Chapas coletivas têm representantes que atuam em diferentes setores da sociedade como na defesa das comunidades quilombolas, das mulheres negras e da liberdade religiosa
Texto: Nataly Simões | Edição: Simone Freire | Colaboração: Juca Guimarães | Imagem: Edson Lopes Jr/A2 Fotografia
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As eleições para a direção da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo acontecem, de forma remota, nesta quinta-feira (23). O pleito é dividido em etapas e, pela primeira vez na história, existem candidatos representantes do movimento negro.
O processo de escolha do novo ouvidor-geral acontece a partir de uma lista de três nomes formada pela sociedade civil. Cada nome sai de três diferentes colégios eleitorais.
O primeiro colégio é o Conselho Consultivo da Ouvidoria, composto por membros da Ouvidoria-Geral. O segundo é dos Conselhos Estaduais de Direitos, composto por conselhos integrados na estrutura da Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, que possuam composição paritária ou majoritária da sociedade civil.
O terceiro, por sua vez, é o colégio eleitoral de entidades, composto por pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, legalmente constituídas há pelo cinco anos, com objetivos relacionados à promoção dos direitos humanos, à erradicação da pobreza e da marginalidade ou à redução das desigualdades sociais e regionais, com atuação em ao menos um município do estado.
De acordo com as regras da Defensoria Pública, o Conselho Consultivo da Ouvidoria e os Conselhos Estaduais de Direitos indicam candidatos a serem eleitos por esses respectivos colégios eleitorais. Já as 119 entidades, aptas a votar, escolhem dentre aqueles candidatos da sociedade civil inscritos para eleição por este colégio.
Para a eleição remota, cada eleitor ou eleitora receberá login e senha para acesso individualizado e autenticado. O candidato ou candidata com maior número de votos de cada um dos três colégios eleitorais integrará a lista tríplice a ser enviada ao Conselho Superior. Em seguida, a Defensoria Pública-Geral fará a nomeação.
Uma chapa do movimento negro é formada por Beatriz Lourenço, da Uneafro; Oriel Rodrigues, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ); Maria Sylvia de Oliveira, do Geledés – Instituto da Mulher Negra; e Gabrielle Nascimento, da Associação de amigos e familiares de presos/as (Amparar).
“Nenhum de nós sozinho daria conta desse processo. A luta dos direitos humanos e a luta pela construção da Ouvidoria da Defensoria Pública precisa ser uma luta coletiva incorporada por diversos movimentos”, afirma a advogada Beatriz Lourenço, que encabeça a chapa.
A outra chapa com representantes negros é liderada pelo advogado Fábio Rodrigues de Jesus. A candidatura é apoiada por nomes como o de Joselicio Junior, jornalista e militante do Círculo Palmarino; Luciana Zaffalon, coordenadora do Projeto Justa e ex-ouvidora da Defensoria; e o advogado Hédio Silva Júnior, coordenador-executivo do Idafro (Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras).
“Ter um negro na Ouvidoria da Defensoria Pública representa a essência do papel da instituição, que é garantir o acesso à justiça aos que mais precisam. E basta verificar uma constatação empírica dessa realidade e verificar que a grande maioria nessas condições é o nosso povo preto. Por essa razão não tenho dúvida que estarmos lá, além de significativo, será um grande avanço”, pontua Jesus.
O mandato do ouvidor-geral da Defensoria Pública tem duração de dois anos. As chapas do movimento negro esperam que, concluída a lista tríplice, o governador escolha o nome que virá das entidades civis.
“Afastar a sociedade civil organizada da Defensoria Pública neste momento é um erro histórico. A sociedade civil é uma instância de extrema importância para a defesa de Direitos Humanos no Brasil e no Estado de São Paulo, prioritariamente. Destacando que, infelizmente, a organização racial brasileira, o racismo brasileiro, dá conta de nos colocar sempre à margem desses espaços”, diz Beatriz.
Comunidades quilombolas
Um dos papéis da Defensoria Pública do Estado de São Paulo é atuar na defesa das comunidades tradicionais que vivem em situação de extrema vulnerabilidade, muitas vezes sem acesso à direitos básicos como água encanada e energia elétrica. É o caso, por exemplo, das comunidades remanescentes do Quilombo de Bombas, localizado no município de Iporanga, no interior do estado.
Oriel Rodrigues, integrante da CONAQ, recorda que a Defensoria Pública foi uma das importantes aliadas dos moradores da comunidade para a construção de uma estrada de acesso por dentro de um parque conhecido como “Petar”.
“A comunidade estava isolada e sem acesso. Foi com o apoio da Defensoria que um juiz autorizou a construção da estrada. Por isso, é importante que as entidades da sociedade civil e o movimento negro tenham representatividade. É estratégico que tenhamos representantes nossos lá. Pessoas engajadas com as lutas populares”, defende.
Direitos das mulheres negras
Um dos braços da Defensoria Pública de São Paulo é o Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres, que atua pela efetivação da igualdade de gênero, com enfoque em políticas públicas que combatam discriminações sofridas pelo sexo feminino.
Maria Sylvia, do Instituto Geledés, destaca que a Ouvidoria é um espaço de fortalecimento das mulheres, especialmente as negras, no acesso à justiça. Para ela, um dos deveres da pessoa que for escolhida para ocupar o cargo de ouvidor-geral é reivindicar a ação do quesito raça/cor em todos os documentos relacionados ao fluxo de atendimento do órgão.
“Isso, é imprescindível para que se possa melhorar as políticas de atendimento dessa parcela da população, conhecer quais são as suas principais demandas e até, por exemplo, exigir a expansão de cargos”, explica.
“Nossa candidatura coletiva está para além de representar a parcela da população que mais utiliza a Defensoria Pública, é uma candidatura com a identidade desta população. Somos quilombolas, mulheres e negras e conhecemos a multidimensionalidade das pautas periféricas”, acrescenta.
Religiões de matriz africana
A figura à frente da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública de São Paulo precisa ter “jogo de cintura” para articular com diferentes setores da sociedade. O advogado Fábio Rodrigues de Jesus reitera que o momento é de estreitar laços para a construção de uma linha de diálogo com respeito às religiões de matriz africana.
“Penso que as estruturas sociais e institucionais precisam estar atreladas com o povo em uma dialética profunda e verdadeira com todas as suas contradições que possam existir, pois sem essa relação calcada na realidade das pessoas, em especial aquelas que mais precisam, dificilmente avançaremos em uma construção libertária e justa e acabamos repetindo e reproduzindo estruturas de dominação e escravidão”, conclui.
* Nós enquanto Alma Preta cometemos um erro de apuração e por isso não reportamos todas as candidaturas para a Ouvidoria da Defensoria Pública de São Paulo. De forma alguma o Alma Preta quer invisibilizar os nomes concorrentes e a agência se sente representada por todas candidaturas negras.
Pedimos desculpas as duas candidaturas, principalmente a Alessandra Laurindo e a Priscila França.
Devido à ausência nessa primeira matéria, produzimos uma reportagem acerca das duas candidatas.