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‘Eu me senti em um navio negreiro’, desabafa Preta Ferreira sobre a prisão

Em entrevista, Preta Ferreira, Sidney Ferreira, Liliane Ferreira e Carmen Silva falaram sobre as acusações arbitrárias e a criminalização dos movimentos por moradia

16 de outubro de 2019

Janice Ferreira da Silva, mais conhecida como Preta Ferreira, relata ter se sentido uma escrava durante os 108 dias em que esteve presa na Penitenciária Feminina de Santana, antigo Carandiru, em São Paulo. A produtora cultural e seu irmão Sidney Ferreira receberam no dia 10 de outubro habeas corpus para responder em liberdade a acusação de extorsão e associação ao crime.

“Eu me senti em um navio negreiro. Foi como se tudo o que estudei sobre a escravidão tivesse virado realidade. Dormi livre e acordei presa sem ter feito nada e sem o direito de me defender. O que passei não desejo para ninguém”, desabafa.

Preta e Sidney foram presos no dia 24 de junho junto a outros líderes de movimentos por moradia em decorrência de uma denúncia anônima. O inquérito é um desdobramento da investigação do incêndio que resultou no desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo Paissandú, em 1º de maio de 2018. O local era ocupado por movimentos sociais.

Vinculada ao Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), Preta é responsável pela organização de eventos culturais e socioeducativos na Ocupação 9 de Julho. Seu irmão, Sidney Ferreira não faz parte de nenhum movimento por moradia e mesmo assim foi detido.

Pai solo, Sidney foi preso após deixar a filha de cinco anos na escola. Segundo ele, a prisão não é um espaço de ressocialização.

“O presídio é uma máquina de fazer monstros. Lá você não tem direito à saúde e higiene e fica em um quadrado com mais de 30 pessoas. Acredito que é por isso que muitos presos saem de lá revoltados e entregues à criminalidade”, conta.

No dia 6 de agosto, a 6ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu a denúncia anônima e fez novos pedidos de prisão preventiva para outras nove pessoas. Entre elas, Liliane Ferreira e Carmen Silva, que tiveram os pedidos de habeas corpus aceitos em 5 de setembro e 3 de outubro.

“Eu fiquei cinco dias com medo de sair de casa, senti como se minha identidade tivesse sido roubada. A polícia foi ao meu trabalho e mostrou uma foto minha. Eu não acreditava que eu e minha família estávamos passando por essa crueldade”, recorda Liliane.

Criminalização dos movimentos sociais e direito à moradia

A cidade de São Paulo possui 1.974 loteamentos irregulares – ocupação sem aprovação de órgãos públicos, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Habitação (Sehab). Preta Ferreira defende que as famílias vivem nesses espaços por necessidade.

“As ocupações existem porque as pessoas precisam ter onde morar. Os ataques aos movimentos sociais são fruto de um sistema que lucra com a falta de habitação dessas famílias”, sustenta.

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou em 14 de outubro a previsão de corte de 56% no orçamento da habitação. Caso a Assembleia Legislativa aprove o corte, a verba da Secretaria Estadual da Habitação vai passar de R$ 1,68 bilhão para R$ 732 milhões.

Carmen Silva, líder do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), nasceu na Bahia e veio para São Paulo em busca de melhores condições de vida para os filhos. Ela dormiu nas ruas da cidade no início da década de 1990 e participou de ocupações por moradia. Durante sua atuação no Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), ajudou a tirar quase 3 mil pessoas das ruas.

Segundo Carmen, as acusações arbitrárias contra ela e os filhos mobilizaram diferentes segmentos da sociedade. Ela acredita que a união é o caminho para barrar a perda de direito à moradia de todos.

“Cada vez mais fica concreto que é muito importante a diversidade na luta. A saída é a organização dos movimentos sociais. A política partidária não pode se sobrepor às políticas públicas”, pondera.

  • Nataly Simões

    Jornalista de formação e editora na Alma Preta. Passagens por UOL, Estadão, Automotive Business, Educação e Território, entre outras mídias.

  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

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