Durante os Jogos Olímpicos de Tóquio (2020), a ginasta estadunidense Simone Biles abriu mão da competição para se dedicar à saúde mental. Com chances reais de medalhas, a atleta não concluiu sua participação na edição japonesa das Olimpíadas e falou posteriormente – em entrevistas e no documentário da Netflix “O retorno de Simone Biles” – o quanto é fundamental que os atletas de alto rendimento cuidem de questões relacionadas à mente.
No Brasil, a história se repete: recentemente, a assessoria do maratonista negro Daniel Nascimento soltou uma nota à imprensa, demonstrando preocupação com a saúde mental do atleta. Segundo informações, o maratonista enfrenta um quadro grave de depressão, após ter sido suspenso dos Jogos Olímpicos de Paris por doping.
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O fato levanta uma questão: quem tem olhado para a saúde mental dos atletas negros de alto rendimento? Segundo a psicóloga clínica Natália Silva, do Grupo Reinserir, é imprescindível que haja acompanhamento psicológico em todas as fases do atleta, garantindo, assim, a proteção de sua saúde mental.
Em entrevista à Alma Preta, Natália avalia que existem várias fases na vida de um atleta negro de alto rendimento: a pressão pré-competição, as expectativas, o manejo de uma possível derrota e os feedbacks pós-prova, por exemplo. Em todas as ocasiões, o acompanhamento de saúde mental, segundo a profissional, é extremamente necessário, para que o processo pelo qual o atleta passa não seja violento.
“Independentemente do quanto o atleta se esforce para desenvolver uma alta e boa performance, existem muitos outros fatores que não dependem exclusivamente dele para que a vitória aconteça, para que ele alcance o resultado almejado: a vitória”, pontua.
Negros fortes?
Rodrigo Breato, sociólogo do Grupo Reinserir, enfatiza a importância do acompanhamento psicológico como um preparo para o alto rendimento, principalmente, para quem depende muito do físico. Em especial, ele destaca o quanto se faz necessário a conscientização dos atletas negros, pois, historicamente, as características físicas dessa etnia foram associadas como vantajosas para os esportes.
“As pessoas enxergam homens pretos e mulheres pretas como pessoas necessariamente mais fortes, caindo também na hipersexualização. No campo esportivo, sempre vão exigir do homem preto força, da mulher preta força, ou seja, um desempenho maior”, explica.
O sociólogo ainda destaca que em esportes como atletismo, boxe, arremesso de peso, entre outros, o atleta negro precisa estar ciente da cobrança social quanto ao resultado, partindo da premissa de que aos negros, historicamente, foi negado o direito de errar.
Rede de apoio
“As expectativas, os medos, as inseguranças, a comunicação, o manejo, a mediação de conflitos, liderança, gestão, o contato com os outros atletas, o trabalho em equipe. Em tudo a psicologia pode contribuir para construir ou potencializar essas pessoas, porque antes de serem atletas são pessoas, é importante a gente lembrar”, ressalta a psicóloga Natália Silva.
Para ela, não somente os profissionais de saúde mental podem prestar apoio aos desportistas. Natália acredita que a rede de apoio é uma ferramenta eficaz de acolhimento, especialmente quando o resultado alcançado nas provas não é o esperado.
“É importante que esse atleta possa viver, experienciar e sentir tudo aquilo que o resultado venha gerar, como tristeza, frustração, raiva. O que nós podemos fazer, tanto como rede de apoio, quanto profissionais, é construir um espaço seguro para que essas emoções possam ser direcionadas”, salienta.
Cuidado com as redes sociais
A psicóloga Natália Silva compreende que os atletas são direcionados a construir uma imagem pública que se por um lado garante investimento e visibilidade, em contrapartida traz toda a pressão em manter a imagem: postar foto, interagir com seguidores, etc. Isso tudo também pode impactar na saúde mental, sendo necessário, segundo ela, muito cuidado.
“Além de ter que lidar com todas as expectativas e cobranças, a rede social traz esse lugar de exposição, de expor. É uma terra sem lei, em que você fala, em que você compara, em que você deixa um comentário enviesado, tendencioso, e isso pode ter um impacto imenso na saúde mental, na autoestima e na autoconfiança”, avalia.
Para o sociólogo Rodrigo Breato, as redes sociais têm como característica a liberdade para as pessoas falarem diretamente com os atletas, sem a necessidade de um assessor ou de um filtro.
“Por ser um lugar menos rastreável, as pessoas se sentem à vontade para falar diretamente com os esportistas de forma mais vil e da forma mais hostil possível quando essa pessoa não atende às suas expectativas desportivas. Isso é algo que precisa ser trabalhado para a proteção da saúde mental”, conclui.