Dados mostram aumento expressivo de casos de pneumonia e insuficiência respiratória, doenças que podem ser um desdobramento da Covid-19
Texto / Pedro Borges I Edição / Simone Freire / Imagem / Pedro Borges
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No cemitério da Vila Nova Cachoeirinha, na Zona Norte da cidade de São Paulo, a rotina tem mudado desde o início da pandemia do Covid-19, o novo coronavírus. Por lá, a média de enterros era de 18 pessoas por dia antes da pandemia. Na semana do dia 12 a 19 de abril, no marco de um mês da quarentena decretada na cidade, a média diária variou entre 21 e 25 enterros, segundo o Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública e Autarquias no Município de São Paulo (Sindsep), responsável pelos agentes sepultadores.
De pouco em pouco, diariamente as covas são abertas e o ritual de vestir os equipamentos de proteção para diminuir os riscos de contaminação se tornam um costume. “A gente enterra mais ou menos três pessoas de Covid-19 [por dia]”, explica Manuel Norberto, agente sepultador e diretor do Sindsep, em entrevista para o Alma Preta. “Dessas, uma é de caso indeterminado da doença”, salienta o agente, apontando para a possibilidade de subnotificações dos óbitos em decorrência de Covid-19.
Manuel explica que os registros de óbito de pessoas que faleceram em decorrência do novo coronavírus vêm documentados com uma tarja preta e o símbolo de D3. A mesma marca, uma sinalização para os profissionais fazerem o enterro com a proteção devida, também aparece para os óbitos de pessoas que faleceram por suspeita da doença.
“Essa é a discussão que a gente faz, de que o número de mortos é muito maior do que as secretarias e os ministérios estão passando”, afirma João Santana, assessor do Sindsep, que teme que os casos suspeitos não sejam reportados para a prefeitura oficialmente.
Sintomas semelhantes
Dados da Central de Informações de Registro Civil apontam para o crescimento, no estado de São Paulo, do número de pessoas vítimas de pneumonia e insuficiência respiratória. Em março de 2019, por exemplo, foram 3.539 casos de pneumonia e 5.195 de insuficiência respiratória, ante 3.899 e 6.115 casos em 2020, respectivamente.
Questionada pelo Alma Preta, a Secretaria Municipal de Saúde sinalizou que não há subnotificações e dúvidas sobre os números oficiais registrados de pessoas infectadas pelo coronavírus. Além disso, sinalizou que “o atestado de óbito não é a estatística utilizada pelo Ministério da Saúde” para o balanço de mortes pela doença. A Secretaria Municipal de Saúde também salienta que há a possibilidade de se testar a pessoa suspeita pela Covid-19 mesmo após o óbito.
Maria José Menezes, mestra em Patologia Humana pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Fundação Oswaldo Cruz, acredita na alta subnotificação de casos no Brasil e aponta para os problemas disso na luta contra a pandemia. “As pessoas positivas, mas que ainda não apresentam sintomas, são uma fonte de disseminação do vírus. Sem a detecção dos infectados, perdemos as informações das pessoas que faleceram e não foram testadas para o vírus”, afirma.
Já a Associação de Médicos Negros acredita ser um erro não testar pessoas com quadros mais leves ou mesmo desconsiderar nas estatísticas casos de insuficiência respiratória e pneumonia. “O erro estratégico em não testar pacientes leves é que a pessoa sente só uma dor de garganta, pode ser Covid-19, mas se ela não testa, vai continuar contaminando outras pessoas, que no desenvolvimento da doença naquele organismo não vai ser só uma dor de garganta, pode ser algo mais grave, uma insuficiência respiratória”, explica.
Outono e inverno
No outono e inverno, o clima na cidade de São Paulo muda, com temperaturas mais baixas e o ar mais seco. O Hospital do Coração de São Paulo costuma registrar um aumento entre 30% e 40% no atendimento de pessoas com doenças respiratórias e cardiovasculares nessa época do ano.
A Secretaria Municipal de Saúde indica para um crescimento médio de 30% nos atendimentos a pessoas com problemas respiratórios nesse período. Sem um acompanhamento mais próximo e detalhado, pode haver uma subnotificação ainda maior com crescimento da pandemia e a mudança climática da cidade, afirmam os representantes da associação de médicos negros Instituto Luiza Mahin, em entrevista ao Alma Preta.
“Esse surto de casos de pneumonia e insuficiência respiratória podem ser explicados pelo aparecimento da Covid-19. Os casos Covid-19 podem inclusive se desdobrar em quadros de pneumonia e insuficiência respiratória. Nós nunca vamos saber, a não ser que tenhamos colhido o material desses pacientes, e feito o teste para confirmar a contaminação por Covid-19”, explicam.