Os jovens das periferias sempre encontraram formas criativas para se relacionar e se divertir. Em 2013, a onda era conhecer os “famosinhos do Facebook”, paquerar e matar o tempo nos chamados “rolezinhos”. Com pouco ou nenhum dinheiro nos bolsos e cheios de hormônios, como qualquer adolescente, eles marcavam encontros, geralmente, em shoppings.
Em São Paulo, os encontros, entre 2013 e 2014, irritaram os donos dos centros comerciais, a polícia e a prefeitura, que precisou negociar alternativas para tirar os jovens das periferias dos shoppings. Segundo reportagem da agência Fiquem Sabendo, elaborada com base na LAI (Lei de Acesso à Informação) e publicada em março de 2021, os rolezinhos também estavam no radar do governo federal.
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A Coordenação-Geral de Inteligência, órgão ligado à Secretaria Nacional de Segurança Pública, do governo Dilma Rousseff (PT), fez uma investigação e produziu um relatório sobre os rolezinhos.
O governo via um risco na união entre jovens periféricos, na sua maioria negros, com movimentos sociais em uma possível onda de protestos, atos de vandalismo e confrontos contra a Copa do Mundo de Futebol que aconteceria alguns meses depois no Brasil.
O relatório dava conta que os jovens eram injustamente perseguidos, em alguns casos agredidos, pela polícia e por seguranças de shoppings, mas a centralidade da investigação era descobrir o potencial de risco para o evento esportivo.
“Fiquei horrorizado ao saber que o governo me via como terrorista”
“Vinha gente de todos os lugares. Para gente que marcava era uma alegria, ver 8 mil, 10 mil lá, mas para os shoppings era um transtorno. Na verdade, eles não queriam a gente porque éramos pobres. Fiquei horrorizado, muito magoado, ao saber que até o governo, que eu gostava, via a gente como terrorista, facção ou algum tipo de criminoso”, conta Dudu Bervelyhills, 27 anos, que atualmente é presidente do Instituto “Rolezinho, A Voz do Brasil”, em Ermelino Matarazzo, na Zona Leste de São Paulo.
Para quem não se lembra, os rolezinhos eram fruto de uma grande repercussão boca-a-boca e de postagens nos perfis dos “famosinhos”, que também eram jovens periféricos embalados pela música funk e uma estética de se vestir e comportar.
“Para ser famosinho, tinha que ter aparelho nos dentes com aqueles negocinhos coloridos que tiravam daqueles fiapos da vassoura e colocavam no aparelho. Tinha que ser bonito, ter boas fotos de ângulos diferentes e muitos seguidores”, explica Dudu.
Segundo Darlan Mendes, que hoje é ativista de Direitos Humanos e foi organizador de rolezinhos, a juventude periférica tem direito de se expressar livremente. Darlan e Dudu estavam no pequeno grupo de jovens que criou o primeiro rolezinho, para o dia 8 de dezembro de 2013, às 14h, no shopping Itaquera, na Zona Leste da capital paulista.
“A partir das 13h já tinha gente chegando. Veio muito mais do que a gente podia imaginar. O shopping fechou as portas, deu polícia, foi assunto em todos os lugares. Depois a prefeitura tentou organizar os eventos, chamou a gente para apresentar projetos e parcerias. Fizemos 93 eventos para jovens, mas poderia ter sido muito mais se o dinheiro que disseram que iriam aplicar tivesse mesmo sido usado nos eventos. Infelizmente, sempre tem corrupção e desvios”, comenta Dudu.
Outro lado
A Alma Preta entrou em contato com o PT e com ministros que fizeram parte da equipe do governo Dilma Rousseff em 2013 e 2014 para falarem sobre a investigação secreta a respeito dos rolezinhos.
O ex-ministro Aloizio Mercadante, da Casa Civil, enviou uma nota dizendo que “a diretriz do governo Dilma para o atendimento aos jovens foi de promoção de ações afirmativas que promoveram um amplo processo de inclusão educacional e reparação de direitos”.
A nota cita como exemplos: o Fies, o Prouni, o Pronatec, o Ciências sem Fronteiras, a lei de cotas para ingresso nas universidades públicas e para o serviço público.
Foto: Reprodução/Facebook
Mercadante disse também que como ex-ministro desconhece “qualquer iniciativa coordenada pelo centro de governo [Dilma] para monitoramento de encontro de jovens de periferia em shoppings”. No entanto, o relatório faz menção à investigação tanto das “buscas” na internet pelo termo rolezinho como nos eventos marcados nas cidades que teriam jogos na Copa.