Ao ouvir de um homem negro, de 38 anos, durante uma audiência de custódia, que ele havia sido amarrado por cordas por policiais militares, depois de algemado, agredido e colocado em posição de pau de arara, no dia 19 de julho de 2023, a juíza Gabriela Bertoli decretou a prisão preventiva deste homem.
Imagens feitas a partir das câmeras acoplada nos uniforme dos policiais mostram Roberto* sendo retirado de uma viatura, jogado ao chão e tendo as mãos algemadas e os pés amarrados. O caso foi registrado no 30º Distrito Policial, localizado no Tatuapé, na zona leste de São Paulo.
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Segundo o boletim de ocorrência, uma mulher relatou ter tido uma mochila com roupas roubada por Roberto e que ele também furtou três barras de chocolate de uma unidade do Pão de Açúcar, local onde a vítima trabalha.
Na audiência de custódia, do dia 20 do mês passado, a juíza perguntou: “O que eles fizeram com o senhor?”, quando Roberto respondeu que “ele já chegaram já dando soco, quebrando eu” e sinalizou que “Algema assim, com as pernas junto com as mãos, de ponta cabeça, pau de arara que eles falam, né?”. Diante das informações, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo pediu o relaxamento da prisão preventiva.
A juíza Gabriela Bertoli determinou a prisão pelo fato de Roberto ter antecedentes criminais e de estar em cumprimento de pena em regime aberto. Ela também sinalizou, ao longo da decisão, o fato de o homem ter ofendido os policiais militares durante a abordagem. Um dos PMs envolvidos na ocorrência diz que teve o dedo machucado por Roberto quando reagiu à abordagem.
As imagens das câmeras da farda dos policiais foram acessadas depois de pedido do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública. Com base nas imagens, o órgão protocolou um pedido de Habeas Corpus para Roberto e pediu que a Corregedoria e a Ouvidoria das Polícias investiguem o caso.
“Acontece que há indícios de excessos por parte das duas autoridades policiais, evidências apontam que quando foi realizada a prisão, os policiais militares agiram de forma violenta e desdenhosa”, defende a Defensoria Pública no ofício enviado à Corregedoria e à Ouvidoria.
A Alma Preta entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública (SSP) e o órgão afirmou que “o caso foi investigado por meio de inquérito policial instaurado pelo 30º Distrito Policial (Tatuapé), sendo relatado ao Poder Judiciário em julho deste ano. Demais detalhes devem ser solicitados à Justiça”.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), por sua vez, afirmou em nota que não se manifesta sobre questões jurisdicionais. “Os magistrados têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos autos e seu livre convencimento. Essa independência é uma garantia do próprio Estado de Direito. Quando há discordância da decisão, cabe às partes a interposição dos recursos previstos na legislação vigente”, diz nota enviada à reportagem.
“Em relação ao processo, a decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva também determinou que o autuado passasse por exame de corpo de delito para verificar a compatibilidade de eventuais lesões constatadas com o relato dele”, completa o comunicado.
Entenda o caso
Os policiais militares foram acionados para averiguar uma suspeita de roubo, por volta das 7h10 da manhã, na Rua Cantagalo, no bairro do Tatuapé. Eles se depararam com uma vítima de roubo, que relatou ter perdido, mediante ameaça, uma bolsa com pertences. Os policiais chegaram a patrulhar a região, sem sucesso, mas receberam outro comunicado da mesma vítima, sobre o paradeiro da pessoa que havia cometido o roubo.
Por volta das 12h20, os policiais localizaram Roberto, que havia furtado três barras de chocolate do supermercado Pão de Açúcar. A vítima do roubo é funcionária da rede de supermercados e presenciou a tentativa de furto de Roberto na parte da tarde.
No Boletim de Ocorrência, os policiais relataram terem sido ofendidos por Roberto depois de darem voz de prisão. Eles não mencionam no documento qualquer agressão que fizeram contra Roberto.
Histórico de Gabriela Bertoli
No dia 7 de junho, há 2 meses, a juíza Gabriela Bertoli também pediu a prisão preventiva de um homem negro amarrado e carregado por policiais militares. Na época, ela alegou não ter tido acesso às imagens. Neste caso, Roberto* relatou ter sido agredido e vítima de violência por parte dos agentes de segurança pública.
A Alma Preta fez um compilado com casos da juíza Gabriela Bertoli contra pessoas negras. Ela já pediu a prisão preventiva de uma mulher por furtar livros, de um rapaz acusado de participar de um sequestro, que depois foi inocentado, e de pedir a prisão dos manifestantes que incendiaram a estátua de Borba Gato.
* Nome fictício usado para preservar a identidade da pessoa citada.