Uma pesquisa conduzida no Território do Bem, conjunto de bairros periféricos de Vitória (ES), revelou que a maioria dos moradores identifica, questiona e resiste ativamente à disseminação de notícias falsas.
O estudo foi desenvolvido entre fevereiro e abril de 2024 por 14 moradores formados como pesquisadores comunitários no projeto CalangoLab, iniciativa ligada ao jornal comunitário Calango Notícias, à organização Ateliê de Ideias e aos pesquisadores David Nemer (Universidade da Virgínia) e Mirella Bravo (FAESA).
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As entrevistas envolveram 404 pessoas de nove bairros e comunidades da região. A metodologia incluiu coleta de dados presenciais em residências, o que ampliou a autenticidade das respostas e a representatividade dos dados.
Fake news impactam saúde, segurança e trabalho
Entre os entrevistados, 77,6% relataram já ter recebido algum tipo de desinformação. Em 25% dos casos, a desinformação gerou mudanças imediatas no comportamento das pessoas: trabalhadores deixaram de ir ao serviço, crianças faltaram à escola e consultas médicas foram canceladas.
No contexto local, as fake news mais frequentes envolvem criminalidade (13,37%) e segurança pública (12,12%). Quando o conteúdo desinformativo vem de fora do território, os temas mais comuns são saúde — com foco em vacinas e COVID-19 (42,5%) — e política (39,3%).
A percepção de risco gerada por essas informações têm impactos profundos. Segundo o relatório, o medo faz com que a rotina seja interrompida. Faltar ao trabalho pode significar perder a renda do dia ou até o emprego. Crianças sem merenda escolar ficam sem refeição.
WhatsApp lidera entre canais disseminadores de fake news
O celular com internet é o principal dispositivo de acesso à informação. Cerca de 92,8% dos moradores usam smartphones, sendo que 36,3% estão online mais de 15 horas por dia. O WhatsApp é o aplicativo mais utilizado (79,7%), seguido por Instagram (72%) e Facebook (47,5%).
Apesar da intensa conectividade, 61,04% dos entrevistados confiam mais em portais de notícias tradicionais do que em familiares ou amigos. Ainda assim, 23,77% nunca verificam a veracidade das informações antes de compartilhar. Essa aparente contradição revela o papel ambíguo das redes: são ao mesmo tempo fonte de acesso à informação e vetor de desinformação.
O WhatsApp lidera como principal canal de fake news (20,54%), seguido do Instagram (8,17%). A percepção sobre a responsabilidade é compartilhada: 58,42% dos participantes afirmaram que tanto usuários quanto plataformas digitais devem ser responsabilizados pela disseminação de conteúdos falsos.
Favelas atuam como territórios de resistência e produção de informação
O estudo desmonta a ideia de que as fake news se originam principalmente nas periferias. Ao contrário, aponta que esses territórios são alvos de campanhas organizadas que circulam com aparência de conteúdo legítimo. A origem da desinformação, muitas vezes, está fora das favelas, mas os impactos se concentram nelas.
Mesmo assim, moradores constroem formas próprias de enfrentar a desinformação e produzir informação confiável. Veículos comunitários como o Calango Notícias e influenciadores locais atuam como canais alternativos e confiáveis, fortalecendo a comunicação no território e desafiando narrativas externas. Esses esforços revelam que as periferias não apenas reagem, mas constroem formas de comunicação e leitura crítica do mundo.