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Na Semana do Meio Ambiente, governador do Pará avança com obra de avenida que afeta quilombo

Segundo lideranças do Quilombo do Abacatal, o estado rompeu o diálogo sobre os efeitos da obra e não informou a comunidade sobre o início da construção
Imagem mostra fachada do Quilombo do Abacatal.

Foto: Pedro Borges/Alma Preta

5 de junho de 2024

Moradores do Quilombo do Abacatal, em Ananindeua, na Região Metropolitana de Belém, foram surpreendidos, na terça-feira (4), com o anúncio do início das obras da Avenida Liberdade pelo governador do estado, Helder Barbalho (MDB). Pelas redes sociais, Barbalho informou que a construção começa já nesta sexta-feira (7).

O início das obras da via foi um dos anúncios do governo para a Semana do Meio Ambiente, que encerra nesta quarta-feira (5), Dia Mundial do Meio Ambiente. Isso porque a Avenida Liberdade é uma das apostas do estado para resolver o problema da falta de mobilidade urbana e infraestrutura na Grande Belém, que sediará o maior evento climático do planeta, a COP-30, em novembro de 2025.

Mas em meio à reorganização do estado do Pará para receber o evento, que discute os efeitos das mudanças climáticas a nível mundial e o papel da Amazônia, comunidades quilombolas dizem que a Avenida Liberdade trará impactos negativos e irreversíveis à população tradicional e a uma das poucas áreas verdes restantes em Belém. 

A Avenida Liberdade terá 13,4 quilômetros de extensão e 28,5 metros de largura. Foto: Divulgação/Agência Pará
A Avenida Liberdade terá 13,4 quilômetros de extensão e 28,5 metros de largura. (Divulgação/Agência Pará)

Uma das cinco comunidades que serão afetadas pela Avenida Liberdade é o Quilombo do Abacatal. Segundo o projeto, o traçado da via passa a cerca de dois quilômetros da área do território tradicional e corta a estrada de acesso à comunidade. 

Lideranças do Abacatal afirmam que a comunidade é contrária à construção da avenida, mas que vinha dialogando com o governo estadual no sentido de reduzir os eventuais impactos da obra sobre o território. Em março, a comunidade apresentou o Estudo de Componente Quilombola (ECQ), que apontou que 100% dos moradores acreditam que os impactos da estrada sobre o território e ao modo de vida tradicional serão negativos.

A estudante Emanuela Cardoso, coordenadora de Patrimônio da Associação de Moradores e Produtores de Abacatal e Aurá (AMPQUA), disse à Alma Preta que a comunidade atuou em colaboração com a gestão estadual e que aguardava a sequência das tratativas, mas que não foi informada sobre o início das obras da Avenida Liberdade.

“A nossa surpresa é porque recebemos representantes do estado no último dia 25 e eles nos afirmaram que a obra ainda não ia começar. Nessa data, nos reunimos para fazer a devolutiva de um documento, onde apresentamos os nossos pedidos para mitigar os impactos que a avenida trará para a comunidade, mas nenhum compromisso foi de fato assumido por parte do estado”, denuncia a liderança.

Ela conta que as mitigações e compensações à comunidade em razão dos impactos devem estar presentes no Projeto Básico Ambiental Quilombola (PBAQ), mas que não há previsão ou compromisso assumido pelo estado para começar a aplicar as medidas. “O licenciamento ambiental está sendo feito sem os estudos necessários e sem ouvir as comunidades que serão impactadas pela obra”, completa.

Advogado avalia que anúncio viola mecanismos de proteção quilombola

O advogado da comunidade, Paulo Weil, diz que o anúncio do início das obras da Avenida Liberdade, sem a devida conclusão das tratativas com a comunidade e mitigação dos impactos aos territórios afetados, representa que o estado rompeu o diálogo com o Quilombo do Abacatal.

“A comunidade foi absolutamente aberta ao diálogo, mas sempre muito incisiva em dizer que existe um itinerário, que passava pela aprovação do ECQ e, após, a construção do PBAQ, onde se discutiria também as condições de mitigação e redução de dano aos territórios, mas o estado parou de conversar”, explica o advogado.

De acordo com Weil, a medida viola os mecanismos de proteção aos territórios tradicionais, inclusive a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê a consulta livre, prévia e informada sempre que alguma obra, ação, política ou programa for ser desenvolvido e afete os povos.

“Esse anúncio mostra que o estado rompeu as relações com a comunidade, ignorou os direitos dos povos tradicionais, não está discutindo mecanismos de compensação e mitigação. A comunidade não tem conhecimento do início dessas obras e, inclusive, não houve uma sequência na discussão, aos direitos de consulta e mecanismos de compensação”, avalia.

Apesar dos temores, Paulo Weil diz que a comunidade ainda acredita no diálogo e que, agora, vai procurar o Ministério Público do Estado do Pará para solicitar uma audiência com os órgãos do estado para assegurar os direitos dos povos quilombolas. “A comunidade continua aberta para negociar. A audiência junto ao Ministério Público é mais uma forma de evitar a judicialização do processo”, conclui.

Avenida Liberdade: o que diz o projeto?

A Avenida Liberdade terá 13,4 quilômetros de extensão e 28,5 metros de largura. O projeto prevê três faixas em cada sentido, sendo cada faixa com largura de 3,6 metros e acostamentos com largura de 2,5 metros para cada lado, com faixas exclusivas para motociclistas e ciclistas, totalizando 28,05 metros de largura.

A estrada terá velocidade máxima de 100 quilômetros por hora. A via vai da avenida Perimetral até a Alça Viária. O projeto ainda prevê a construção de três viadutos e uma ponte.

Além disso, terá passagens de fauna a cada 500 metros, o maior número por quilômetro do Brasil, além de barreiras de som para mitigar ao máximo o impacto ao bioma que fica no entorno da rodovia. Serão construídos ainda postos de saúde e implementadas melhorias na infraestrutura nas vias de acesso às comunidades que também estarão no entorno da via, garante o estado.

Em março deste ano, o Conselho Estadual de Meio Ambiente (Coema) aprovou o parecer favorável sobre o projeto da Avenida Liberdade, elaborado pela Câmara Técnica do conselho. O próximo passo será a emissão do parecer final sobre o licenciamento ambiental pelos componentes do Coema.

Em nota, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) informa que o projeto da Avenida Liberdade foi tema de duas audiências públicas, teve o Estudo de Componente Quilombola aprovado pela comunidade, e além disso, também foi aprovado pelos conselhos gestores das Unidades de Conservação APA Belém e Parque do Utinga. A Semas ressalta que está em permanente diálogo com as comunidades e que o processo é contínuo e, além disso, as condicionantes estabelecidas estão garantidas.

Já a Seinfra esclarece que o projeto da Avenida Liberdade não irá cortar o parque do Utinga, a obra será realizada em uma área próxima, não interferindo na área de proteção ambiental. A Seinfra ressalta ainda que mantém diálogo, por meio de audiências públicas, com as comunidades desde o ano passado. 

  • Fernando Assunção

    Atua como repórter no Alma Preta Jornalismo e escreve sobre meio ambiente, cultura, violações a direitos humanos e comunidades tradicionais. Já atua em redações jornalísticas há mais de três anos e integrou a comunicação de festivais como Psica, Exú e Afromap.

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