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Exclusivo: Polícia matou apenas negros em 447 cidades brasileiras

Policiais durante operação em bairro periférico.

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

4 de dezembro de 2024

Em 2023, a polícia brasileira matou apenas pessoas negras em 447 cidades do país, segundo levantamento exclusivo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) para a Alma Preta

Desse total, 118 municípios (26,4%) estão na Bahia, que tem uma população com 80,8% de pretos e pardos. Esse número representa quase um terço das cidades do estado. 

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No mesmo ano, 1.264 dos 5.570 municípios brasileiros registraram pelo menos uma morte por intervenção policial.

Em 845 cidades, pelo menos uma pessoa negra foi morta pela polícia.

Em todo o Brasil, a polícia matou 6.393 pessoas em 2023 e 82,7% delas eram negras, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do FBSP. 

Ainda de acordo com o anuário, o risco relativo de um negro morrer em uma intervenção policial é 3,8 vezes superior ao de um branco

Os dados consideram todos os estados, menos Maranhão e a Paraíba, que não apresentaram os dados com o perfil de raça/cor das vítimas por ação policial.

Esse é o terceiro ano que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulga as cidades cujas vítimas foram apenas pessoas negras. 

Para Dennis Pacheco, pesquisador do FSBP, os números de 2023 confirmam a seletividade policial observada ao longo dos anos.

“Os dados, ano a ano, vêm traduzindo exatamente isso, uma seletividade da atividade policial no uso da força letal contra populações negras no Brasil”, afirma.

O levantamento também indicou que em 140 municípios nenhuma das pessoas assassinadas pela polícia era negra.

Cidades onde a polícia só matou negros

A região Nordeste concentra mais da metade das cidades em que a polícia só matou negros (53%). Em seguida, vem a região Sudeste, com 19,4% dos municípios.

Considerando os estados, as mortes “em decorrência de intervenção policial (MDIP)” foram mais numerosas nos estados da Bahia, do Pará e de Pernambuco, nesta ordem. 

A cidade de Valença (BA), que tem 85 mil habitantes e fica a 123 km de Salvador, registrou 14 casos, e a cidade de Campo Formoso, também na Bahia, 11 vítimas. 

Outros municípios baianos na lista foram Itatim, com 10, Castro Alves, Ibirapitanga e Ipirá, todos com oito. 

Em Pernambuco, as cidades de Jaboatão dos Guararapes e Ribeirão registraram 10 e 8 pessoas negras mortas pela polícia, respectivamente. 

No Pará, a cidade de Itaituba teve 8 vítimas pretas ou pardas, assim como São Pedro da Aldeia, no Rio de Janeiro.

Mortes pela polícia da Bahia

A Bahia se destaca há alguns anos como um dos principais focos de letalidade policial no Brasil. Para Pacheco, esse cenário é fruto de uma escolha política do governo do estado.

“É uma decisão de focar em uma política de segurança pública que, de fato, vulnerabiliza pessoas negras, que é essa política de investimento em brutalidade policial mesmo”, avalia.

A reportagem procurou a Secretaria de Segurança Pública da Bahia sobre esta afirmação, mas não recebeu retorno até a última atualização desta reportagem. O espaço continua aberto para manifestação do órgão público.

Mortes pela polícia vs. mortes pelo crime

O Relatório do Mapa de Organizações Criminosas aponta para a existência de 14 facções criminosas no estado, o segundo maior do país, somente atrás do Rio Grande do Sul, com 15. 

Pacheco, contudo, acredita que o número de mortes pela polícia não pode se justificar por conta desse cenário. Ele também avalia que não há uma relação direta entre violência do crime organizado e a da polícia.

“Esse discurso de que a alta letalidade policial pode ser justificada pela alta proliferação de organizações criminosas não se sustenta ao longo das séries históricas”, analisa Pacheco, referindo-se aos dados do FBSP. 

“A gente observa, muito pelo contrário, um descolamento entre os padrões de letalidade policial e as dinâmicas de letalidade criminal em vários estados do Brasil”, afirma o pesquisador.

Racismo não está só nas polícias

Pesquisador do FBSP, Pacheco não acredita que o problema seja falta de formação, porque parte das polícias no Brasil têm uma grade que aborda questões ligadas aos direitos humanos. Para ele, são outros os entraves para a diminuição dos índices de letalidade.

“Não é um problema exclusivo das polícias, o racismo é um problema social. A letalidade policial também não é um problema exclusivo da polícia. É um problema que diz respeito aos governos estaduais e que diz respeito também à tratativa que é dada com relação a esses casos de mortes pelo Ministério Público e estaduais”.

Dados do FBSP publicados pelo UOL mostram que o Ministério Público em São Paulo e no Rio de Janeiro arquivaram 90% das investigações de morte por policiais. O Ministério Público é o órgão público responsável por investigar os excessos cometidos por policiais.

Nem à direita, nem à esquerda

Os números mostram polícias que só mataram pessoas negras em estados com governadores de direita e esquerda. Existem registros de casos na Bahia, governada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), e em São Paulo, do Republicanos.

“É evidente que governos de direita e de esquerda têm as suas diferenças na implementação de políticas. Mas, na segurança pública, a gente observa uma certa permanência autoritária”, analisa Pacheco.

Esse traço estaria vinculado à fragilidade da transição do período ditatorial para esse momento democrático. “A segurança pública continua sendo encarada nessa perspectiva de eliminação de inimigos internos”, explica.

Levantamentos anteriores

Em 2021, primeiro ano do levantamento, o Fórum registrou que em 322 municípios todas as vítimas da polícia eram pessoas negras. Naquele ano, Recife, capital de Pernambuco, e Barreiras, no interior da Bahia, registraram 14 assassinatos.

Outras capitais apareceram na lista. Vitória contabilizou 12; Boa Vista , sete; e Rio Branco, seis. Naquele ano, foram 6.493 mortos pela polícia no país, sendo que 84,1% eram pessoas negras.

Em 2022, Recife e Maceió figuraram entre as cinco primeiras cidades com o maior número absoluto de negros mortos pela polícia nesta lista, com 11 e 10 vítimas respectivamente. Palmas, capital do Tocantins, também aparece na lista com uma pessoa negra assassinada pela polícia.

Naquele ano, 6.429 mortes foram causadas pelas polícias brasileiras, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Desse total, 83,1% eram pardas ou pretas.

O que diz o poder público?

A reportagem enviou um pedido de posicionamento à Secretaria de Segurança Pública da Bahia e para o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Nenhuma das duas instituições responderam os questionamentos da reportagem.

O Ministério da Igualdade Racial enviou uma nota para a Alma Preta:

O Ministério da Igualdade Racial tem atuado no combate à violência contra a população negra, em especial a juventude negra brasileira. Nesse sentido, no começo deste ano lançamos o Plano Juventude Negra Viva composto por 217 ações e 43 metas específicas, que tem por objetivo reduzir a violência letal e as vulnerabilidades sociais com ações voltadas à educação, saúde, cultura, trabalho, entre outras. O Plano possui ações no âmbito nacional, de modo que cabe aos estados e municípios aderirem ao Plano e o executarem. Dando sequência ao trabalho do Plano, o Ministério da Igualdade Racial lançou o Índice de Vulnerabilidade da Juventude Negra à Violência. Ele consiste em uma ferramenta analítica que vai contribuir para o monitoramento dos diferentes fatores que contribuem para violência vivida pela juventude negra. Este é o primeiro Índice já formulado voltado a esse enfoque, e poderá subsidiar análises e políticas públicas.

Considerando a realidade da Bahia, lançamos, em parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania Juventude (Pronasci Juventude) em Salvador. O Programa possibilita atendimento, proteção social, elevação da escolaridade, a formação e inclusão produtiva de jovens em Salvador. Esta foi uma edição piloto que também chegou ao Rio de Janeiro.

Além disso, a Bahia recebeu a edição piloto do Programa de Mães e Familiares de Vítimas de Violência do Estado, que possibilitou a formação especializada para quem trabalha no atendimento psicossocial de mães e familiares vítimas de violência. Em parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ministério da Saúde e Ministério de do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, estamos trabalhando, neste momento, na elaboração de um protocolo de atendimento e definição de diretrizes para monitoramento da rede socioassistencial do Estado.

  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

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