A 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) confirmou a absolvição de dois homens acusados por furto de alimentos vencidos retirados no setor de descarte de um supermercado na cidade de Uruguaiana, no sudoeste do estado.
A decisão se deu após o Ministério Público (MP) entrar com um recurso contra o pedido de absolvição dos acusados já que, segundo o MP, eles são reincidentes em crimes da mesma natureza e, portanto, o princípio da insignificância não poderia ser aplicado.
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O caso aconteceu em agosto de 2019, quando dois homens foram até o setor de descarte de um supermercado e pegaram alimentos que estavam vencidos, sendo 50 fatias de queijo, 14 unidades de calabresa, nove unidades de presunto e cinco unidades de bacon. Ao todo, o valor dos alimentos somava R$ 50.
Após pegar os alimentos, os homens foram abordados por policiais militares e os alimentos foram devolvidos ao estabelecimento. Posteriormente, os homens foram liberados, indiciados pela Polícia Civil e denunciados pelo Ministério Público. Em depoimento, o representante do supermercado confirmou que toda a mercadoria estava vencida e seria descartada.
Em resposta ao MP, o relator do processo e desembargador, Sérgio Miguel Achutti Blattes, argumentou que o “Supremo Tribunal Federal admite, em casos excepcionais, a aplicação do princípio da insignificância quando, a despeito da reincidência do agente, a circunstâncias denotem a ausência de lesividade da conduta e a irrelevância da ofensa ao bem jurídico tutelado”.
Além disso, o desembargador questionou a lesão (ou ameaça de lesão) que o furto poderia trazer ao bem jurídico e também apontou dados que ilustram o cenário da insegurança alimentar no Brasil, que se agravou com a pandemia da covid-19.
“Tamanha a situação de miserabilidade social enfrentada pelos acusados que estes, com o manifesto intuito de proverem os meandros mais básicos de sua subsistência, sujeitaram-se a revirar o setor de descartes do hipermercado – em termos mais claros: revolveram o lixo do estabelecimento comercial – para arrecadarem alimentos vencidos e, enfim, poderem saciar sua fome”, cita o desembargador em um trecho.
Blattes também citou o argumento do defensor público à frente do caso, Marco Antonio Kaufmann, que na época apresentou as contrarrazões do recurso feito pelo MP.
“Tristes tempos em que o lixo (alimento vencido) tem valor econômico e o Ministério Público se empenha para criminalizar a miséria e o desespero das pessoas em situação de extrema vulnerabilidade”, relatou o defensor.
Por fim, o desembargador rejeitou o recurso do MP e pediu a absolvição dos acusados.
“Nesse contexto, não identifico, sob qualquer ótica atrelada à humanidade, à razoabilidade, aos princípios constitucionais vigentes e à própria legislação penal, motivos para reformar a absolvição sumária prolatada em favor dos apelados”, concluiu Blattes.
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