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Lagartas tóxicas em manguezais preocupam moradores da Ilha de Maré

Infestação de lagartas pode ter relação com a possível poluição industrial no território; situação tem afetado o ecossistema dos manguezais e a fonte de renda das comunidades pesqueiras e marisqueiras

Lagarta caminha sobre uma folha seca de mangue

Foto: Foto: Marcos Musse

26 de abril de 2022

Moradores e lideranças da comunidade de Bananeiras, na Ilha de Maré, em Salvador, estão preocupados com o surgimento de lagartas tóxicas em manguezais, principal fonte de alimento e renda nas mais de dez comunidades que compõem a região.

Há cerca de um mês, a vegetação dos manguezais da Ilha de Maré foi devastada por lagartas nunca vistas na região. Os manguezais, que antes eram cobertos por árvores, agora dão lugar a galhos secos com aparência de queimada.

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 A pescadora Marizelha Lopes, uma das lideranças da comunidade de Bananeiras, diz que a proliferação das lagartas nunca tinha ocorrido na Ilha e afetou toda a cadeia de produção e alimentação das comunidades, que têm os manguezais como principal fonte de renda. Ela também aponta que a “praga” é mais um sinal dos impactos da poluição industrial na natureza.

“A natureza vem dando sinais de que não está suportando mais tanta intervenção, não está suportando tanta contaminação e tantos crimes ambientais na Baía de Todos-os-Santos”, afirma.

“São muitas famílias e comunidades que vêm vivendo momentos de terror, momentos difíceis. Cada vez mais a pesca vem diminuindo, as espécies sumindo. A subsistência de nossas comunidades, do nosso povo, da nossa gente, tem ficado difícil. A gente tem ficado em situação bem vulnerável”, completa.

Sobre as consequências da devastação para a comunidade, Marizelha comenta que a grande preocupação dos nativos é a redução dos crustáceos e mariscos utilizados para venda e alimentação.

“O primeiro impacto é o emocional e o segundo impacto é que como vai ser a reprodução das espécies que se reproduzem no manguezal. Esse impacto vai diminuir os caranguejos, dos aratus, que se alimentam das folhas?… São essas preocupações”, ressalta a pescadora.

Causa do surgimento das lagartas é desconhecida

A causa da proliferação das lagartas ainda é desconhecida e especialistas apontam que estudos ainda estão sendo feitos para avaliar se há uma relação com a possível poluição industrial no território, cercado por indústrias petroquímicas.

“A gente só pode confirmar a hipótese de que se trata de uma espécie exótica depois da identificação da espécie […] Se a gente não tiver notícias e relatos de que isso aconteceu em outra região aqui na Bahia ou mesmo dentro da própria BTS, é um sinal de que o nosso manguezal está com a saúde totalmente comprometida”, explica o biólogo e mestre em ecologia Jean Anjos.

manguezal ilha siteOs manguezais, que antes eram cobertos pelas árvores deram lugar a galhos secos | Foto: Marcos Musse

Jean Anjos, que é nativo da comunidade de Bananeiras, também aponta que o mesmo tipo de lagarta já foi identificada no litoral de Bragança, em uma região de manguezal no Paraná.

Análises feitas no sul do país  indicaram que a espécie é originária do sudeste da Ásia. Ele explica que as lagartas costumam aparecer após eventos climáticos extremos, como tempestade ou enchente, o que pode desencadear uma série de desequilíbrios ambientais.

“As características coincidem bastante com o que tem acontecido na Ilha de Maré. Foi no mesmo período de transição do período seco para o chuvoso. As lagartas tinham as mesmas características físicas e o mesmo comportamento agressivo dentro do manguezal”, pontua o biólogo.

Caranguejos, siris e outros tipos de crustáceos também têm sofrido com os impactos, já que estão adaptados ao ecossistema dos manguezais para se alimentar e reproduzir. Para o biólogo, as consequências para a população também é extensa, já que a maioria das comunidades sobrevivem por meio da pesca e da mariscagem.

“Nesse primeiro momento é difícil dimensionar o tamanho desse impacto. Acredito que a gente possa sentir isso nos próximos anos, como a redução de outros animais, a redução populacional de caranguejos, por exemplo, de siris e de outros crustáceos”, ressalta o especialista.

O biólogo aponta ainda que as lagartas não são tóxicas para os seres humanos e a tendência é que a vegetação nativa se regenere, já que as lagartas não se alimentam dos troncos das árvores.

“Apesar de todo o impacto, não é o pior cenário porque elas não atacam o tronco das árvores de mangue, elas só atacam as folhas. Eu acredito que em algumas semanas o manguezal vai voltar a ficar verde e vai se recuperar, mas, ainda assim, assusta”, pondera.

Atualmente, a análise da espécie tem sido feita no Laboratório de Bionomia, Biogeografia e Sistemática de Insetos (Biosis) da Universidade Federal da Bahia (Ufba). A expectativa é que o resultado das amostras seja divulgado nas próximas semanas.

A coleta foi feita pelo biólogo Jean Anjos junto com as marisqueiras da comunidade de Bananeiras, diante da ausência dos órgãos ambientais responsáveis, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), órgão estadual.

Falta de fiscalização

Como nativo da Ilha de Maré, o especialista aponta a falta de fiscalização no território e as consequências da poluição ambiental para as comunidades.

“A gente tem também a perda do habitat de mangue por vários motivos: pela retirada de calcário, o corte de árvores de mangue, a pesca predatória… e nada disso é fiscalizado”, reforça o biólogo.

Marizelha Lopes também denuncia a falta de retorno dos órgãos ambientais para fiscalizar e identificar os responsáveis pelas sucessivas violações na Ilha de Maré e aponta o racismo ambiental e institucional como principal instrumento que resguarda os interesses das empresas instaladas ao redor da Ilha.

“Tem sido corriqueira essa postura dos órgãos ambientais e a nós cabe a denúncia. Elite Paraguassu fala que a gente vai morrer, mas não vai morrer calado, quieto em um buraco como caranguejo. Nós vamos continuar denunciando e prestando esse papel à sociedade. Somos guardiãs da natureza e a gente vai continuar exercendo nossa tarefa de protetoras”, descreve a liderança.

A Alma Preta Jornalismo solicitou um pedido de posicionamento aos órgãos citados. Em nota, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) respondeu que a demanda “não é da alçada do órgão” e recomendou que o tema seja tratado por grupos de pesquisa em universidades.

O Ibama não deu retorno até o fechamento da reportagem. A matéria será atualizada caso haja resposta do Instituto.

Leia também: “Agrotóxicos são ferramentas de racismo ambiental”, denuncia engenheira agrônoma

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