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Mudanças climáticas dificultam subsistência de pescadoras artesanais e marisqueiras

Com redução dos pescados e outros impactos ambientais, mulheres caiçaras são o elo mais forte da comunidade, mas enfrentam maior vulnerabilidade social
Imagem mostra um barco no mar com dois pescadores, um homem e uma mulher.

Foto: Gabriel Marchi

10 de março de 2024

Reportagem: Dayane Saleh Edição: Juliana Vitulskis

A pesca artesanal é praticada por comunidades tradicionais em todo o Brasil. Ao longo da história, essas comunidades enfrentam oscilações de renda devido à sazonalidade dos pescados, do turismo e das demandas de mercado. Na baía de Antonina, no Paraná, assim como ao longo do litoral do estado, esse descompasso tem sido ainda maior nos últimos 20 anos devido a impactos socioambientais e às mudanças climáticas. 

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“A gente ganha hoje pra comer amanhã. A questão é que há uns 15, 20 anos, a nossa baía era muito farta. Em um dia pescando retirávamos 10 kg de pescado. Hoje você pode passar o dia inteiro trabalhando para conseguir só 2 kg. E quando chove, piora. O siri e os peixes somem, não temos mais garantia nenhuma”, relata a marisqueira Lucineia Ricardo Adriano Cacilha, de 36 anos, que vem de uma família de pescadores da região de Antonina. Ela é mãe de três filhos e esposa do pescador José Augusto “Zezinho”.

A bióloga Juliana Pina, consultora socioambiental do projeto “Olha o Clima, Litoral!”, realizado pelo Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais, com apoio da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental, aponta que a degradação ambiental, a redução de recursos pesqueiros, a insegurança alimentar, a falta de acesso ao saneamento básico e as chuvas intensas são alguns desses impactos, que tornam essas populações ainda mais vulneráveis. 

“É preocupante o que vem acontecendo com as comunidades pesqueiras tradicionais, que têm seus modos de vida cada vez mais ameaçados. Os efeitos das mudanças climáticas, como chuvas intensas em períodos curtos, já têm afetado a comunidade de Antonina, que observa a diminuição da disponibilidade de algumas espécies. A alteração na salinidade da água interfere na distribuição e ocorrência das espécies, que podem ter suas populações abaladas em alguma fase do seu ciclo de vida”, explica Juliana.

O projeto realiza estudos que incluem projeções de aumento do nível do mar e de estoques de carbono no litoral do Paraná em cenários futuros (2050 e 2100) e os possíveis impactos socioambientais nestes contextos. A partir deles, serão elaboradas recomendações estratégicas para tomadores de decisão, com o intuito de contribuir para frear os efeitos das mudanças climáticas, a partir da abordagem de adaptação à mudança do clima baseada em ecossistemas (AbE).

“O aumento do nível do mar pode, em um futuro próximo, ameaçar a perda de território das comunidades pesqueiras, que também podem sofrer com outros eventos extremos que já têm ocorrido com maior frequência. Portanto, buscar a saúde dos manguezais é contribuir diretamente com a saúde da população que deles dependem”, complementa Juliana.

A vulnerabilidade social tem gênero?

Segundo o engenheiro florestal e consultor ambiental do projeto César Tavares, que é um dos responsáveis pelos estudos climáticos, as projeções indicam que haverá uma interferência do aumento do nível do mar nos habitats naturais, especialmente em brejos salinos e manguezais, o que vai comprometer ainda mais a flora e a fauna da região.

“Logo, infelizmente, é esperado que esses espaços naturais tenham suas áreas reduzidas e, por consequência, tornem a comunidade mais vulnerável, especialmente as mulheres”, acrescenta. 

De acordo com o relatório Women in Finance Climate Action Group, 8 em cada 10 pessoas deslocadas pelas mudanças climáticas são do gênero feminino. As mulheres também enfrentam mais dificuldades nesse contexto, como a informalidade e a falta de reconhecimento como pescadoras artesanais e, consequentemente, maior dificuldade em participar de políticas públicas para esse público e de processos decisórios relacionados à atividade. Por outro lado, em geral, as pescadoras e marisqueiras são responsáveis pela gestão financeira da família, criação dos filhos e complementação da renda.

Nesse sentido, César destaca que os efeitos das mudanças climáticas se manifestam de maneira diferente em indivíduos e em populações, o que depende das condições de vulnerabilidade, como uma cadeia de fatores que torna uma pessoa mais suscetível à sobrecarga de funções e à pobreza.

“Antigamente era possível prever as épocas de pesca, hoje os/as pescadores/as e marisqueiras já encontram muitas dificuldades. Isso acaba dificultando a gestão financeira da família, função que frequentemente fica a cargo da mulher, somada à sobrecarga dos demais afazeres”, detalha.

Outra questão que já tem afetado a comunidade é a invasão dos manguezais e brejos pelas braquiárias-d’água, espécies exóticas de plantas que já foram utilizadas para a alimentação bovina e se proliferaram descontroladamente na região. Hoje são 75 hectares tomados pelo capim na baía de Antonina.  

“A braquiária-d’água não prejudica somente o ambiente localmente, tomando espaço de outras plantas e animais, mas ela é também nociva para algumas atividades econômicas. Então, vemos uma reação em cadeia. As árvores de mangue são fundamentais para a reprodução dos siris e dos mariscos e, sem elas, os/as pescadores/as e marisqueiras ficam sem sua principal fonte de renda”, explica a pesquisadora, coordenadora das ações de restauração e responsável pelo monitoramento de flora do projeto, Larissa Teixeira. 

Mais um aspecto que torna as mulheres mais vulneráveis em decorrência das mudanças climáticas é a incidência de doenças que são transmitidas por vetores como dengue, zika e chikungunya. Com o aumento da temperatura e das chuvas, os insetos vetores dessas doenças estão se proliferando mais rapidamente e expondo a população, especialmente as mulheres grávidas e idosas, a riscos.

No Paraná, são 58.567 casos de dengue confirmados, sendo 1.482 considerados severos e 23 óbitos registrados em decorrência da doença desde 30 de julho de 2023, segundo a Secretaria da Saúde do Estado, com o litoral sendo uma das regiões de maior incidência da doença.

O papel das comunidades tradicionais na conservação do meio ambiente

Embora haja poucos dados sobre pesca artesanal no Brasil, estima-se que ao menos 1 milhão de pessoas estão ligadas diretamente ao ofício e são responsáveis por pelo menos 60% da produção de pescado do país, segundo o estudo “Iluminando as Capturas Ocultas – ICO/A pesca Artesanal costeira no Brasil” – realizado com apoio da FAO/ONU em 2020. 

Por terem uma forte relação com a natureza e dependerem dela para sua subsistência, essas comunidades tradicionais contribuem para a conservação do meio ambiente. Os pescadores de pequena escala têm importantes conhecimentos populares sobre a natureza e sobre recursos pesqueiros, artes e petrechos de pesca, que são passados de geração a geração e contribuem para que a atividade seja mais sustentável. 

Durante o ano de 2023, a equipe do projeto “Olha o Clima, Litoral!” realizou uma série de encontros – as Oficinas de Diálogo Participativo e Oficinas de Plano de Ação – com a comunidade pesqueira de Antonina. O foco é contribuir para o fortalecimento comunitário local, uma vez que seu território e seu modo de vida estão ameaçados por diversos aspectos. 

Uma websérie documental produzida pelo projeto trouxe, no último episódio, recém-lançado, mais informações sobre os desafios da pesca artesanal na região.

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