Profissionais que atuam na garantia dos direitos das populações de rua e de crianças e adolescentes contam ao Alma Preta as mudanças no trabalho diante da pandemia
Texto / Nataly Simões | Edição / Simone Freire | Imagem / Amanda Rocha
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Presentes nos espaços onde estão as populações em maior vulnerabilidade social e econômica, os assistentes sociais tiveram suas rotinas de trabalho transformadas por conta da pandemia do Covid-19, o novo coronavírus. Mesmo assim, muitos destes profissionais continuam na linha de frente na garantia dos direitos humanos daqueles que mais precisam.
Em São Paulo (SP), um dos assistentes sociais que têm se arriscado para exercer seu ofício é Erly Fernandes de Araújo. Mulher negra e integrante do Comitê de Combate ao Racismo do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS) e da Aliança Pró Saúde da População Negra no município, a profissional atua no Núcleo de Convivência de Adultos em Situação de Rua, conhecido como Casa Franciscana, na região do centro.
Desde o início de abril, o serviço atende diariamente 200 pessoas em situação de rua. Na cidade, 70% dos 24.344 indivíduos contabilizados nessa condição são negros. A prevalência de doenças respiratórias como tuberculose e a falta de acesso à higiene e a serviços de saúde são problemas que também fazem da população que vive na rua o grupo mais vulnerável ao Covid-19.
Entre outras ações, a assistente social conta que orienta as pessoas em situação de rua sobre o cadastro para a solicitação da renda básica emergencial, registro de boletim de ocorrência virtual, vagas de acolhimento em instituições e, principalmente, sobre as solicitações de itens de alimentação e de higiene pessoal.
“As medidas preventivas adotadas pela gestão do município diante do Covid-19, como o fechamento do comércio, agravaram expressivamente as condições de vida dessa parcela da população, que tem como única fonte de subsistência as atividades que envolvem, por exemplo, o trabalho com recicláveis”, conta Araújo.
A Secretaria Municipal de Saúde registrou até a segunda-feira (4) 20.848 casos confirmados do Covid-19 e 1.775 mortes em decorrência da doença. Apesar de as pessoas que vivem na rua não terem a possibilidade de seguir à risca o isolamento social, os assistentes sociais também passam orientações sobre como essa população pode se proteger do vírus.
“Temos oferecido máscaras de proteção individual e feito diálogos baseados nas orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde para que, na medida do possível, essas pessoas respeitem o distanciamento social”, acrescenta.
Atuação nas periferias
Longe do centro, uma das ações comuns dos assistentes sociais é o desenvolvimento de atividades voltadas às crianças e adolescentes das periferias. Por causa da pandemia do Covid-19, a prefeitura suspendeu grande parte das ações, impossibilitando o trabalho de assistentes sociais como Julio Cézar de Andrade.
Homem negro e mestre em Serviço Social, o profissional gerencia um serviço de convivência e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários na Vila Iolanda, periferia da Zona Leste. O serviço atende 120 crianças e adolescentes, majoritariamente negras, por meio de atividades artísticas e culturais que potencializam suas habilidades humanas e auxiliam em seus processos de reconhecimento como sujeitos.
“Com a suspensão das nossas atividades por tempo indeterminado, fizemos a entrega de cestas básicas para as famílias que ficaram sem atendimento. A pandemia potencializou a situação de pobreza, pois nos bairros majoritariamente negros há um exército de trabalhadores sem carteira assinada e autônomos. As demandas por segurança alimentar só se potencializaram”, relata.
“Temos um grupo onde contatamos as famílias para reuniões, mas não fazemos nenhuma ação à distância por compreender que isso fere princípios e a ética da nossa atividade. Vamos esperar a crise passar para retomar o atendimento às famílias”, explica o assistente social.
Trabalho à distância
Por outro lado, o trabalho remoto pode evitar que os profissionais fiquem expostos ao Covid-19. Na cidade de São Paulo, com a suspensão do atendimento ao público, assistentes sociais também têm realizado funções administrativas. É o caso da Patrícia Maria da Silva. Especialista em Gestão Pública na Assistência Social e integrante do Comitê de Combate ao Racismo do CRESS, ela atua em um núcleo da Secretaria Municipal de Habitação, que presta assistência às famílias que vivem em ocupações na região central.
“O trabalho do núcleo foi reduzido em mais de 80% e não estou exercendo minhas atribuições de assistente social. Reivindicamos ao secretário de Habitação a possibilidade de trabalhar de forma remota todos os dias porque fazemos atividades administrativas e que só dependem do computador, mas não tivemos nossa solicitação aceita. Por isso, ao me deslocar apenas para responder às demandas do sistema, compreendo que estou me expondo desnecessariamente ao vírus”, salienta.