média, 25 pessoas. 

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Com trabalhos de impacto social, como a ‘KuzinhaNem’, projeto de empregabilidade e geração de renda à população trans e travesti no mercado alimentício, e o ‘PreparaNem’, curso preparatório para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), voltado para incluir pessoas T nas universidades, a casa de referência poderá ter suas portas fechadas por não bater a meta de doações para a sua manutenção.

Dados disponibilizados no site da campanha oficial revelam que, em um mês, a Casa Nem gastou o montante de R$21.389 para se manter. Até o momento, apenas 47% do financiamento necessário foi batido. Hoje, ao morar na Casa Nem, todos trabalham para um lar limpo, funcional e acolhedor sem taxa obrigatória para permanecer no espaço. 

A coordenadora administrativa da Rede Nem, Ágatha Maria Chavier, reafirma que o maior desafio para dar continuidade ao trabalho e as atividades realizadas na casa é o fator renda.

“Nós contamos com algumas doações fixas mensais, mas o valor não cobre o custo de tudo que a gente gasta por mês, incluindo as contas, as ajudas para aquelas pessoas que estão construindo sua renda, alimentação, produtos de higiene e limpeza e mais outras demandas. Um processo que, a cada mês, nos coloca na responsabilidade de encontrar maneiras para que o trabalho siga acontecendo”, pontua. 

A coordenadora ainda ressalta que, apesar da função social desempenhada, os órgãos públicos ainda não reconhecem a casa oficialmente. Acionada constantemente para atender pessoas encaminhadas pela prefeitura, a casa não recebe nenhum tipo de apoio institucional. 

Ainda segundo Ágatha Maria, além dos desafios de manutenção da casa, a falta de segurança desponta como um dos fatores de risco para a continuidade das atividades e, principalmente, a permanência de pessoas trans e travestis no espaço.

“A casa sofre constantes ameaças, sejam elas de violência ou até morte, e isso é um fator que acaba atrapalhando as pessoas quererem viver na casa. A partir daí, nós contamos com o trabalho de psicólogos para que as pessoas assistidas entendam que, apesar das questões que nós enfrentamos, a Casa Nem é um local de segurança para elas e de resiliência LGBTQIA+”, revela e finaliza a coordenadora. 

Ausência do poder público

Atualmente, ativistas da causa LGBTQIA+ apontam que efetivamente não há leis que tenham sido discutidas, votadas e implementadas pelo legislativo para garantir direitos básicos, como moradia e segurança deste grupo. Para Iran Giusti, organizador da Casa 1 –  centro social e cultural de acolhida de jovens LGBTs expulsos de casa pela família, localizado na cidade de São Paulo – o desafio diário de manter as casas de acolhimento é fruto de irresponsabilidade do sistema para com a população em questão. 

“Nossos e nossas parlamentares ainda se recusam sistematicamente a construir ferramentas para para população LGBTQIA+, e temos que fazer um caminho mais longo de demandar que o judiciário estabeleça uma proteção mínima do Estado aos nossos corpos e corpas”, dispara. 

Hoje, a Casa 1 conta uma residência para jovens LGBTs expulsos de casa, uma biblioteca comunitária pública e uma sala de atendimento para população em situação de rua com distribuição de roupas e produtos de higiene pessoal. Além disso, conta com mais um espaço chamado ‘Galpão Casa 1’, que funciona diariamente com programações socioeducativas – como aulas de inglês, espanhol, curso preparatório para o ENEM, lutas, costura, modelagem, canto e outras atividades -, além de contar com a ‘Clínica Social’, responsável com atendimentos psicoterápicos gratuitos e de baixo custo. 

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Entre as maiores dificuldades em manter as atividades das casas, estão a falta de responsabilização do poder público, escassez de recursos e garantia de segurança, afirmam representantes (Imagem: Reprodução/Casa Neon Cunha)

Questionado sobre quais são os maiores percalços para manutenção e funcionamento do espaço, que contempla 3.500 pessoas mensalmente, Iran Giusti afirma que a falta de recursos e burocracias são as maiores barreiras. Ele avalia que, mesmo com o visibilidade e apoio que a Casa 1 tem atualmente, os problemas e as violências que acometem a população LGBTQIA+ são maiores, resultando em uma busca constante de garantir permanência e expansão de sua atuação. 

“Existe uma ideia de que organizações não governamentais e projetos de sociedade civil se mantém de voluntariado e amor, porém estamos falando de uma iniciativa que, infelizmente, está inserida em um sistema capitalista e os recursos são sempre necessários e a conta em geral não fecha. Além disso, também estamos sujeitos a todas as burocracias, seja do Estado, seja do mercado, portanto, para que consigamos atender às 3500 pessoas que atendemos mensalmente temos, hoje, uma equipe contratada de 30 pessoas, e um terço delas se dedica à questões burocráticas”, explica Giusti. 

Leia também: Como é ser negro (a) e LGBTQIA+ no país do racismo e da transfobia

Projeção sobre melhorias 

Denominador comum entre as frentes que discutem as problemáticas e melhorias sobre o suporte e acolhimento às pessoas LGBTQIA+, a falta de escuta por parte dos parlamentares é um dos fatores que dificultam a implementação de novas políticas. 

Ainda segundo Giusti, mesmo com o avanço de candidaturas que se debruçam sobre o tema, o processo de efetivação das políticas ainda é “moroso e burocrático”.

“De modo mais amplo e até um pouco idealista, para além dos investimentos financeiros, o ideal é que consigamos visibilizar e fortalecer o SUAS, o Sistema Único de Assistência Social, que é o responsável por frentes fundamentais do combate às desigualdades, como proteção e atenção integral à família, proteção a pessoas com deficiência e idosas, erradicação de trabalho infantil, serviço de acolhimento, entre outros”, sugere e finaliza. 

A Casa Neon Cunha, organização não governamental sem fins lucrativos de atuação em São Bernardo do Campo (SP), presta serviços de atendimento psicológico, além de nivelamento educacional e articulação de rede à pessoas LGBTI+ e seus familiares, é outro exemplo disso. Seu presidente Paulo Araújo aponta que a falta de dados sobre esta população também é um obstáculo ao pensar em melhorias.

“Nós fazemos parte de um processo de violência que vai desde a falta de pesquisa e informação até a falta de produção de políticas públicas efetivas. Nós não temos um mapeamento consistente, por exemplo, para que possamos identificar o perfil das pessoas em vulnerabilidade e apontar as ausências dessa população com qualidade. Não há como pensar em melhorias sem o diálogo do legislativo junto a nós”, afirma. 

Araújo ainda destaca a importância do reconhecimento da sociedade e poder público da diferença que as casas fazem na vida da população LGBTQIA+, tendo em vista a sua relevância dentro de um projeto que assegura não só a sobrevivência de muitas pessoas, mas que traz perspectiva de desconstrução das narrativas pré-estabelecidas à comunidade. 

“Se faz sempre necessário pontuar que estamos fazendo o trabalho do estado, produzindo esta política pública não em um modo quantitativo, mas, sim, qualitativo. Por isso, é de extrema importância a continuidade dessas casas, para o acompanhamento que atende às especificidades das pessoas acolhidas, com atendimento psicológico, orientações jurídicas, qualificação profissional, além do abrigo. É um projeto coletivo que acredita que, para além de qualquer coisa, nós devemos trazer de volta a humanidade, algo que a população LGBTQIA+ merece ter”, finaliza.

Como ajudar

Inúmeras são as casas que necessitam de apoio e que podem estar em um raio de distância próximo. Buscar informação junto a coletivos de apoio ou representantes da causa pode ser uma forma de contribuir para com que o mínimo do que seja feito continue em funcionamento.

Para isso, a Alma Preta Jornalismo destaca campanhas veiculadas pelos três projetos citados na publicação e sugere a procura de mais casas que dependem de doações e recursos financeiros: 

Casa Nem

Casa 1 

Casa Neon Cunha 

Leia também: Seis em cada dez LGBTQIA+ ficaram sem renda na pandemia

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