Natural do município de Limoeiro, a 85 km do Recife (PE), a técnica de enfermagem e ativista pelos direitos LGBTQIA+, Chopelly Glaudystton Pereira dos Santos, ou apenas Chopelly Santos, desponta como uma dos grandes nomes da luta por direitos do movimento na sua região. Hoje, aos 40 anos, a ativista conta as fases de reconhecimento e desenvolvimento enquanto pessoa trans, além de sua entrada para o ativismo político.
Filha de um funcionário dos Correios e de uma trabalhadora do setor administrativo de hospital (ambos concursados), Chopelly conta que teve uma infância típica de quem morava no interior do estado na década de 1980, uma época em que, por definição dela, não era sinônimo de violências e, sim, de tranquilidade. A não ser pelos conflitos internos que passou a ter ao decorrer dos anos, quando começou a perceber que não se identificava com o estereótipo social que definia o que era ‘coisa de menino’ e ‘coisa de menina’.
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A ativista relembra que, quando criança, não se identificava com as brincadeiras dos amigos meninos e com suas conversas, o que a fazia transformar as atividades para os seus gostos e, por vezes, preferia brincar com os brinquedos de sua irmã. O mesmo aconteceu na sua adolescência, quando não se identificava com as conversas de cunho sexual propostas pelos colegas.
“Essas questões começaram por volta dos 12 anos, idade em que saí de Limoeiro para Recife, muito pela preocupação dos meus pais em sair do interior em busca de euma educação melhor para me preparar para o vestibular. Uma época em que tive choques sobre identificação e com a recepção das outras pessoas em um período que eu estava buscando me entender”, conta.
Fuga
A sua chegada no Recife e os anos estudando na capital foram marcados por episódios de não reconhecimento de sua identidade e dificuldades de sociabilização. No colégio onde estudava, Chopelly fazia parte de uma turma de 80 alunos, os quais apenas dois conversavam com ela.
A dificuldade do diálogo sobre identidade de gênero também se dava dentro de casa. Seus pais não conseguiam compreender quem Chopelly era, o que dificultava o seu processo de transição e aceitação. Pressionada pelas pessoas que ocupavam os espaços em que convivia diariamente, ela enxergou como oportunidade o caminho da prostituição, quando, aos 20 anos, após terminar os estudos, fugiu para o Rio de Janeiro.
“Minha ida foi uma resposta à uma época que chegou a um ponto que eu não me reconhecia de outro jeito e achava que lá era o único caminho. Ninguém me dava brecha para falar e me entender e eu fui em busca disso. Naquele tempo, a prostituição era forte na cidade grande o que, para mim, poderia ser um campo maior de oportunidades de trabalho”, explica.
Entretanto, a chegada à capital carioca não atendeu às suas expectativas, ao mesmo tempo foi uma forma de obter mais informação sobre o processo de transição. Em conversa com a responsável pelo agenciamento de trabalhadoras do sexo, Chopelly foi recusada sob a justificativa de que não apresentava o perfil requisitado. Como forma de orientação, a mesma agenciadora foi a responsável por indicar que Chopelly fosse à procura de especialistas para que pudesse realizar o processo de feminilização.
Após apenas uma semana, a ativista recebeu o dinheiro da sua passagem e voltou para o Recife, onde retomou sua convivência com os pais. Com o tempo, mesmo com as discussões e conflitos dentro de casa, passou a fazer o tratamento hormonal e a readequação física que gostaria de fazer, em uma época que o sistema público não disponibilizava o tratamento.
“Foi um processo que tive que encarar sozinha, sem contar com uma estrutura, algo que muitas meninas trans já passaram, como colocar silicone industrial, fazer a hormonioterapia por conta própria. Um processo que, depois de uma luta por anos, está menos complicado, como a construção de ambulatórios especializados, acompanhamento psicológico, mais informação e estrutura como um todo. Na época, não fiz da maneira correta, mas era a maneira que eu tinha. Ainda bem que comigo deu certo”, desabafa Chopelly.
Em paralelo, ainda na casa dos pais, voltou a se debruçar nos livros e estudar. Em busca de contribuir na área da saúde, buscou o curso de técnica de enfermagem, profissão que exerce até hoje. Após a conclusão, buscou concursos e conseguiu trabalhos em hospitais de referência da cidade, como o Hospital Oswaldo Cruz, no bairro de Santo Amaro, e no Hospital de Pediatria Helena Moura, onde segue atuando.
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Ativismo de mais de uma década
Ciente dos entraves para ser quem se é no país, Chopelly atentou para luta por direitos de pessoas trans e travestis e, ainda em 2008, passou a atuar junto ao Movimento LGBT Leões do Norte e, em seguida, ingressou na Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco (AMOTRANS-PE), onde segue integrando a coordenadoria geral. O mesmo cargo também exerce no laboratório LGBTQIA+ de Camaragibe, município da Região Metropolitana do Recife.
Durante os anos, junto aos movimentos e associações LGBTQIA+, a ativista passou a fazer política em Pernambuco com intuito de apontar as dificuldades diárias além da necessidade de implementação de políticas públicas que garantam direitos básicos para a população T – como emprego, saúde e segurança.
Referência dentro e fora do Recife, a luta de Chopelly Santos junto ao movimento LGBTQIA+ completa 14 anos (Imagem: Reprodução/Instagram)
Questionada sobre como enxerga os anos de atuação no campo do ativismo e política, Chopelly se mostra positiva e acredita que houve conquistas importantes.
“Antigamente, tudo era mais difícil a ponto das pessoas não saberem nem como nos chamar. A luta é grande, é diária, mas percebo que a sociedade está melhor. As pessoas sabem mais quem somos, temos uma maior representatividade nos espaços, além de já contarmos com algumas leis que nos garantem certos direitos. O preconceito ainda segue presente, mas estamos firmes”, garante a ativista.
Os anos de luta política resultou em reconhecimento dentro do movimento, a tornando referência não só em Pernambuco, mas nacionalmente, por exemplo, quando chegou a ocupar o cargo de vice-presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). Para Chopelly, suas conquistas não são frutos de um trabalho individual e, sim, de uma articulação de todo o movimento.
“Trabalho para mostrar que nós somos capazes e que todo reconhecimento é fruto de mais de uma década junto à militância. Em relação a ser tida como referência, meu propósito não é gerar impacto na vida de outras meninas e, por mim mesma, ser lida como referencial. Gosto mesmo é que elas se identifiquem com minha história e vejam o que passei como lição para suas próprias vidas. Luto para mostrar que podemos ser reconhecidas na sociedade, independente do espaço. Esse é meu propósito, ajudar no coletivo e fazer com o a sociedade se torne mais sensível com o nosso crescimento”, declara.
Sobre os próximos passos como representante do movimento LGBTQIA+, Chopelly segue como uma das maiores defensoras da criação de uma casa de assistência para pessoas trans e tem como expectativa a regulamentação das medidas de proteção e garantia às pessoas T.
“Nos preocupa não ter um espaço de acolhimento de pessoas trans e travestis na cidade, que, em sua maioria, são colocadas para fora de casa, sem nenhum tipo de apoio e suporte, por um processo de não aceitação da família, resultado do preconceito. Outro ponto é a transformação das medidas apresentadas pelo Supremo Tribunal Federal em leis que pautem igualdade de gênero e tantas outras pautas. Precisamos de políticas ativas para que nossos direitos não sejam perdidos”, finaliza.
Reconhecimento
Chopelly Santos em Reunião Solene, realizada na última terça-feira (1), para recebimento do título de Cidadã do Recife (Imagem: Reprodução/Instagram)
Em novembro de 2021, a Câmara de Vereadores do Recife aprovou por 24 votos a favor a concessão do título de Cidadã do Recife à Chopelly Santos, a tornando a primeira mulher trans a receber a honraria.
Nesta semana, na última terça-feira (1), foi realizada a entrega do título em reunião solene realizada no plenário da câmara. A iniciativa é resultado da articulação da AMOTRANS-PE junto à parlamentares, a vereadora Cida Pedrosa (PCdoB) e o vice-presidente da Câmara, Hélio Guabiraba (sem partido).
Em post publicado em seu perfil em rede social, Chopelly agradeceu aos orixás e ofereceu o título à sua mãe, Célia Pereira, ao seu pai, conhecido como ‘Bio’, à sua avó, a quem chama de Dona Beatriz e às irmãs Amuzza Santos e Pennela Monzza, além de agradecer a cidade onde nasceu. Para os seus seguidores, em resposta à publicação, a data do recebimento do título é tida como histórica.
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