No Estado de São Paulo, o uso de máscara é obrigatório em espaços públicos, estabelecimentos comerciais e transporte por aplicativo
Texto: Nataly Simões | Edição: Simone Freire | Imagem: Anna Shvets/Pexels
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O decreto publicado pelo Governo do Estado de São Paulo, que torna obrigatório o uso de máscaras em espaços públicos, estabelecimentos comerciais e transporte por aplicativo, entrou em vigor nesta quinta-feira (7). A regra vale enquanto durar a pandemia do Covid-19, o novo coronavírus, e deve redobrar os cuidados da população negra ao sair na rua. No entanto, há relatos de pessoas que saíram de casa com a máscara para se proteger da contaminação do vírus e voltaram com mais um caso de racismo na bagagem.
É o que aconteceu com Gabriel Matos, diretor de criação no BuzzFeed, que antes mesmo da obrigatoriedade do uso já transitava de máscara para se proteger do Covid-19. Na manhã do dia 29 de abril ele saiu para ir ao supermercado e acabou seguido por uma viatura por sete quarteirões. Inconformado, ele compartilhou a situação em sua conta no Twitter.
Saí de máscara pra ir no mercado e uma viatura me seguiu por 7 quarteirões. Eu não aguento mais
— Paulista não praticante (@Sukitabr) April 29, 2020
Matos conta, em entrevista ao Alma Preta, que considera importante o uso obrigatório da máscara para frear a disseminação do Covid-19. Para ele, o problema é que o uso alimenta o racismo enraizado na sociedade.
“A máscara só atribui mais um elemento de acusação para uma parcela da população em que a cor da pele é motivo de suspeita. É uma situação onde você precisa escolher se quer morrer de morte matada ou de morte morrida. Se saímos sem máscara corremos o risco de pegar o coronavírus, se saímos com a máscara, elevamos o risco de sermos abordados pela polícia”, afirma.
Para evitar ser vítima da violência racial por parte da polícia, o publicitário Paulo Santos adotou uma estratégia que, por outro lado, pode diminuir sua proteção ao Covid-19. “Sempre que uma viatura está por perto eu tiro um lado da máscara para deixar meu rosto aparente. Dessa forma, acredito que tenho menos chance de ser ‘confundido’ com alguém que a polícia procura”, conta.
Multa para quem não usar
O uso da máscara não deve ser descartado por ser fundamental para as pessoas se protegerem da contaminação do vírus ao sair de casa, conforme a recomendação do Ministério da Saúde. Além disso, em São Paulo, quem descumprir o decreto também pode ser multado em um valor de até R$ 276 mil por cometer infração de medida sanitária e crime de desobediência. O infrator pode até ter de enfrentar uma detenção de um a quatro anos de prisão.
De acordo com o advogado Bruno Candido, para normas como a obrigatoriedade do uso de máscaras não discriminarem nenhum grupo, é preciso considerar a realidade da sociedade. “Do contrário, é só um caminho para aumentar o abismo discriminatório de direitos fundamentais”.
Candido considera que destinar questões de saúde pública como o Covid-19 à segurança pública e à política criminal fortalece a repressão da população negra, periférica e em situação de rua, que não são lidas socialmente, segundo ele, como merecedoras de direitos como a vida, a saúde e a moradia.
“É pensar ainda que por força da criminalização e demonização histórica da população negra, tratar pandemia como plano de segurança pública, e tornar obrigatório o uso de máscaras sem considerar a diversidade e estigmas do Brasil, é chancelar erros da atividade policial que com frequência ‘confunde’ pessoas negras com bandidos que devem ser alvejados”, salienta.
O quê fazer se for vítima de racismo?
No Brasil, não existe nenhuma legislação que trate sobre o crime de racismo em situações de crise epidemiológica como a do Covid-19. As pessoas que passarem por situações racistas em meio a pandemia, no entanto, têm meios para que o autor do crime não passe impune. Um dos caminhos apontados pelo advogado Bruno Candido é recorrer à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) ou às delegacias comuns.
“As pessoas perseguidas por racismo em estabelecimentos comerciais, por exemplo, devem solicitar a autoridade policial as imagens de vigilância do local para comprovar a perseguição ou o impedimento de acesso. Também é importante, no momento do fato, que anote todos os dados de contatos das testemunhas presentes, confirmando se elas perceberam a razão da discriminação”, alerta.
Na realidade, crimes raciais tendem a encontrar barreiras institucionais para a condução adequada e, no caso da pandemia do Covid-19, outro impedimento para a solução do caso pode ser a prioridade para crimes considerados urgentes. Por isso, é importante ter o auxílio de um advogado.
Candido destaca que, com a devida apuração do crime, o indivíduo que cometeu poderá responder criminalmente e o estabelecimento também, no âmbito cível. Em ambos os casos, a vítima pode ser indenizada. É possível ainda, dependendo da localidade onde ocorreu o crime, a imposição de multa administrativa pelo estado ou município que tenha previsão institucional de combate ao racismo, como São Paulo e Rio de Janeiro.