Os cientistas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) sinalizam que frear o aquecimento global exige a diminuição do lançamento de gases de efeito estufa. Para isso, o mundo tem debatido a chamada “transição energética”, o fim do uso de gás e petróleo e o fortalecimento de outras fontes de energia.
Em entrevista para a Alma Preta, o geográfo Diosmar Filho, da Associação de Pesquisa Iyaleta, contou sobre os desafios da chamada “transição justa” e como esse debate está conectado com as discussões sobre desigualdades no mundo.
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
Para ele, é necessário que se acompanhe de perto como o minério dos países do Sul global será tratado para mudar a matriz enérgica do mundo, se vai ser extraído por grandes corporações transnacionais ou se essa mudança da matriz energética será a possibilidade de diminuir as desigualdades do planeta.
O geógrafo acredita que o mundo vive a oportunidade de enfrentar o petróleo, os demais combustíveis fósseis e diminuir as desigualdades globais e locais.
Confira a entrevista na íntegra:
Alma Preta: Como você tem avaliado todas as promessas de mudança da matriz energética no mundo?
Diosmar Filho: A gente está discutindo o que é a transição justa. O que essa transição pode causar naquela estrutura prévia de desigualdade.
Porque se for só para atender ao sistema, às grandes corporações, à indústria da construção civil global, que precisa mudar toda uma estrutura para uma matriz que consuma menos energia, tudo isso depende de um minério. Tudo isso precisa de outros tipos de recursos.
AP: As mineradoras têm falado que elas são fundamentais para a transição energética, se colocando quase como uma empresa necessária, como algo verde. Mas as mineradoras também não são parte do problema?
DF: Os estados são a parte principal desse problema, porque em boa parte do Sul global, as mineradoras, os minérios e os recursos minerais necessários para essa transição justa estão na mão do setor privado. No caso do Brasil, uma empresa como a Vale, que controla boa parte da mineração no país, é parte total desse processo.
A questão é outra, como o Estado brasileiro vai tratar essa questão? Não é só Brasil, mas como os conflitos que a gente está tendo hoje, o lítio na Bolívia, as tentativas de golpe de Estado que tiveram na Bolívia. O que está acontecendo em Uganda, na República Democrática do Congo, o que está acontecendo na Argentina.
Então a gente vai ter que olhar essa questão, como as mineradoras transnacionais estão operando dentro dos estados para se apropriar desse recurso que vão ser os recursos da transição, dos minerais necessários para todas as baterias.
AP: Como o Brasil está posicionado nessas discussões globais sobre transição energética?
DF: É muito importante para a gente uma parceria comercial como a gente tem hoje no BRICS. Mas boa parte do minério manganês do Brasil está dentro da demanda da China de uma transição para um transporte sustentável, coletivo e de alta velocidade.
Se o Brasil quiser criar uma rede de meio de transporte de ferrovias que pegue os 8 mil quilômetros, que é toda a costa brasileira, ele vai precisar de muito trilho.
O manganês do Brasil vai para a China, que volta como trilho. O Brasil, se quiser fazer uma transição de verdade, vai ter que ter esse equilíbrio.
AP: Como o Brasil está tentando fazer essa transição na sua matriz energética tem a possibilidade de diminuir as desigualdades?
DF: É só a gente ler o Plano Nacional de Transição Ecológica, que é liderado pelo ministro Fernando Haddad. É só você pegar o Plano Nacional de Transição Ecológica e ver que não tem nenhuma discussão de como nós vamos resolver um problema de desigualdades territoriais dentro do Brasil.
Se você pega duas regiões como a Norte e Nordeste do Brasil, com maior densidade populacional negra, você vai ver que são regiões onde está se explorando mais, mas onde está se menos investindo.