O pesquisador, sambista e escritor negro Nei Lopes teve o nome indicado para receber o título de doutor honoris causa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), através da Faculdade Nacional de Direito (FND). Feita pelo advogado Eloá dos Santos Cruz, em setembro de 2019, a indicação foi negada ainda no início do processo de avaliação.
Nesta quarta-feira (28), o caso deve voltar a ser avaliado na UFRJ após um recurso feito, no dia 7 de julho, pelo próprio Cruz, que se formou na instituição em 1963. Nei Lopes é da turma de 1966 e, na época, o diploma indicava a formação em bacharelado ‘Ciências Jurídicas e Sociais’.
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As juristas Bárbara Cruz e Adriana Cruz publicaram o artigo ‘Nada (e tudo) de novo no front’ sobre o apagamento histórico dos feitos de personalidades negras que, em certa medida, permeia as circunstâncias da negativa do título de doutor honoris causa para Nei Lopes.
Pelas regras da UFRJ, em vigor desde 1994, a concessão do título de reconhecimento é possível para ‘personalidades nacionais ou estrangeiras de alta expressão’. Uma vez protocolada, a indicação é avaliada por três conselhos da UFRJ (da congregação, conselho do centro e da universidade).
Nei Lopes escreveu mais de 40 livros e tem composições fundamentais para a história do samba , das religiões de matriz africana e da população negra do Rio de Janeiro. A decisão contrária à concessão do título justifica que a produção do escritor não tem ‘relação estreita com o campo jurídico’.
“O Direito tem sido resistente em incorporar seriamente contribuições de outras áreas do conhecimento na formação de seus profissionais. O resultado é perceptível a qualquer um que tenha olhos de ver: um sistema de justiça que não trata com igual dignidade e respeito pessoas negras e indígenas; apagamento dos saberes construídos fora dos eixos europeu e norteamericano ou em formatos que rompam com a lógica da modernidade”, escreveram Barbara e Adriana.
O advogado Santos Cruz não recebeu nem uma resposta formal da UFRJ sobre a indicação do título para Nei Lopes. “Historicamente, os feitos de pessoas negras foram confinados a espaços restritos, qual seja o campo dos esportes e das artes, uma lógica que afirma uma hierarquia de saberes e reconhece como ‘legítima’ apenas a genialidade atribuída a determinadas atividades. Obviamente essas definições não dão conta da experiência humana, da presença negra no continente americano ou da grandeza de suas potências”, avaliam Barbara e Adriana, que são filhas de Cruz e também se formaram em Direito na UFRJ.