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“Ordem e Progresso”: um país sem amor?

Inspirado na frase do filósofo francês Augusto Comte “O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por meta”, o lema da bandeira nacional “Ordem e Progresso” teve o conceito do Amor suprimido

A montagem mostra a bandeira do brasil com o termo amor, ordem e progresso

Foto: Vinícius Araújo/Alma Preta jornalismo

15 de novembro de 2022

Baseado na expressão “O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por meta”, do filósofo positivista francês Auguste Comte, o lema “Ordem e Progresso”, contido na bandeira do Brasil, é a frase norte da presente estrutura social. Excluindo-se o termo “amor” da frase original, o lema Republicano brasileiro se atém a “Ordem e Progresso” deixando de lado a moral  “viver para os outros”, como aponta Wolf Paul, professor da Universidade de Johann Wolfgang Goeth, na Alemanha.

Idealizada por Raimundo Teixeira Mendes e desenhada pelo artista Décio Villares, a bandeira brasileira poderia ter sido escrita com o emblema completo – Amor, Ordem e Progresso. Segundo o professor de História Djalma Augusto, a elite brasileira que instituiu a República foi muito influenciada pelo positivismo e pode ter suprimido a palavra amor na versão final da bandeira brasileira. Porém, o professor ressalta que não há uma consideração teórica ou uma referência muito clara sobre a supressão da palavra amor, o que torna a questão difícil de ser discutida. 

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Janaína Costa, natural da comunidade Quilombola do Macuco (Mg), no Vale do Jequitinhonha e mestra em História pela Pontifícia Universidad Javeriana de Bogotá aponta que o amor, não apenas na bandeira de um país, mas na vida e na existência humana é um conceito político, e para que ele possa ter esse papel precisa-se levar em conta a assimilação e o comprometimento com uma “perspectiva futura pautada no bem-estar social, numa ética amorosa que passa pelo individual e pela luta de construção coletiva”.

Ela afirma que o governo republicano não necessariamente significou uma participação popular maior nos espaços de tomada de decisões políticas, penso que, ocorreu uma grande concentração de riquezas e poder nas mãos da nova elite dominadora que surgia e herdava privilégios econômicos do antigo sistema. Os interesses econômicos que norteiam a movimentação de militares e civis não se estendiam a uma grande massa da população daquele período, a população anteriormente escravizada.

“Neste cenário de pós abolição da escravatura, assumir o amor como princípio e somado aos conceitos de ordem e progresso, apenas teria sentido concreto se fosse entendido como prática política de ruptura. Para que a população deste período pudesse vislumbrar um futuro republicano pautado no amor como mecanismo de construção, muito deveria ser reconsiderado em relação ao período anterior”, pondera a especialista.

Janaína tem 29 anos, é ativista pela categoria do trabalho doméstico no Brasil, e é babá desde a adolescência. Ela estuda a obra de bell hooks – ativista e escritora expoente do movimento negro estadunidense, que se aprofunda no conceito de amor de forma ampla. Para ela, bell hooks ajuda na construção de uma “alternativa de sociedade pautada no amor como ponto de partida e ponto de chegada”.

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Revolução do Haiti foi uma das batalhas onde o povo oprimido se volta contra o opressor e vence a guerra | Imagem: Getty Images/BBC

O impacto do amor como princípio

Costa defende que talvez o impacto do lema do amor como princípio político para a população desprivilegiada naquele início republicano brasileiro tivesse sortido efeito semelhante ao que ocorreu aos Haitianos colonizados pela França, que se rebelaram contra o seu colonizador. 

“A Revolução Francesa que tinha a liberdade, igualdade e fraternidade como princípios, não estendia essas ideias às colônias de negros livres e escravizados, que se rebeleram contra isso. Liberdade, igualdade e fraternidade para quais franceses?”, questiona Janaína. 

Dessa forma, a pesquisadora afirma que, o amor, tanto no período escravista, republicano ou democrático só poderia animar e cultivar esperança nas pessoas, se viesse atrelado à prática construindo solo para seu crescimento. 

“Tanto para 1889 como em 2022, o amor ganharia sentido e significado se estampado nossa bandeira, se ele pudesse ser visto como comprometimento assumido por todos nós como intenção e rastro de caminho percorrido”, argumenta. 

Então, Janaína salienta que a abolição da escravidão e a proclamação se configuraram como marcos politicos, econômicos e sociais. Porém, para ela, tanto no período escravista, republicano e mesmo em nossa recente democracia, grande parte da sociedade vive o desamor, o descaso e o desprezo que advém daqueles que detêm o poder.

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Lula tem como um dos seus valores o amor, exposto na campanha presidencial | Imagem: Ricardo Stuckert

O amor empregado na política hoje

O lema de Bolsonaro “Deus, Pátria, Família” tem sentido muito diferente da frase utilizada por apoiadores de Lula em sua campanha: “O amor vai derrotar o ódio”. Sobre essa dicotomia, Janaína explica que o que se pode identificar nestes quatro anos do Bolsonaro no poder é uma forte naturalização do desamor, da ambição e do descaso como atalhos para a obtenção e concentração recursos econômicos nas mãos dos mais ricos. “Para pensar o desamor, a inexistência do cuidado, basta que pensemos sobre o descaso do governo durante a pandemia da Covid-19, que agora já soma mais de 700 mil mortos”.  

Para a pesquisadora, os governos anteriores de Lula foram construídos ao redor do compromisso de oferecer condições dignas de existência para os mais vulneráveis. Dessa forma, Lula traria o amor como ordem do dia e se apresentaria como um possível entendedor da proposta de bell hooks, a proposta de assumir o amor como prática, intenção e comprometimento político cotidiano.

“Neste cenário, quando estamos honestamente engajados na construção de um mundo regido pela igualdade de condições dignas de existência para todos, podemos dizer que a dimensão do amor político pode e deve ser acionada como mecanismo essencial. Se o amor não é um estrondo surgido de um momento ao outro, mas é resultante da interação de ingredientes como, honestidade, comunicação aberta, confiança, respeito, reconhecimento, entre outros… como nos convida a pensar bell hooks, a nossa existência política também carece de muitos ingredientes”, conclui.

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