Gabriela Chaves é fundadora da plataforma de empoderamento financeiro NoFront; Na semana do 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, ouvimos o que a profissional, conhecida por usar letras de rap para ensinar as pessoas sobre economia, tem a dizer sobre dinheiro e negritude
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Imagine Desenhe
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Gabriela Chaves, de 26 anos, é economista formada pela PUC e mestre em Política e Economia Mundial pela Universidade Federal do ABC. Fundadora da NoFront Empoderamento Financeiro, ela ficou conhecida por usar letras de rap para ensinar as pessoas a virarem o jogo contra as dívidas.
A história da população negra brasileira é permeada por uma lógica de exclusão financeira, sem perspectivas e muitas vezes na sombra da pobreza. A mudança de paradigma na relação que os negros têm com o dinheiro é a linha motivadora da NoFront, criada em 2018. A multi-plataforma é constituída por cursos, palestras, workshops e produção de conteúdo em formato de podcast e de vídeos sobre planejamento financeiro para equilibrar as contas, além de investimentos e conceitos de economia. Tudo isso a partir do contexto histórico da população negra e das periferias.
“Trabalhei numa empresa que tinha em ativos o equivalente a três vezes o PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil. Foi aí que percebi que existia uma inteligência financeira, uma tecnologia de administrar o dinheiro que fazia as pessoas enriquecerem. E isso era uma perspectiva muito diferente do que eu via quando voltava para casa no Taboão da Serra [região metropolitana de São Paulo], de pessoas endividadas e que nem sabiam o conceito de reserva de emergência”, conta Gabriela.
Com isso, a economista percebeu a importância de conectar negritude à economia. “A visão crítica na letra dos Racionais é uma porta de entrada para mostrar que todo mundo lida com dinheiro, desempregados, os mais pobres, todos. Estamos em uma economia capitalista e no Brasil temos um racismo estrutural tão forte que cria a elitização do conhecimento e torna a economia uma coisa de homem branco e distante das pessoas”, explica.
Embora o domínio do conhecimento na área da economia esteja concentrado na elite branca, Gabriela reforça que a sustentação econômica do Brasil não depende das elites. “Nossos cursos e nossas metodologias mostram que é a população negra que mantém a economia. A população negra é responsável por grande parte do consumo interno do Brasil. Os economistas, em grande maioria, são brancos e de famílias das classes altas. Por isso, eles colocam opiniões como dogmas. A economia não é uma ciência exata como a matemática, é uma ciência humana e depende das relações sociais”, salienta.
A apropriação da economia e dos conceitos de educação financeira dão suporte para questionar e subverter a lógica estabelecida. “Essas ciladas teóricas dos economistas brancos constroem argumentos com base na ignorância das pessoas. A gente precisa saber como o sistema funciona para interagir dentro dele”, avalia Gabriela.
Empobrecimento e racismo estrutural
A fundadora do NoFront reforça que o empobrecimento da população negra no país decorre de questões políticas e da prevalência do racismo estrutural. Gabriela recorda que houve uma série de políticas, como a Lei de Terras, que proibia os negros de serem donos de territórios com o objetivo claro de essa população não se recuperar economicamente após a abolição da escravatura.
“É muito triste que exista essa associação entre negritude e pobreza, que está relacionada à falta de referência. Pensar educação financeira dentro da nossa comunidade é fundamental para superar as memórias, a escassez e as sequelas do racismo”, enfatiza.
Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), de 2019, aponta que a renda média da população negra brasileira é de R$ 580,79, enquanto a da população branca é de R$ 1.144,76. A diferença entre os dois perfis de renda é de R$ 563,95 a mais para os brancos por mês.
Além da renda, a ascensão do negro no mercado de trabalho também é impactada pelo racismo estrutural. Levantamento feito em junho de 2020 pelo Instituto Locomotiva, a pedido da CUFA (Central Única das Favelas), mostra que as pessoas negras ocupam 10% dos cargos de chefia nas empresas, enquanto os brancos são 66%.
Mesmo com ensino superior, segundo a pesquisa encomendada pela CUFA, o homem negro possui um salário médio menor que um homem não-negro com ensino superior. As empresas pagam R$ 4.990 para o homem negro com curso superior, em média, e R$ 7.286, em média, para um homem branco nas mesmas condições de grau de instrução. No caso das mulheres negras, a situação é ainda mais grave. A mulher negra com diploma universitário ganha, em média, R$ 3.067. Já a branca recebe R$ 4.566.
Gabriela Chaves reitera que a ascensão econômica da população negra não é o suficiente para superação do racismo. Ela cita como exemplo os Estados Unidos, onde os afro-americanos, mesmo com dinheiro, também são alvo da opressão racial. Para a mestre em Política e Economia Mundial, o processo de empoderamento dos negros passa, necessariamente, por uma organização economica comunitária.
“Não pode ser uma organização para enriquecer uma ou duas pessoas, a meta deve ser gerar ganhos geracionais. Se eu tive que me matar para aprender inglês com 30 anos, preciso garantir que o meu sobrinho aprenda com cinco anos e não vai precisar parar por isso”, pondera a economista.
Este conteúdo faz parte do especial do Alma Preta da semana do 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, no qual contamos histórias de pessoas negras que se destacam em suas áreas de atuação.