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A filha de Dona Rosa ganhou o mundo

Dona Rosa não é uma só. Não é apenas a mãe dessa jovem Rainha de 25 anos, negra, universitária, atleta, ídolo planetário do esporte. Dona Rosa é várias mulheres destas terras verde e amarelas
A ginasta artística e medalhista olímpica Rebeca Andrade ao lado da mãe, Dona Rosa.

Foto: Reprodução

10 de agosto de 2024

Ela é Filha de Dona Rosa. Dona Rosa é doméstica, mãe de oito filhos, que criou sozinha, com dificuldades em Guarulhos, cidade que fica na Grande São Paulo e é mais conhecida por causa do Aeroporto Internacional de Cumbica.

Dona Rosa soube criar a filha. Mesmo depois de abandonada pelo marido, não desistiu de suas crianças e de sua família. A vida foi dura, claro. Oito filhos para criar, alimentar, vestir, levar aos postos de saúde e educar com dignidade. Tudo isso com o dinheirinho contado. Dentre esses oito, ela daria à luz a uma estrela que o Brasil e o mundo puderam começar a conhecer há três anos nos Jogos de Tóquio, adiados de 2020 para 2021, devido à pandemia do coronavírus. E essa estrela, que é Filha de Dona Rosa, chegou ao brilho máximo nas Olimpíadas de Paris 2024.

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São seis medalhas olímpicas, recorde na história do esporte brasileiro. Mas tudo isso começou na casa de Dona Rosa, uma brasileira guerreira como a maioria. Alguém que talvez não chamasse a atenção ao caminhar pelas ruas de Guarulhos, de São Paulo, do Rio ou de quaisquer outras cidades grandes do Brasil. Mas agora, em Paris, na primeira vez em que pôde ir à França, Dona Rosa viu pessoalmente o quanto valeu a pena criar tão bem sua Filha.

A Filha de Dona Rosa não nasceu em berço de ouro. Longe disso. Não é difícil imaginar o quanto deve ter sido a infância da menina e de seus irmãos. Tanto assim que, quando ela começou na ginástica, era preciso que um dos mais velhos a levasse aos treinamentos, ainda em Guarulhos, de bicicleta. O motivo? Não havia dinheiro suficiente para as passagens de ônibus.

O Brasil é um país de Donas Rosas. Ou Marias, Anas, Josefas… Se há alguma dúvida, basta lembrar o levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano passado. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), a quantidade de lares nos quais as mulheres são as chefes de família havia aumentado 72,9% entre 2012 e 2022, passando de 22,2 milhões para 38,3 milhões. Com isso, o percentual de domicílios chefiados por mulheres havia se elevado de 35,7% para 50,9%. Já os percentuais de lares liderados por homens caíram de 64,3% para 49,1%.

Dona Rosa não é uma só. Não é apenas a mãe dessa jovem Rainha de 25 anos, negra, universitária, atleta, ídolo planetário do esporte. Dona Rosa é várias mulheres destas terras verde e amarelas, a maioria, conforme a pesquisa acima. Mas quantos filhos e filhas de mulheres brasileiras irão abrir em suas vidas estradas de sucesso como a Filha de Dona Rosa? Quantos meninos e meninas, negros, brancos, amarelos, mestiços, criados por mães-solo conseguirão viver com dignidade na idade adulta? Quantos, infelizmente, estão em instituições de recuperação de menores delinquentes?

Dona Rosa, felizmente, está brindando e saboreando as vitórias de sua Filha, ao lado dela numa das capitais do mundo. Valeu a pena, Dona Rosa, e a senhora pode falar para suas colegas não desistirem de seus filhos. A Filha de Dona Rosa está aí, e se ainda não era reconhecida por um país que vive a monocultura do futebol, ela fará os olhos dos desportistas do país se voltarem para a ginástica e para outras modalidades.

Este é um resumo do que tantas mães brasileiras fazem por seus filhos. Em Paris, na tribuna da arena da ginástica, Dona Rosa fez o que as mães fazem. Seguiu sua Filha com seu olhar de amor e rezou por ela, sem desejar o mal às adversárias. Mães são assim. Tudo poderia ter dado errado na vida da Filha de Dona Rosa. Mas, mesmo sofrendo, a mãe permitiu que ela saísse de casa, ainda pequena, para poder treinar no Rio, no Flamengo, de onde poderia levantar voo.

A Filha de Dona Rosa está de parabéns, e ela é uma rainha, uma estrela conhecida no mundo inteiro. Ela é, obviamente, Rebeca Andrade. Rebeca, parabéns por tantos títulos. E obrigado, Dona Rosa.

  • Cláudio Nogueira

    Claudio Nogueira, de 59 anos, é jornalista desde 1986, tendo trabalhado no Jornalismo Esportivo desde 1993. Cobriu as Olimpíadas de 2004, 2008, 2012 e 2016, as Paralimpíadas de 2016, a Copa do Mundo de 2014, dois Mundiais de Basquete, cinco edições dos Jogos Pan-Americanos e vários GPs de F-1, F-Indy e Motovelocidade. Autor de diversos livros, como Futebol Brasil Memória, Os Dez Mais do Vasco, Dez Toques sobre Jornalismo e Esporte – Usina de sonhos e de bilhões.

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