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Desinformação é um dos entraves para combater pandemia nas periferias

O médico infectologista Evaldo Stanislau relata que, além do trabalho e estresse diário, constantemente se depara com esse questionamento dos pacientes: "Se é assim, por que o governo não fala?"

Texto: Roberta Camargo | Edição: Nataly Simões | Imagem: Rovena Rosa/Agência Brasil

desinformação

18 de março de 2021

Mais afetadas e vulneráveis à Covid-19, as periferias brasileiras sofrem com as falhas na comunicação do governo sobre a condução e o enfrentamento da pandemia. “Eu sinto que o nosso governo tem espalhado mais fake news e desinformação”, conta a moradora do Complexo de Favelas da Maré (RJ), Pâmella Carvalho (28). 

Assim como a imprensa, os profissionais de saúde também têm trabalhado no combate à desinformação acerca do coronavírus. “Não bastasse toda a carga de trabalho e estresse que a gente tem, ainda temos esse trabalho de desfazer a desinformação e as fake news que rolam por aí, principalmente vindas do governo”, diz o médico infectologista Evaldo Stanislau. Ele relata que além do trabalho e estresse diário, constantemente se depara com questionamentos de pacientes: “Se é assim, por que o governo não fala?”.

Stanislau avalia que a comunicação do governo, seja em esfera federal, estadual ou municipal, enfrenta um momento crítico. “Nós precisamos ter uma comunicação efetiva, para trazer informações corretas, dados, orientações de prevenção. Infelizmente, nós vivemos um momento de caos absoluto, sobretudo na saúde. A população está extremamente estressada, absolutamente insegura e com medo.. Quando há tanta desinformação, o resultado é esse que nós estamos vendo, com base na desobediência civil”, explica.

O estresse e a insegurança enfrentados pela população podem ser percebidos na fala da autônoma Maura Salles, que vive na periferia de Fortaleza (CE). “Eu vejo que não temos informações corretas e isso impacta na parte social, econômica e emocional também, porque ficamos impactados com as pessoas que a gente ama”, conta Maura, sobre os meios que mais utiliza para se informar e a lacuna deixada pelo governo nos assuntos relacionados à pandemia. 

Moradora de Santo André, região metropolitana de São Paulo, a vendedora Sandra Mello também desabafa: “Me sinto envergonhada com a maioria das coisas ditas pelo governo, informada, não”, afirma. No dia a dia, Sandra conta que usa a TV e os grupos de família e amigos nas redes sociais para saber sobre os dados e maneiras de se prevenir contra a Covid-19.

Comunicação dissolvida

De forma individual, as prefeituras dos municípios do país apresentam, principalmente pela televisão aberta,  ações e resultados de enfrentamento ao coronavírus. A divulgação dos dados sobre infectados e vítimas fatais é feita a partir das Secretarias Municipais de Saúde. Já as fases de reabertura ou fechamento do comércio, por exemplo, variam de região para região. 

“Durante dez meses, não tinha vacina, nem perspectiva e as medidas de enfrentamento eram comportamentais, incentivadas e fiscalizadas pelas autoridades. Nos países que estão passando por esse enfrentamento da Covid-19, o protagonismo no combate era das autoridades, que passaram informações concisas e padronizadas para a população, um exemplo disso está na Nova Zelândia, Austrália, Alemanha”, lembra o médico sanitarista Daniel Dourado. 

comunicaçãoNa Brasilândia, periferia da Zona de São Paulo, a comunicação entre os moradores ocupa muros com cartazes e faixas. (Foto: Roberta Camargo)

Dourado aponta a dificuldade quando há divergência nas informações fornecidas pelo governo para o atendimento clínico de pacientes. “O Ministério da Saúde passou meses falando sobre o tratamento precoce que não existe, foi uma invenção deles e isso influenciou muito a prática dos médicos que estão na linha de frente. Se vem uma cartilha do governo para o médico, isso afeta também o atendimento feito”, pondera.

A desinformação é sentida pela população também. “Eu sinto que a comunicação do governo com a população sobre a pandemia não é direta. Existem intermediários que fazem essa comunicação, mas infelizmente isso às vezes nem chega aqui nas favelas e em boa parte das periferias”, expõe Pâmella, moradora do Rio de Janeiro.

Histórico da comunicação no enfrentamento de crises sanitárias

Segundo dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Brasil já enfrentou outros períodos de surtos de doenças, como a varíola, no início dos anos 2000.  Somente a partir da vacinação a doença foi erradicada.

Com o mesmo transmissor de enfermidades como dengue e chikungunya, entre 2015 e 2017, o país enfrentou o zika vírus, contido com práticas de prevenção de civis e das autoridades. “É incomparável o que está acontecendo no Brasil de hoje com o que aconteceu nas últimas doenças e epidemias, porque houve alinhamento entre todas as esferas do governo para falar com a população”, relembra o infectologista Stanislau.

“No caso da H1N1, não tem nem comparação. Saíram dos ministérios as pessoas que assumiram cargos técnicos e assumiram os militares. Em outras pandemias, quando não tínhamos esse governo, a comunicação era assertiva e sempre foi pilar da saúde coletiva”, defende o sanitarista Dourado.

Do lado da população, a esperança permanece. “Apesar de tudo, a gente fica confiante de que isso vai passar e vamos ter vacina para todo mundo”, almeja Maura, quando perguntada sobre a expectativa para os próximos meses. Para a classe médica, Stanislau conclui que ainda há muito a ser enfrentado: “A gente perde muito tempo desfazendo o que é mal feito, isso é um desgaste enorme para nós médicos. Ou a gente se abstrai ou a gente luta”.

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