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Entrevista | Conheça Kananda Eller, a Deusa Cientista de Salvador

Você sabia que quem inventou o GPS foi uma mulher negra? Propagar o conhecimento científico desenvolvido por pessoas negras é o principal objetivo da mestranda Deusa Científica

Texto: Dindara Ribeiro | Edição: Lenne Ferreira | Imagem: Divulgação 

6 de setembro de 2021

Você sabia que quem inventou o GPS foi uma mulher negra? E os refrigeradores portáteis? Sabia que foi criado por um homem negro? E no atual contexto da pandemia, você imaginava que um cientista negro seria o responsável por liderar a pesquisa da tão famosa vacina da Pfizer? Geralmente, quando se pensa na Ciência, o senso comum não costuma pensar em pessoas negras como protagonistas no campo científico. O fato da Ciência ainda pertencer a um universo elitizado e maioritariamente branco faz com que a trajetória de cientistas negros e negras não seja reconhecido historicamente.

“Tiram até a possibilidade da gente imaginar que existem pessoas que estão produzindo conhecimento. Hoje, até um remédio que a gente consome pode ter a mão de uma mulher negra, de um homem negro. A ideia é trazer isso: da gente começar a questionar diversas áreas e essa universalização de que a gente não está, de que a gente não produz”, diz a química e influenciadora digital Kananda Eller, conhecida como Deusa Cientista (@deusacientista) nas redes sociais, onde ela compartilha conteúdos de ciência numa perspectiva racializada. 

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Moradora do bairro de Plataforma, região do Subúrbio de Salvador, Kananda, de 25 anos, se deparou com essa falta de visibilidade durante a sua graduação, quando iniciou o seu trabalho de conclusão de curso com abordagem racial na área da Química. Em entrevista exclusiva para a Alma Preta, Kananda contou a dificuldade que teve quando passou a buscar referências de pessoas negras dentro da área, o que, segundo ela, também foi o ponto de partida para produzir os conteúdos nas redes sociais. 

“A gente está ali naquele espaço para simular como é nas escolas, que passavam por esse processo de catequização e da gente assimilar essa outra forma de pensar como a branca, a padrão. E aí eu vou me deparar com a ideia de epistemicídio, – que Sueli Carneiro [escritora e filósofa] vai falar – que mata o nosso conhecimento de diversas formas. Buscar essas referências e trazer o retorno para a nossa própria comunidade é muito difícil porque a gente não tem nenhuma ferramenta para fazer isso. E aí pensei que a rede social seria uma forma muito boa de alcançar mais pessoas e mandar essa mensagem”, explica Kananda, que atualmente é Mestranda em Ensino de Ciências Ambientais na USP.

No seu perfil do Instagram, com mais de 30 mil seguidores, Kananda faz questão de resgatar os conhecimentos científicos e abordar a Química a vinculando à ancestralidade negra e tornando-a mais acessível para o público. “A ideia é que as pessoas que não veem essa possibilidade ou que entendem a ciência como algo muito distante passem a ver aquela possibilidade e que se encante. Eu costumo falar que é a ideia de munir. Quem se aproxima de mim é, majoritariamente, o público negro e eu tô falando de munir uma população preta de conhecimento científico. Acredito que trazer esses conhecimentos através de uma forma que você entenda a importância de traduzir esse conteúdo é falar: “Olha, isso aqui também é pra você”. 

O nome “Deusa Cientista”, inclusive, parte de uma própria reivindicação de Kananda para se reconhecer como uma mulher preta e produtora de conhecimento nesses espaços. “Essa Deusa é também uma reivindicação de autoestima e de pensar que a própria cosmovisão africana e afrobrasileira pensam seres humanos como deuses, como seres potentes. É nesse sentido”.

Apesar da magnitude e da importância de se colocar nesse lugar de referência, Kananda revela que o racismo institucional ainda a faz questionar sobre a posição dela enquanto mulher preta acadêmica e produtora de conhecimento. No entanto, ela acredita que o aquilombamento foi uma forma que ela encontrou de fortalecer seus vínculos com a sua ancestralidade e comunidade, onde encontra forças para seguir em frente.

“Estou sempre em lugares de aquilombamento e que fazem com que eu siga e construa essa autoestima […] A minha trajetória na universidade foi muito dessa tentativa de me aquilombar. Eu participava de quilombos educacionais, eu estava sempre na minha comunidade dando aulas nas escolas públicas daqui. O meu fortalecimento mesmo foi nesse sentido: me munindo dentro e fora da universidade”.

FOTO DENTRO DA MATERIA DEUSA CIENTISTA“O meu fortalecimento mesmo foi nesse sentido: me munindo dentro e fora da universidade” | Foto: Reprodução/Rede social

Além de química e influenciadora digital, a Deusa Cientista também coordena o “Quilombo Social Pré-Vestibular Amigos do Bem”, iniciativa educacional que fornece apoio gratuito para jovens e adultos negros (as) em situação de vulnerabilidade. Oriunda de um projeto com os mesmos moldes, Kananda entende a importância de produzir conhecimento e impulsionar a comunidade.

“No Brasil, mulheres e homens negros construíram as universidades, foram tratados como objeto de estudo pela própria ciência para provar o racismo científico, que dizia que a gente era inferior só por a gente ser negro, e hoje a gente ocupa esses espaços e produz conhecimento e se volta para nossa comunidade. É muito importante a presença de mulheres negras até para a gente estar pensando na gente e voltando esse conhecimento científico para nós”.

A Deusa Cientista acredita que questionar esses espaços de conhecimento também é uma forma de se colocar nesses lugares, no entanto, ressalta que é preciso ter cautela com a saúde mental para conseguir alcançar os objetivos. 

“Questionar o tempo todo sobre a realidade é muito importante porque são os “porquês” que fazem a gente sair e dizer: “Eu não aceito isso”, “Por que não tem mulheres negras aqui?”, “Por que eu não estou aprendendo sobre uma forma de existência?” […] Acho que a gente não tem que estar nos lugares para adoecer. A gente tem um objetivo de vida, a gente tem que pensar que as nossas ancestrais foram estratégicas e que a gente chegou aqui porque muitas mulheres vieram antes da gente, lutaram e resistiram. Sei que é muito difícil, obviamente é um processo, mas é entender qual é o seu objetivo e pensar: Quem quiser se incomode com a minha presença porque eu só quero existir”, completa.

 

  • Dindara Paz

    Baiana, jornalista e graduanda no bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade (UFBA). Me interesso por temáticas raciais, de gênero, justiça, comportamento e curiosidades. Curto séries documentais, livros de 'true crime' e música.

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