Entre o início de janeiro de 2019 e o final de março de 2022, foram registrados 429 casos de policiais militares feridos por disparo de arma de fogo no estado de São Paulo, porém, a instituição não tem o registro de quantos se feriram pela própria arma ou por falha no equipamento.
Segundo o departamento de informações da Polícia Militar, em resposta à solicitação por meio da Lei de Acesso à Informação (lei 12.527/11), entre o total registrado estão os casos de ferimentos provocados pela própria arma do policial, em disparo acidental ou por outro motivo, pois, segundo a PM, não é feita a tabulação dos dados por tipo de disparo.
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A resposta dada em 7 de abril, para a solicitação feita em 28 de março, porém, dá conta que são tomadas providências para saber se houve falhas no armamento quando os policiais se ferem com a própria arma de serviço.
“Quanto às providências da PM, esclarecemos que após comprovação pericial e constatado a falha do armamento, a empresa responsável é processada pela Procuradoria Geral do Estado”, diz a resposta da instituição.
Em resposta ao recurso feito na data de 12 de abril, solicitando mais detalhes sobre a origem dos ferimentos de policiais militares por arma de fogo e qual a quantidade de casos registrados ano a ano, desde 2019, o chefe do departamento de informações ao cidadão da Polícia Militar do Estado de São Paulo afirmou que não era possível fazer essa separação.
“Em atendimento ao recurso apresentado, esclareço que os dados apresentados são atinentes aos ferimentos por arma de fogo tanto em serviço como no horário de folga. Muito embora os dados sejam compilados em um cenário conjuntural, ou seja, são agregados sempre no ano corrente, o pedido para que sejam ofertados tais dados separados anualmente não é possível, pois o cômputo não possui esta rotina”, diz a resposta encaminhada pela PM.
Por sua vez, a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo respondeu que não consegue extrair do sistema de acompanhamento processual os dados sobre quantas vezes e quais são as empresas fabricantes de armas processadas pelo governo paulista, após a comprovação de falha na arma. Na resposta, a PGE informou também que “as ações judiciais são públicas, sendo possível obter as informações através do site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo”.
Na busca feita no TJ-SP aparecem processos contra a empresa Taurus, que estão em segredo de justiça. No entanto, um processo com acesso livre dá conta da confirmação do pagamento de indenização de R$70 mil para um PM, 2º sargento, de Sorocaba, que foi ferido na perna esquerda por um tiro acidental da carabina da marca que estava usando.
No recurso, a fabricante de armas alegou que o tiro poderia ter sido por imperícia do policial, mas o processo de sindicância militar apurou que o PM foi aprovado com nota “9,71” no treinamento do uso de carabina alcançando o conceito “excepcional” na avaliação, além de já ser um policial experiente com atuação na Força Tática.
O acidente aconteceu em fevereiro de 2014, o tiro acertou o fêmur e o 2º sargento perdeu quatro centímetros da perna esquerda. A Taurus foi condenada em 2018, mas entrou com o recurso e a decisão, em favor do policial, saiu no último dia 14 de março, ou seja, oito anos após o disparo involuntário.
O relatório pericial da PM apontou que “não houve negligência, imprudência ou imperícia por parte do policial militar”.
De acordo com a perícia da PM, a causa do tiro acidental foi a arma. “O armamento possui um guarda-mato, que é uma peça de segurança, um arco que resguarda o gatilho do armamento. A empresa TAURUS forneceu esta Carabina 30 com um guarda-mato RETRÁTIL, algo completamente absurdo para os padrões de utilização da Polícia Militar do Estado de São Paulo”.
Pistolas
A Taurus Armas produz as pistolas 24/7 ponto 40, desde 1997. As pistolas da Taurus são compradas pelas PMs de diversos estados do Brasil, entre eles São Paulo, Pernambuco, Bahia, Sergipe e Rio Grande do Sul, onde fica a fábrica da empresa na cidade de São Leopoldo.
Em 29 de julho de 2019, o chefe do departamento de logística e finanças da Polícia Militar do Distrito Federal, Estéfano Enes Lobão, publicou um relatório que vinha sendo feito desde 2016 sobre as pistolas da Taurus. O estudo constatou que “as armas PT 24/7 PRO, 24/7 PRODS e 24/7 PRO Tátical, são inadequadas, nos aspectos de confiabilidade e segurança, para o serviço policial militar”. Os dados foram publicados na página 4 do “Diário Oficial” do DF daquele dia.
Segundo o relatório, de um lote analisado com 172 armas da Taurus, todas as armas que eram usadas por policiais apresentaram defeito durante os testes.
“Ficou comprovado defeito em 100% (cem por cento) das armas, defeitos estes classificados em: falhas no carregamento, disparos em rajada, disparo acidental em caso de queda, disparo sem acionamento do gatilho, disparo ao acionar o decocking e disparo ao acionar a trava externa (trava de segurança)”, diz um trecho da publicação.
No mesmo documento, foi solicitada a substituição, em caráter emergencial, de 12.438 armas da Taurus declaradas “inservíveis” para os policiais.
A Alma Preta Jornalismo procurou a Aniam (Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições), da qual faz parte a Taurus, para comentar sobre os disparos involuntários das armas usadas por policiais militares.
A Aniam não respondeu até a conclusão da reportagem. A solicitação foi feita na mesma semana em que o ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, se envolveu em uma situação de disparo acidental de uma arma, dentro do aeroporto de Brasília, enquanto tentava retirar a munição para embarcar. A funcionária de uma companhia aérea ficou ferida com os estilhaços do tiro.
No site da Aniam, um dos destaques é a informação sobre a distribuição de R$194 milhões de dividendos para acionistas da Taurus no final deste mês, resultado de uma reestruturação que acontece desde 2018. Em 2021, a Taurus teve lucro de R$ 635 milhões e cerca de 80% da produção é exportada para os EUA.