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“Vem aí um retrato fiel da nossa própria realidade”, anuncia Tuyo sobre o próximo disco

24 de dezembro de 2020

Em entrevista exclusiva, o trio, formado por Lay, Lio e Jean, fala sobre as expectativas para 2021, referências musicais e parcerias 

Texto: Victor Lacerda | Edição: Lenne Ferreira | Imagem: Cris Gegembauer

Originário de Curitiba, o grupo Tuyo reúne na bagagem parcerias com grandes nomes da música nacional, como Baco Exú do Blues e a banda Fresno, além de colecionar significativo número de visualizações em produções em vídeo e nos serviços de streaming. Com tempo de estrada começando em 2017, o grupo tem dois discos lançados, “Pra Doer” e “Para curar”, e fundem o estilo “afrofolk” dando uma nova roupagem às músicas populares feitas por artistas que, como eles, compõem a atual safra de artistas brasileiros que se mostram como são. 

Para entender as referências, a construção de parcerias e a expectativa para a saída do próximo álbum em estúdio, a Alma Preta conversou com o trio em entrevista exclusiva. O papo mostra a consciência de um grupo que se aventura em experimentações, canta afetos em melodias e versos que partem do cotidiano para refleteir sobre existências e sentimentos. Confira:

Agência Alma Preta: As letras das canções da Tuyo, perceptivelmente, têm uma carga sentimental grande que, ao que parece, vem muito da vivência de cada um de vocês. Acredito que isso seja um ponto de ligação entre a banda e o público que consome. A identificação é muito instantânea quando falamos de vivência e lidar com turbilhão de emoções internas. Como se deu esse processo de fazer uma autoanálise do que vocês estavam sentindo durante o processo artístico?

Tuyo: Antes de começar a abrir o coração queremos celebrar esse encontro entre nós. Muito do que elaboramos enquanto compositores e intérpretes vem dos estímulos que a gente recebe e o Alma Preta coloca holofotes em mecanismos que a gente, quando criança, mal dava conta de elaborar. Então, respondendo a pergunta, o caminho da composição no estilo sincerão vem muito daí também. Mas pra responder com propriedade preciso dar esse crédito pra igreja que foi o ambiente onde a gente se criou. Muitos prejuízos políticos, a gente sabe, mas não dá pra negar que é um ambiente em que (guardadas as devidas proporções) se é incentivado a falar sobre si, sobre as próprias dores, confessar as imperfeições. É como a gente analisa hoje, não é? A pessoa tem que engolir o choro no trabalho, não pode abrir o coração na faculdade, não tem tempo nem coragem de se abrir com a família… talvez a coisa da identificação venha desse momento que se tira pra sentir as coisas. Todo mundo quer sentir tudo por inteiro, mas não dá tempo, não há espaço. Talvez a Tuyo e outros artistas no mesmo movimento, talvez a gente seja esse território em que se pode ser livre para sentir as coisas. 

Onde entra o estilo ‘afrofolk futurista’ na história do trio? 

É difícil encontrar uma gaveta em que a gente caiba bem certinho quando o assunto é gênero musical, aí a gente inventa umas combinações pra ver se consegue se localizar melhor. Nosso som tá no violão, no eletrônico e a gente é preto, né hahahahah aí acredito que essa seja uma tentativa de colocar a gente em algum pacote. Mas também tem muito do movimento de repetir a imagem de pessoas pretas em lugares diferentes do que o Estado Hegemônico tenta enfiar a gente. O Afrofuturismo, a grosso modo, se apoia nessa ideia de replicar e difundir a imagem de pessoas como nós em lugares inimagináveis até então. Apesar de ser um termo cunhado por um cara branco, a gente se identifica demais com o pensamento de que a tecnologia, o futuro, o aprimoramento do pensar e do conviver é o lugar do povo preto. Por isso a gente enxerga o esforço tão vergonhoso e violento de quem detém poder narrativo pra remover a gente daí.

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Evandro Fióti, músico e integrante da Lab Fantasma ao lado do irmão Emicida, foi convidado para gravar a canção “Quando for falar de amor”
(Foto: Divulgação)

De produção musical a intérpretes, quais são as maiores referências nacionais e internacionais de música negra para vocês? 

Dá pra ficar horas elencando gente mas podemos começar com o Tim Maia, com quem a gente se identifica demais. Elza Soares, Alcione, Mumuzinho, Péricles, Ella Fitzgerald, Kirk Franklina e uma lista é interminável porque não importa o gênero ou a lírica, a música produzida por gente preta é infinitamente rica em símbolos que nos atravessam.

Desde o primeiro EP lançado em 2017, parafraseando a letra da canção “Amadurece e Apodrece”, nesse tempo de carreira, o que vocês aprenderam a desaprender? E quando sentiram que estavam crescendo musicalmente? 

Que pergunta gostosa de responder! É importante registrar os avanços. Aí um aprendizado. Perder devagar o medo de vencer, de se enxergar mais próspero  – um beijo Tássia Reis – de ser acolhido. Parece que passamos tanto tempo num lugar desconfortável e violento que quando a gente vai colher os frutos do nosso trabalho e do desenvolvimento do nosso pensar parece que tem alguma coisa errada. Já deram um nome internético viral pra isso, né? “Síndrome do Impostor” e derivados. Identificar essas sombras e correr pro sol novamente talvez seja o nosso maior aprendizado. Todo dia as pequenas boas notícias, incluindo estar em dia com o aluguel, comer melhor, ter um círculo forte de afeto pra chamar de seu, e a facilidade com que a gente vai desenrolando coisas que antes eram muito complexas na rotina banda, como compor junto, bater cronograma de viagem ou gravação, até mesmo gravar um disco ou um single, vão dando esses sinais homeopáticos de crescimento musical e essa sensação é maravilhosa.

O trio já dividiu canções com uma pluralidade de artistas nacionais, como a banda Fresno, os rapper Rashid e Baco Exu do Blues. Como vocês enxergam essa construção musical conjunta? Têm mais artistas que vocês querem partilhar produções?

Que gostoso esse enunciado! É uma evidência aí da nossa habilidade de fazer amigos. É consenso na banda que pra fazer colaboração a afinidade em alguma esfera precisa vir junto. Colaborar musicalmente abre milhões de caminhos pro artista e dentro do peito do público, temos muito carinho por todos os artistas incríveis que marcaram a nossa história mas a gente não descansa enquanto o Péricles, o Emicida e a Iza não emprestarem voz e coração pra gente fazer música junto <3 aí a gente foi mais apelão mas tem alguns que a gente sabe que um dia vão rolar, tipo a gente com a Liniker, com a Luedji, com o Zud, com a Jup, a Mel, a Tássia. A gente sente. 

Em um ano atípico, com a chegada da pandemia pelo COVID-19, como o trio conseguiu dar continuidade aos projetos deste ano, tendo que lidar, também, com a falta de eventos presenciais e maiores incentivos à cultura nacional? 

Depois de entender e aceitar, daquele jeito forçado, que as dinâmicas de convivência e de trabalho mudaram de forma drástica, foi importante entender e planejar de que maneira nossa vida ia se adaptar. Cuidar da saúde mental foi a prioridade. Foi difícil, mas aconteceu. Terapia em dia e hábitos mais saudáveis. A maior adaptação foi entender nossa função como artistas – função social mesmo -, antes era menos complicado entender o equilíbrio entre entreter e meter a consciência, e essas coisas aconteciam muito ao mesmo tempo. Agora, a atmosfera tá mais pesada e densa, num momento que a arte não pode mais orquestrar a aglomeração a gente orquestra o universo virtual pra conseguir continuar trocando sentimento e experiência de vida. Devemos muito da nossa sobrevivência ao nosso público e aos nossos amigos mais chegados que seguiram dando play nas músicas e checando como a gente tava e vice versa. Além dessa relação bonita que a gente tem com o público, também tivemos uma estrutura sagaz nos últimos dois anos tocando em todos os cantos do Brasil sem parar. O pessoal do setor privado também compreendeu recentemente o poder de aliar produto a ideia e nesses movimentos encontramos algumas marcas em que acreditamos dispostas a dividir com a gente os fardos nesse momento de crise não só economicamente mas afetivamente também. O afeto segurou a barra.

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O rapper Luccas Carlos também gravou com o trio
(Foto: Divulgação)

Vi que vocês lançaram recentemente a música “Sonho da Lay”, em parceria com o rapper Luccas Carlos, que é o segundo single para o próximo álbum. É um trabalho que, visualmente, apresenta vários elementos que compõem a estética afrofuturista. Como vocês trouxeram essas referências neste trabalho? E de onde veio a canção?

Procuramos sempre colaborar criativamente com pessoas parecidas com a gente em algum lugar, às vezes esse lugar é um lugar de cor, às vezes é um lugar de origem (ex-crentes por aí afora), às vezes é um lugar de gênero e com a Xan foi o de afeto. Roteirista, compositora e cineasta, ela conseguiu materializar em roteiro o que procurávamos: um ambiente onírico mas muito alicerçado no nosso futuro imediato – que são os lugares de poder. A diretora Sabrina Duarte, ex-crente feito a gente, foi capaz de entender algumas esferas desse não pertencimento filosófico quando a gente abre mão de um lugar de religiosidade e deixa ali um vazio. A diretora de arte, Edi, sabe de cor e salteados os nossos temas mais profundos. A UMANA produtora, comandada pelo produtor executivo Toti, trouxe pra gente um lugar de confiança nos processos olho no olho diferente de tudo que a gente já tinha experimentado. Aí, com um time afinado desses, fica difícil perder a mão. “Sonho da Lay” engrossa o coro já entoado pela Tássia Reis em toda a sua obra, pela Beyoncé em Black is King, pela Octavia E. Buttler também em toda sua obra, e pela Misha Green, diretora do Lovecraft Country. Um dos primeiros videoclipes da Tuyo, “Conselho do Bom Senso”, gravado em 2017 e lançado um ano depois, já anunciava timidamente essa faceta. Agora, com mais recursos e experiência, esperamos nada menos que naves espaciais e viagens no tempo. A Lay pode ter os sonhos mais mirabolantes que damos conta de trazer o subconsciente dela pra superfície!

“Pra Doer” (2017), “Pra Curar” (2018). O próximo disco vem para…? O que as pessoas que acompanham a Tuyo podem esperar?  

Nosso segundo álbum de estúdio fala sobre vida adulta e  observar com equilíbrio os próprios desequilíbrios. Quando a gente tinha 13, 14 anos imaginava que se tornar adulto era automaticamente se tornar autônomo, constante, estável. aí agora aqui experimentando esse lugar, parece que algumas coisas não mudaram tanto assim. Enquanto, até então, entregamos pro nosso público o manual do sofrimento até o talo e da superação sincera, vem aí um retrato fiel da nossa própria realidade. É um disco tão particular ou talvez mais particular do que os trabalhos anteriores, ainda mais íntimo. Desabafos, dúvidas, instabilidades e inseguranças do nosso processo de virar adulto, aquela fase que vem depois de ser jovem, ou durante. Depois dessa jornada de relacionamento com quem escuta a Tuyo durante as turnês do “Pra doer” e do “Pra curar”, entendemos que o nosso público é um baita lugar seguro pra trocar sobre a vida. Então, estamos prontos para entregar as nossas.

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