Artistas independentes, de movimentos como o Hip Hop e Slam, não recebem apoio financeiro, o que os obriga a se desdobrarem em outras funções, já que a divulgação do trabalho deles depende do público e da rua. Evitando aglomerações por conta da pandemia e sem auxílio emergencial, os compositores tentam não deixar a arte morrer mesmo um ano após o início da crise sanitária.
Segundo a cantora Bia Ferreira, os efeitos da Covid-19 impactaram diretamente os movimentos artísticos, principalmente nas condições de acesso ao trabalho. Ela explica que existem artistas que puderam se reinventar nesse período, trabalhando de maneira online com transmissões de shows online, mas lembra que os das periferias nem sempre possuem equipamentos necessários para apresentações nesse formato.
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“As lives feitas durante a pandemia precisam de uma estrutura mínima, que não é oferecida ao artista independente. O acesso é mais limitado. Isso tudo diminui a autoestima desse artista, que teve que diminuir o número de shows e precisa se virar para saber como vai pagar as contas, como vai comer”, conta.
A rapper Jup do Bairro acredita que a falta de apoio para esses artistas interfere diretamente na disseminação da cultura periférica. “Desde 2018 vivemos uma guerra cultural instaurada, cortes diretos na cultura, a demissão de profissionais da arte. Isso se reflete diretamente na produção marginal, periférica e de rua. As manifestações culturais na periferia desde então vêm diminuindo com a falta de apoio de instituições que agem nos guetos, explica.
Jup do Bairro é uma das recentes revelações da música negra e brasileira. Foto: Divulgação
A arte de “se virar”
Para o cantor e produtor Walker Santos, vulgo Duawalzk, a crise provocada pela pandemia exige muita atenção para que o movimento Hip Hop não seja esquecido e também para evitar a disseminação do coronavírus.
“Batalhas de Hip Hop pequenas, que não têm tanto prestígio, acabam sendo prejudicadas, principalmente pela falta de recursos. O que é algo ruim, pois estimula que aconteçam batalhas clandestinas. Os artistas precisam disso para se movimentar e às vezes acabam por ser irresponsáveis”, considera.
Sem apoio financeiro, o sustento de vários artistas na pandemia tem dependido de um emprego formal ou de “bicos”. “Venda de água, bala, a gente se vira. Muitos artistas do meio tiveram que se adaptar nesse ano para ganhar dinheiro até para poder investir na própria arte e sobreviver”, relata o produtor.
O cantor e produtor Walker Santos, vulgo Duawalzk. Foto: Divulgação
Esse também é o caso de Ingrid Marques, ou Ingridis, como é conhecida. Cantora e participante do “Slam do Prego”, em Guarulhos (SP), a artista trabalha em eventos infantis e investiu em um brechó para poder pagar as contas.
“Não recebo apoio nenhum para continuar fazendo arte. Faço tudo de maneira totalmente independente. Artista, né? [risos]. A classe artística no Brasil sempre passa por isso: supervalorização e depois o esquecimento. É um ciclo que sempre se repete”, afirma.
Ingrid Marques, vulgo Ingridis. Foto: Slam do Prego
Jup acrescenta que a bandeira da representatividade negra, levantada por algumas marcas, é seletiva e não abraça todos os artistas. “A representação é uma das maiores armadilhas desse sistema. Ela faz a gente achar que de fato ‘os pretos estão no topo’, mas na verdade, se existe topo, existe base. Quem tem lives patrocinadas por grandes marcas ou instituições?”, questiona.
Criatividade na crise
A pandemia expôs ainda a desigualdade entre os artistas independentes e aqueles que têm mais visibilidade na mídia, ao mesmo tempo que serviu para potencializar a criatividade. É o que considera Bia Ferreira. “A gente tem que arrumar espaço e pensar em formas de sobreviver”, descreve.
Para ela, a crise mostra ainda a resistência dos artistas e de outros profissionais da classe artística, como produtores e auxiliares de backstage. “Todo mundo que vive de arte está passando por dificuldades financeiras e tendo que se descobrir em outros setores para garantir o ganha pão”, pondera.
Apesar do agravamento da pandemia nesses primeiros meses de 2021, Jup também acredita na reinvenção dos artistas independentes. “Nem tudo são flores, tampouco espinhos. O corpo marginal possui um chip de alta tecnologia de adaptação ao tempo-presente, mas é preciso se pensar em novas estratégias”, finaliza.
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