Donald Trump tomou posse como 47º presidente dos Estados Unidos nesta segunda-feira (20), com a promessa de transformar o país e devolver-lhe uma suposta “Era de Ouro”. A principal prioridade de seu governo será a imigração, com medidas drásticas para erradicar a entrada e a permanência de imigrantes em situação irregular.
Trump promete ações contundentes, como a assinatura de decretos para declarar uma emergência nacional na fronteira com o México e uma ofensiva para deportar milhões de estrangeiros classificados de “criminosos” pelo líder de extrema-direita.
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De acordo com a plataforma estadunidense Higher Ed Immigration, dos 45 milhões de imigrantes nos Estados Unidos, 4,7 milhões (10,4%) são negros. E dos 47 milhões de negros que vivem nos Estados Unidos, 4,7 milhões (9,9%) são imigrantes.
Um pouco mais de metade dos imigrantes negros vêm das Caraíbas/América Latina (54%) e um pouco menos de metade de África (42%), sendo quase todos os restantes 4% representados por negros europeus e habitantes das ilhas da Ásia/Pacífico.
Trump também anunciou que revogará diversas políticas implementadas pelo governo anterior, com destaque para a eliminação de programas de diversidade sexual e a retirada dos EUA do Acordo de Paris. Além disso, ele pretende implementar uma “emergência energética nacional”, visando expandir a extração de hidrocarbonetos, colocando os Estados Unidos em uma rota mais agressiva de exploração de recursos naturais.
Retórica e ação contra imigrantes
Denilde Holzhacker, pesquisadora e especialista em política internacional e Diretora Acadêmica de Pesquisa e Pós-Stricto Sensu da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), explica à Alma Preta que o governo de Trump pode ser mais retórico do que prático em algumas questões. No entanto, ele buscará ações simbólicas que evidenciem seu compromisso com a agenda de imigração, como deportações em massa.
“A problemática em si permanece a mesma: as idas e vindas na política migratória, com debates sobre como legalizar ou não legalizar as pessoas que vivem e entram nos Estados Unidos, continuam sendo uma questão central”, afirma Denilde.
A pesquisadora ainda aponta que a postura agressiva de Trump pode gerar tensões não apenas no território norte-americano, mas também entre os Estados Unidos e seus aliados históricos, como o Brasil. Um número considerável de imigrantes brasileiros pode ser afetado pelas medidas de deportação, mas a resposta do governo Lula ainda é incerta.
Apoio no Congresso e resistência jurídica
Trump conta com forte apoio no Congresso, no qual a maioria republicana tanto na Câmara quanto no Senado lhe dá liberdade para implementar suas políticas. Contudo, a resistência pode vir de grupos de advocacia e defesa dos direitos dos imigrantes. Esses grupos estão preparados para travar batalhas jurídicas, principalmente sobre regras definidas durante o governo Biden, como o direito de asilo, visto humanitário e as políticas relativas aos “dreamers” (sonhadores) – imigrantes nascidos nos Estados Unidos.
“Embora existam limitações legais e desafios jurídicos, Trump possui um amplo arsenal de ações, especialmente se conseguir decretar um estado de emergência na área migratória”, explica Denilde. O impacto da imigração também será econômico, já que imigrantes brasileiros e latinos desempenham papéis cruciais em setores como turismo, agricultura e serviços de limpeza. A expulsão em massa desses trabalhadores poderia causar danos significativos a setores essenciais da economia norte-americana.
Desafios para o Brasil e a diplomacia internacional
Cristiano Rodrigues, cientista político, lembra em entrevista à Alma Preta que a situação atual é mais desafiadora para os países afetados do que o cenário de 2016. “Agora, Trump possui mais poder, com controle sobre as duas casas legislativas e o Judiciário, além do apoio de grandes grupos financeiros, como as Big Techs. Isso amplia o impacto de seu discurso sobre questões sociais e gera consequências diretas para imigrantes e minorias”, analisa.
Com a intensificação da retórica anti-imigração, o Brasil e outros países enfrentarão dificuldades ao tentar intervir nas deportações, já que as decisões são soberanas dos EUA.
Para Rodrigues, o que os países podem fazer é fornecer assistência aos deportados, como por meio de diplomacia, contatos consulares e mecanismos jurídicos de proteção. Entretanto, como destaca a pesquisadora Denilde Holzhacker, os governos têm pouca capacidade de se opor às decisões soberanas de um país como os EUA.
Deportações de imigrantes e o impacto social
Trump prometeu iniciar deportações em massa a partir de amanhã (21), com operações policiais focadas em imigrantes em situação irregular. As chamadas “cidades santuário”, como São Francisco e Chicago, que oferecem proteção aos imigrantes, também serão alvo de ações, com possibilidade de corte de fundos federais destinados a programas de acolhimento.
Cristiano Rodrigues também aponta que, no cenário atual, Trump pode revogar o jus soli, o direito à cidadania automática para filhos de imigrantes nascidos nos Estados Unidos. Esse movimento afetaria milhões de imigrantes de longa data, interrompendo seus processos de naturalização e criando um clima de apreensão.
O medo de represálias será especialmente presente entre as populações vulneráveis, como refugiados, imigrantes africanos e haitianos, que já enfrentam condições difíceis para se estabelecer nos Estados Unidos.
O papel da sociedade civil e as alternativas
Em resposta, a sociedade civil dos Estados Unidos já começou a se mobilizar, como demonstrado em protestos em Washington D.C. e em outras cidades. Grupos de direitos humanos e movimentos sociais estão se organizando para defender os direitos dos imigrantes e pressionar o governo a adotar políticas mais inclusivas.
Rodrigues observa que, enquanto a resistência será forte, a ação será mais focada na defesa das populações mais vulneráveis, como refugiados e imigrantes de países de origem mais distante. “Os latino-americanos são um grupo relativamente menos vulnerável, mas o foco da resistência provavelmente será em proteger os refugiados de situações extremas, como os haitianos e africanos”, afirma o cientista político.
Esse movimento, entretanto, poderá ser barrado pela crescente força do conservadorismo nos Estados Unidos, no qual a extrema-direita e os grupos financeiros aliados desempenham um papel crescente.
“Em vários lugares da Europa Ocidental, em geral, você tem esse movimento de fechamento das fronteiras e de ódio aos imigrantes. Isso não é um fenômeno tipicamente norte-americano. É um fenômeno que está acontecendo em outros lugares, até no Canadá, que é um país muito mais progressista. Então, o que vemos no cenário atual é um cenário de mudança radical do que estávamos acostumados”, conclui Rodrigues.