Quilombolas colocam como prioridade o avanço da titulação dos territórios durante a programação da COP 28, cúpula do clima da ONU, em Dubai, nos Emirados Árabes. O grupo participa de agendas para pressionar o governo federal e de painéis a fim de apresentar a situação dessa população e enfrentar o apagamento na agenda de preservação do meio ambiental.
A Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) e o Instituto SocioAmbiental (ISA) apresentaram para os participantes da COP 28 um documento em inglês e em português com dados para comprovar a preservação ambiental dos povos quilombolas no país. O recado principal do documento é de que “reduzir a emissão de gases estufa no Brasil depende da titulação dos territórios quilombolas”.
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As informações mostram que 20% dos territórios quilombolas estão sob a mira do interesse de mineradoras, 30% da área total sofre pressão de propriedades privadas, com interesses diversos, como o agronegócio, e 48% da área total está sob a influência e a pressão de obras de infraestrutura.
O início do documento sinaliza que a titulação protege a vida dos povos quilombolas, bem como a preservação do meio ambiente nos territórios. O levantamento mostra que de 1985 para 2022 houve desmatamento de 25% da vegetação existente em áreas privadas, enquanto esse mesmo indicador foi de 3,2% nos quilombos titulados e 5,5% nos sem titulação.
“Não tem como a gente defender o meio ambiente sem nosso território demarcado, porque a maior parte dos nossos territórios é grilado. Há um incentivo para o agronegócio no país, que avança sobre os nossos territórios”, conta a quilombola e jornalista Maryellen Crisóstomo, integrante da CONAQ e do Vozes Negras pelo Clima.
O relatório destaca ainda que 70% dos territórios quilombolas não têm titulação. De acordo com o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem hoje 167 mil quilombolas, com 494 territórios, totalizando 3,8 milhões de hectares.
A quilombola Isabel Cristina de Souza, também integrante da CONAQ e do Vozes Negras pelo Clima, reafirma a relevância da titulação para o grupo. “A titulação dos nossos territórios quilombolas é fundamental para que a gente defenda ainda mais o meio ambiente, a biodiversidade e o que nós cultivamos nos nossos territórios, que é a preservação da mãe natureza, da agricultura familiar, do nosso povo”.
Essa é a terceira vez que a CONAQ participa da COP. Desde a edição de Glasgow, Escócia, em 2021, o grupo tem denunciado as violações sofridas nos territórios e o apagamento das comunidades remanescentes de quilombo para frear o desmatamento no país. Em 2021, foram quatro integrantes da comitiva quilombola e em 2022, no Egito, 10 pessoas, o mesmo número para a edição de 2023, em Dubai.
Agenda diaspórica
A CONAQ também tem ampliado os laços com grupos de afrodescendentes rurais de países da América Latina. Durante a COP 28, no dia 7 de dezembro, haverá o lançamento de um documento com outros grupos de países vizinhos para chamar a atenção da importância dos descendentes de africanos para a preservação do meio ambiente.
O texto destaca a presença de cerca de 200 milhões de afrodescendentes na região e a escassez de estudos sobre o papel dos afrodescendentes na preservação desses territórios. A pesquisa, assinada por Direitos e Recursos, Iniciativas (RRI), Processo de Comunidades Negras (PCN), Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ), e o Observatório de territórios Étnicos e Camponeses (OTEC), mostra que, dos 200 milhões de hectares sob a responsabilidade de afrodescendentes em 16 países diferentes, apenas 5% tem um reconhecimento territorial legal.
Maryellen Crisóstomo diz que a articulação internacional faz parte da estratégia da CONAQ, sobretudo no foco de ampliar o diálogo com grupo da região.
“A CONAQ tem sempre buscado fazer essa agenda para além do Brasil, com outros povos afro-rurais da América Latina, justamente para que a gente possa fortalecer a agenda das populações afro-rurais que estão na América Latina e que sofrem com problemas semelhantes, como grilagem e mineração”, explica.
O texto de convite para o lançamento do estudo aborda a necessidade de ampliar esses grupos para o fortalecimento do meio ambiente.
“Estes estudos tentam motivar ações concretas nos estados da América Latina e nos doadores bilaterais e filantrópicos para impulsionar e implementar reformas de reconhecimento e titulação de territórios dos povos afrodescendentes, como uma forma de assegurar um caminho efetivo para o cumprimento dos compromissos estatais de mitigação e adaptação das mudanças climáticas e conservação da biodiversidade”, diz o texto.