Um levantamento inédito, intitulado “Catraca Racial: o impacto da segurança pública na mobilidade urbana da capital da Bahia”, revelou que Salvador sofreu 85 interrupções no transporte público entre agosto de 2023 e agosto de 2024 devido a eventos ligados à segurança pública.
O estudo, realizado pela Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, o Observatório da Mobilidade de Salvador e o Instituto Fogo Cruzado, analisou dados da Rede de Observatórios da Segurança e da Prefeitura de Salvador, e aponta que, ao todo, essas interrupções somaram 316 horas de paralisação, o equivalente a 13 dias sem transporte.
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Os episódios afetaram 30 bairros de Salvador, sendo a maioria de população negra. Mussurunga foi o mais impactado, com 14 paralisações ao longo do ano. Em maio, o bairro chegou a ficar sete dias consecutivos sem transporte público, na interrupção mais longa registrada. Outros bairros atingidos incluem Fazenda Coutos, Valéria, Pernambués, Águas Claras e Nordeste de Amaralina, todos com frequentes conflitos armados.
“A população negra e periférica de Salvador hoje sofre até para permanecer em suas comunidades, devido aos conflitos recorrentes produzidos por um modelo violento de segurança pública. Mas também sofre se precisa deixar a sua moradia para acessar direitos em outras áreas da cidade. Se não há mobilidade urbana, compromete-se o direito à saúde, à educação, à geração de renda e ao lazer. É como se o Estado construísse uma catraca racial não visível a todos os olhos, mas que define quem, quando e pra onde, pode se mover na cidade de Salvador”, comenta Dudu Ribeiro, historiador e diretor executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, e um dos responsáveis pelo levantamento.
De acordo com o urbanista Daniel Caribé, a imobilidade urbana temporária força as pessoas a percorrerem longas distâncias a pé, recorrerem a transportes irregulares ou mototáxis, o que sobrecarrega ainda mais a população vulnerável. “Isso corrói a renda, rouba tempo de vida e restringe o acesso a direitos básicos como educação, saúde e lazer”, acrescentou.
A Prefeitura de Salvador, quando questionada, afirmou que as paralisações do transporte público são autorizadas pela Coordenadoria de Administração e Fiscalização (Cofat), com base na iminência de vandalismo ou risco aos passageiros e operadores. Em resposta ao estudo, a Secretaria de Mobilidade Urbana revelou uma proposta de criação de um comitê de crise para debater soluções para manter o serviço em áreas afetadas pela violência.
Para Tailane Muniz, coordenadora do Instituto Fogo Cruzado na Bahia, os dados revelam um cenário alarmante. “Quando a violência interfere tão diretamente em um serviço essencial como o transporte público, é sinal de que há algo errado na política de segurança, e isso não pode ser visto como natural”, conclui.