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“Não é dia do Índio”: 19 de abril marca luta e resistência dos povos indígenas

Relatórios publicados recentemente revelam o tamanho das violações aos direitos dos povos originários nos últimos anos, que sofrem com o avanço desenfreado do garimpo ilegal e de conflitos pela garantia de seus territórios

Colagem com imagens de indígenas em manifestação com bandeira do Brasil ensanguentada e com o livro da Constituição Federal.

Foto: Colagem: I'sis Almeida/Alma Preta Jornalismo com imagens da Apib Comunicação e de Fábio Nascimento/MNI

19 de abril de 2022

O dia 19 de abril é considerado pelos povos originários como Dia de Luta e Resistência dos Povos Indígenas. Uma nomenclatura mais adequada diante do propagado “Dia do Índio”, que reproduz estereótipos e não abarca a diversidade existente em um contingente de 305 povos em todas as regiões do Brasil.

De acordo com Fábio Pataxó, vice-cacique da Aldeia Indígenas Novos Guerreiros, na Bahia, essa é uma data de resistência na qual se luta para que as escolas, as prefeituras e as instituições parem de repetir os estereótipos que se criaram em torno dos povos Indígenas durante 521 anos.

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“Precisamos que a população brasileira compreenda que não somos a imagem de um estágio ‘pré-cultural’ da humanidade, diferente disso somos seres humanos, homens e mulheres constituídos de cultura e saberes. A única diferença é que nossos costumes, línguas e visão de mundo são distintos da do homem branco e exigimos respeito por isso”, reforça a liderança.

Diante das ameaças constantes sofridas pelas comunidades indígenas do Brasil, principais vítimas de situação de violência no campo, denunciar as agressões sofridas diariamente é buscar fortalecer a luta pela garantia de direitos previstos na Constituição de 1988.

Avanço da violência sobre territórios indígenas

Na última segunda-feira (18), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou a publicação anual ‘Conflitos no Campo 2021’, em que aponta o avanço do garimpo ilegal sobre as terras indígenas e a violência contra essa população. Em 2021, houve um aumento de 1.100% nas mortes em consequência de conflitos no campo. Das 109 mortes registradas em 2021, contra 09 registradas em 2020, 101 ocorreram no território Yanomami, em Roraima, por conta da ação de garimpeiros.

Foram registrados também 35 assassinatos em conflitos no campo no ano de 2021. Um aumento de 75% em relação a 2020, quando foram registrados 20 assassinatos. Dentre as 35 vítimas, 10 eram indígenas, nove sem-terras, seis posseiros, três quilombolas, dois assentados, dois pequenos proprietários, duas quebradeiras de coco babaçu e um aliado.

Desse total, 11 assassinatos, praticamente um terço, foram no estado de Rondônia, onde ocorreu, também, um massacre no mês de agosto, com três vítimas. Outro massacre foi registrado na região alta do rio Apiauí, em Mucajaí, sul de Roraima, com a morte de três indígenas Moxihatëtëa, classificados como “indígenas isolados” e chacinados na Terra Indígena Yanomami, em Roraima.

Além disso, a publicação da CPT apresenta pela primeira vez dados quanto à orientação sexual e à expressão de gênero das vítimas. Em 2021, cinco pessoas LGBTQIA+ sofreram violência no campo, sendo quatro destas vítimas identificadas como sem-terras e uma indígena.

“Nós temos atualmente o Congresso mais anti-indígena na história recente deste país desde a redemocratização. Essa política está muito bem estruturada para ser de fato anti-indígena com o desmonte de órgãos de atendimento às demandas dos povos indígenas. Não saiu mais nenhuma demarcação e isso gera uma série de tensões e inseguranças”, destaca Ronilson Costa, da coordenação nacional da CPT.

Expansão do garimpo ilegal

Garimpo ilegal

Devastação do garimpo no Rio Uraricoera, Terra Indígena Yanomami | Crédito: Bruno Kelly/HAY

Ainda de acordo com a publicação da CPT, a Terra Indígena Yanomami (TIY) – que faz 30 anos de demarção em maio deste ano – é um dos territórios mais duramente afetados pelo garimpo ilegal, que vem se expandindo aceleradamente no país desde pelo menos 2012, com impacto significativo sobre a Amazônia.

Esse avanço desenfreado tem causado mortes e violências, remetendo a um nível de ataques que a etnia havia sofrido no final da década de 80, quando o Poder Judiciário reconheceu a situação vivenciada pelos indígenas como genocídio.

“Os efeitos da atividade garimpeira ilegal sobre os povos indígenas afetados são múltiplos. Para além dos severos danos ao meio ambiente, as denúncias dos indígenas Yanomami e Ye’Kwana contra a presença da atividade garimpeira próximo a suas comunidades vêm revelando prejuízos diretos à saúde, à alimentação, à segurança pessoal, à integridade física das comunidades indígenas do entorno”, destacam.

Entre 1985 e 2020, a exploração garimpeira cresceu mais de seis vezes: de 31 mil hectares em 1985 para um total de 206 mil hectares. Os dados da plataforma também demonstraram uma tendência de aceleração desde a década de 2010.

“O garimpo ocorre atualmente quase que exclusivamente na região amazônica (cerca de 90% da área identificada), sendo que metade das áreas de exploração foram detectadas em Unidades de Conservação ou Terras Indígenas, onde tal ação é ilegal. Nestas, a atividade teve um aumento de 495% de 2010 a 2020”, também pontua a publicação.

Entre os meses de abril e maio de 2021, o território Yanomami foi ameaçado intensamente pela presença de núcleos garimpeiros das proximidades. A comunidade de Palimiú sofreu um ataque em 10 de maio, levando ao afogamento de duas crianças durante a fuga. Outras situações de violência são identificadas nas regiões impactadas pelo garimpo.

O relatório ‘Yanomami Sob Ataque: Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo’, lançado pela Hutukara Associação Yanomami no dia 11/4, em 2021, o garimpo ilegal avançou 46% em comparação com 2020. Além disso, a publicação traz relatos de violência sexual sofridas por mulheres e crianças por parte dos garimpeiros. Há situações em que comida é oferecida em troca de sexo.

“Os [garimpeiros] dizem: ‘Essa moça aqui. Essa tua filha que está aqui, é muito bonita!’. Então, os Yanomami respondem: ‘É minha filha!’. Quando falam assim, os garimpeiros apalpam as moças. Somente depois de apalpar é que dão um pouco de comida” – um dos depoimentos disponibilizados.

“Lamentavelmente, as terras indígenas dos povos Yanomami tem sido um dos principais lugares onde garimpeiros tem se atraído. Está distante das forças de observação e monitoramento. A própria Funai, entre outros órgãos de atendimento às demandas dos povos do campo e das florestas, tiveram seus orçamentos extremamente reduzidos, o que afeta fiscalização, continuidade dos processos que estavam em andamento e abre uma série de precedentes para a atuação de garimpos”, explica Ronilson Costa.

Governo na contramão da garantia de direitos

Aldeia Novos Guerreiros

Aldeia Indígena Novos Guerreiros, em Brasília, contra o Marco Temporal | Crédito: Acervo de Fábio Pataxó

De acordo com Fábio Pataxó, as violações aos direitos indígenas têm se acentuado durante o Governo Bolsonaro por diversas questões, entre elas pela mudança estrutural nas políticas indigenistas do país, o desmonte e esvaziamento da Funai (Fundação Nacional do Índio), a abertura para exploração de territórios tradicionais em todo país e a falta de comprometimento com questões ambientais.

 “Outra questão que foi e é demasiadamente responsável pelos ataques sofridos por nossos povos, é o discurso de ódio difundido pelo presidente que ainda em sua campanha declarou guerra contra os povos Indígenas, declarando que se fosse eleito não ia demarcar nem um centímetro de terra. O discurso de ódio dele leva outra pessoa a reproduzir seu discurso e consequentemente a praticar violência, discriminação, e até mesmo assassinar lideranças Indígenas”, explica a liderança.

Brasílio Priprá, liderança do povo Xokleng, acredita no mesmo. “É lamentável no século 21 o governo brasileiro que tem a responsabilidade de defender os direitos dos povos indígenas, direito do povo brasileiro, ter essa atitude. O governo brasileiro precisa fazer com que haja segurança para esses povos. É uma vergonha o que o governo brasileiro expressa quando toca nos direitos dos povos indígenas. É desrespeito aos povos indígenas e desrespeito à Constituição Federal”, explica.

O povo Xokleng está no centro do debate sobre direitos indígenas no STF, que analisa a reintegração de posse movida em Santa Catarina referente à Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem os povos Guarani e Kaingang. Entre as ações, está o julgamento da tese do Marco Temporal, Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, previsto para ser retomado pela Corte no dia 23 de junho de 2022.

Entre os dias 4 e 14 de abril, mais de sete mil representantes de 200 etnias estiveram acampados na Esplanada em Brasília no Acampamento Terra Livre (ATL) para a defesa da demarcação das terras indígena, oposição à liberação de mineração em terras indígenas (PL 191/2020) e contra o Marco Temporal, que limita o reconhecimento de novas terras tradicionalmente habitadas por povos originários.

“O poder público precisa tomar diversas medidas para garantir a proteção de nossos povos. O primeiro passo é revogar imediatamente todas as políticas anti-indigenistas promovidas pelo governo genocida de Bolsonaro. Em seguida deve-se criar um programa eficaz de proteção às lideranças Indígenas e defensores de direitos humanos, isso torna-se cada vez mais necessário, em terceiro lugar precisamos que se crie políticas indigenistas de estado”, finaliza Fábio Pataxó.

Leia também: Indígenas ocupam Brasília para tentar barrar projetos que violam direitos

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