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Exclusivo: negros são 78% dos mortos em período de operações policiais na Baixada Santista

Levantamento feito pela Alma Preta mostra a seletividade racial da violência praticada na Baixada Santista durante os períodos da Operação Escudo e da Operação Verão
Imagem mostra uma mulher caminhando em um ato contra a violência policial.

Foto: Pedro Borges/Alma Preta

6 de março de 2024

Levantamento feito pela Alma Preta mostra a seletividade racial das ações policiais na Baixada Santista, litoral sul de São Paulo. No mês de janeiro de 2024, durante as ações da Operação Verão, 20 pessoas foram mortas durante ações policiais e, dessas, 17 eram negras (pretas ou pardas).

O cenário de maior violência contra pessoas negras também foi registrado na Operação Escudo. A ação foi iniciada depois da morte do soldado Patrick Reis, em 27 de julho, e teve a maior parte das ofensivas concentradas durante os meses de julho, agosto e setembro de 2023. Neste período, 41 pessoas foram mortas pela polícia. Desse total, 31 eram negras.

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Os dados disponíveis pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) indicam 61 pessoas mortas durante os meses de operações na Baixada Santista, com 48 pessoas pretas ou pardas, número que representa 78% do total. Os dados de fevereiro de 2024, durante a Operação Verão, ainda não foram disponibilizados.

O ouvidor das polícias de São Paulo, Cláudio Aparecido da Silva, afirma que o órgão tem acompanhado a seletividade racial das mortes. “A partir das informações que vão chegando e com base, especialmente, nos boletins de ocorrência, é relevante que se diga que são todas moradoras de favela, pessoas que vivem num nível de vulnerabilidade bastante razoável”, diz. Ele também contou que não foram enviados todos os Boletins de Ocorrência (BOs) para o órgão, que tem sido ignorado pela Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP).

O Ouvidor das polícias liderou uma vistoria na Baixada Santista, no último dia 3 de março. Ao lado de uma série de organizações de direitos humanos, foi preparada uma escuta de vítimas da letalidade policial na região depois das mais recentes operações. 

Durante a manhã, o grupo formado por ativistas, autoridades estaduais e nacionais e jornalistas visitou a comunidade de Caxeta, em Santos, e na parte da tarde, a Vila dos Pescadores, em Cubatão.

Para além do ouvidor, estiveram presentes Luzia Cantal, da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania; Paulo Vannuchi, ex- ministro de Direitos Humanos, entre outros. Durante todas as atividades, foram feitas escutas com os familiares de vítimas da ação policial.

Um dos mortos foi Jefferson Miranda, um homem negro de 37 anos. Ele estava com um amigo, no Morro de São Bento, em Santos, em um local da comunidade utilizado para o lazer, ao lado de um escadão.

Uma das testemunhas contou que entrou em casa minutos antes dos policiais chegarem ao local. Ele relatou que os policiais efetuaram disparos com tiros de fuzil e outros de menor calibre contra Jefferson e Leonel Santos, homens identificados no boletim de ocorrência como pardos. As marcas dos tiros ainda estão presentes nas paredes, onde os furos das balas estão perceptíveis. As marcas só estão presentes no lado onde os rapazes estavam, sem nenhuma marca de tiro nos muros de onde os policiais chegaram. Nenhum policial foi ferido.

Negros são 78% dos mortos pela polícia em operações na Baixada Santista
Uma das marcas de tiro em parede de comunidade onde homem negro foi morto em Santos. Foto: Pedro Borges/Alma Preta

Os policiais envolvidos foram Valci José de Jesus e Rahoney Vieira, integrantes do  4° Batalhão Policial de Choque, o COE. Eles relataram ter feito uma “incursão pela área da mata do Morro do São Bento quando ao acessaram a Rua São Mateus e visualizaram dois indivíduos armados”. Os agentes de segurança também relataram que eles carregavam sacolas, mochilas e que efetuaram disparos contra os policiais. 

Depois, os policiais contaram que localizaram telefones celulares, papeis com informações que poderiam ser de contabilidade do crime, rádios transmissores, dinheiro em espécie, armas, munições, maconha, haxixe, e crack com Leonel Santos e Jefferson Miranda.

Segundo os familiares das vítimas, o fato ocorreu às 20h20, não às 21h como descreve o B.O, e logo na sequência a cena foi isolada pelos policiais, sem que os familiares conseguissem prestar socorro para as vítimas. Durante a espera de duas horas pela ambulância, testemunhas afirmaram que as vítimas, enquanto agonizavam por conta dos disparos, foram agredidas pelos policiais. 

Moradores da Baixada Santista temem represálias

Moradores do local, mais de um mês depois da ação, não foram ouvidos pela Polícia Civil, responsável por investigar os crimes. Eles temem qualquer represália por parte dos agentes de segurança, que são vistos com frequência na região.

Carla*, familiar de Jefferson Miranda, relatou as violações sofridas pela vítima e contraria a versão apresentada pelos policiais. “Não era um ponto de tráfico, simplesmente eles estavam conversando quando os policiais vieram pelo mato. A vizinhança que viu disse que eles chutaram a cabeça do meu irmão, eles deram coronhada até matarem. E eles viram tudo, que ele estava lá em pé, conversando, que não estava com droga ou arma. Eles colocaram tudo em cima, colocaram droga, colocaram arma. Eles forjaram tudo”. 

Outra familiar de Jefferson Miranda, Natália*, conta que o rapaz clamou pela mãe antes de falecer. “Tiraram a vida dele pelas costas com um tiro de fuzil. Quando tomou o tiro, meu irmão gritava, ‘chama a minha mãe, chama minha mãe’. Em momento algum eles deixaram a gente chegar perto do corpo. Eu clamei, eu orei, eu gritei, eu chorei, eles não autorizaram a chegar”, relata.

Roberta*, familiar de Leonel Santos, também discorda da versão policial e acredita ser impossível que o marido tenha disparado contra os agentes de segurança. “Meu marido usava muleta. Eu sou casada com o Leonel há 14 anos e eu, melhor que ninguém, sei que não, não teve troca de tiros porque ele não consegue, ele mal conseguia segurar as muleta dele. Uma perna dele estava atrofiada, era uma menor que a outra, então assim, nada dava para ele correr”, conta. 

Para ela, o perfil das abordagens e vítimas está bem nítido. “Eles chegam e se é preto, da favela, matam. Eles não estão nem aí. Eles chegam, matam e pronto”, afirma. 

Negros são 78% dos mortos pela polícia em operações na Baixada Santista
Moradores da Baixada Santista protestam contra violência policial. Foto: Pedro Borges/Alma Preta

Em todas as comunidades visitadas pela equipe da Alma Preta, também foi possível ouvir os relatos de jovens negros que contavam do medo de serem abordados. Alguns afirmaram que a vida está em risco. 

“A polícia desceu da viatura me agredindo, o policial sacou o revólver e me agrediu. A polícia me oprimiu muito. Eles batem toda vez que eu sou abordado. É muito esculacho”, contou um dos jovens ouvidos pela reportagem.

SSP diz que mortes são ‘consequência da reação de criminosos’

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública afirmou que as mortes “são consequência da reação violenta dos criminosos – independente de raça, cor, gênero ou idade – ao trabalho das polícias. A opção pelo confronto é sempre do criminoso. As forças de segurança do Estado são instituições legalistas que atuam no estrito cumprimento do seu dever constitucional. Todos os casos de morte em confronto são rigorosamente investigados pelas polícias, com acompanhamento do Ministério Público e do Poder Judiciário”.

A pasta ainda afirma que passa por processos de formação com os policiais, inclusive de treinamentos sobre racismo.

“O Estado investe permanentemente em treinamento e em políticas públicas para a redução dos casos de mortes em confronto, inclusive com uma comissão na PM que analisa essas ocorrências e se dedica a ajustar procedimentos e revisar treinamentos. Durante a formação, todo o policial, civil e militar, cursa a disciplina de Direitos Humanos, que aborda o combate ao racismo e a outros crimes de intolerância, inclusive com discussões sobre abordagem e atendimento de vítimas. A SSP aumentou a carga horária dessa matéria nas academias. Além disso, a PM paulista também tem participação acadêmica no grupo de trabalho “Movimento Antirracista – Segurança do Futuro”, sob coordenação da Universidade Zumbi dos Palmares”.

*A Alma Preta optou por publicar o relato de familiares com nomes fictícios como forma de preservar a identidade dessas pessoas

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  • Camila Rodrigues da Silva

    Jornalista com mestrado em economia e formação em demografia. Editora e repórter, com quase 20 anos de experiência em redações da grande imprensa e de veículos independentes de comunicação. Atuo na cobertura de direitos humanos desde 2012.

  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

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