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‘A Fundação Palmares voltou a ser instrumento do povo negro’, diz presidente da instituição

O atual presidente do órgão, João Jorge, um dos fundadores do Olodum, fala sobre a preservação dos territórios quilombolas e de editais de cultura para a população negra
Imagem mostra João Jorge, presidente da Fundação Palmares. Ele é um homem negro, com barba grisalha e dreads.

Foto: Pedro Borges/Alma Preta

19 de março de 2024

O maior quilombo da história brasileira e um dos principais símbolos de liberdade na diáspora africana, o Quilombo dos Palmares, localizado no estado de Alagoas, é homenageado pela fundação cultural que leva o nome do território um dia liderado por Zumbi, Ganga Zumba, Dandara, entre outros. A frente do órgão desde o início de 2023 está João Jorge, fundador do Olodum, um dos mais marcantes símbolos da cultura negra no Brasil.

A Alma Preta visitou a sede da Palmares em Brasília (DF) para entrevistar o presidente, que de início ressaltou os compromissos da instituição com as pessoas negras no país. “A Palmares voltou a ser um instrumento do povo negro”. Para isso, a Palmares, como é chamada, tem se esforçado para ampliar aquela que é uma das principais funções do órgão, a certificação dos quilombos, o primeiro passo para o reconhecimento legal dos territórios.

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“Nós temos acelerado o processo de certidão, que sofreu bastante de 2016 pra cá. É importante dizer que a certificação e a titulação deixam a usurpação de território muito mais difícil”, afirmou.

Os números mostram um crescimento no reconhecimento por parte da Fundação Cultural Palmares na comparação com as gestões do governo de Jair Bolsonaro, que chegou a marca do pior indicador da história, com 33 quilombos reconhecidos em 2020. No ano de 2023, a entidade presidida por João Jorge reconheceu 106 territórios.

O dado ainda está distante do melhor ano do órgão, em 2006, quando 408 foram reconhecidos e em 2013, com a marca de 392 territórios reconhecidos. Os números também são inferiores aos da gestão de Michel Temer. Em 2017 foram reconhecidos 152 quilombos, e em 2018, 204.

A chegada de João Jorge ao órgão gerou expectativa por parte de organizações de movimento negro, na medida em que a última gestão, de Sérgio Camargo durante o governo Bolsonaro, certificou poucos territórios, como demonstrado em reportagem da Alma Preta.

Sérgio Camargo também não recebeu um único líder quilombola ou visitou um quilombo nos dois primeiros anos de gestão. O STF chegou a reconhecer a omissão do governo Bolsonaro acerca da proteção dos territórios quilombolas.

“De dezembro para cá, procuramos acelerar as certidões. A diretora responsável por isso é Flávia Costa, de São Paulo, que tem trabalhado sempre com o movimento social. E para dar um exemplo bem concreto, é o caso de Boipeba, que estava uma disputa incrível, com todo o processo de grilagem facilitado”. A comunidade foi certificada pelo órgão no dia 20 de setembro de 2023.

Titulações voltam a crescer

As titulações se tornaram elemento importante para um maior controle por parte do Estado brasileiro e um possível respaldo para a proteção desses territórios contra ataques criminosos.

O assunto, inclusive, ganhou projeção com a morte de Mãe Bernadete, que foi executada em 17 de agosto do ano passado com 12 tiros no Quilombo Pitanga dos Palmares, na região metropolitana de Salvador. Ela era uma pessoa responsável por tensionar a investigação da morte do filho Binho do Quilombo, que também foi executado depois de denunciar os conflitos agrários na região.

O território de Mãe Bernadete era certificado desde 2005 pela Palmares, mas não chegou a ser titulado. A liderança estava nos programas de proteção à testemunha, mas mesmo assim, as rondas policiais eram localizadas em alguns momentos durante o dia. As investigações também apontam para uma permanente disputa no território, com a presença do tráfico de drogas. Três pessoas foram presas por suspeita de envolvimento na morte da líder quilombola.

“Agora é apuração dos mandantes. O governador Jerônimo Rodrigues tem tido uma ação diligente, incrível. Ele, com sua equipe, está fazendo todo o esforço para resolução disso”, contou João Jorge. 

O presidente da Palmares ainda tem dialogado com o governo federal para a construção de políticas para assegurar a vida e os direitos dos quilombolas no país. “Eu falei com o ministro Silvio Almeida para a gente construir um cinturão de segurança para os quilombos e para os terreiros. A gente sabe que eles estão ameaçados”.

O processo de formalização de um quilombo perante o poder público precisa do reconhecimento por parte da Fundação Palmares e uma titulação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Os números apresentam uma maior lentidão no momento de titular os quilombos.

Os dados mostram que o ano com maior quantidade de quilombos titulados foi 2014, com 17 territórios. No ano passado, o órgão titulou 15, a segunda maior marca da história, junto de 2006.

O último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que 494 territórios quilombolas estão totalmente delimitados no Brasil. A pesquisa descreve que apenas 12,6% da população quilombola vive em locais reconhecidos por completo. Esse foi o primeiro censo do IBGE com a possibilidade de identificar a população quilombola, estimada em 1,3 milhão de pessoas.

Editais de Cultura

No prédio, com quadros dos antigos presidentes, com desenhos e símbolos da cultura negra do mundo, João Jorge abordou os novos fomentos feitos pela Palmares, com a construção de editais de cultura. 

“Nós começamos em Gastronomia e Saberes, com um edital. Pensamos também na modalidade de música, que é o Prêmio Luiz Melodia (…) Assim, vai estimular a população quilombola para pequenos aportes, para usar tecnologias modernas, celulares e ao mesmo tempo escrever e fazer música”.

O presidente da Palmares comemorou o fato de alguns dos editais terem atingido mais de 1 mil inscritos. A expectativa é de que novos projetos neste formato sejam aprovados para 2024.

“Os editais são a primeira experiência interna para preparar para 2024, pensando nas alavancas que a gente quer fazer para outras coisas, claro, sempre em parceria. Vamos fazer uma parceria com a Funarte, por exemplo”. 

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  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

  • Camila Rodrigues da Silva

    Jornalista com mestrado em economia e formação em demografia. Editora e repórter, com quase 20 anos de experiência em redações da grande imprensa e de veículos independentes de comunicação. Atuo na cobertura de direitos humanos desde 2012.

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