Nos Estados Unidos, a corrida presidencial foi vencida pelo republicano Donald Trump, que retornará à Casa Branca em 2025. A campanha contra a democrata Kamala Harris finalizou a disputa acirrada com, aproximadamente, 3,26 milhões de votos de diferença em favor de Trump.
O resultado do pleito norte-americano será anunciado oficialmente em dezembro, quando a contagem dos votos for finalizada. Porém, por superar os 270 delegados necessários para ser eleito, o ex-presidente já pode ser considerado como o próximo na linha de sucessão presidencial.
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A segunda passagem de Trump como chefe de uma das maiores potências bélicas do mundo é aguardada com receio por diversos políticos e especialistas. A promessa de campanha focada no radicalismo da extrema-direita, reforçada em discursos anti-imigratórios enérgicos, deixa a comunidade internacional em alerta.
As pesquisas de intenção de voto demonstraram um aumento relevante no apoio de comunidades latinas ao republicano, com até dez pontos percentuais a mais do que sua última vitória, em 2016.
Em entrevista à Alma Preta, o historiador e professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) Kléber Amâncio cita que o crescimento no apoio de latinos na campanha de Trump foi perceptível, mas aponta que devido às particularidades do contexto histórico e político das múltiplas comunidades latinas, esse fator não pode ser lido como o principal da vitória republicana.
“O uso da categoria ‘latino’ nos Estados Unidos não é suficiente para explicar essa realidade. Esse termo, no contexto norte-americano, tende a mascarar diferenças culturais cruciais entre os diversos grupos que ele engloba. As experiências de vida e motivações políticas de uma pessoa de ascendência mexicana, por exemplo, podem ser radicalmente diferentes das de alguém de ascendência cubana ou centro-americana”, informa o especialista.
Amâncio, líder do grupo de pesquisa História e Cultura Afro-Atlântica da UFRB, aponta que sua análise não parte dos trabalhos acadêmicos, mas sim de uma percepção obtida em sua experiência na comunidade norte-americana durante sua pesquisa.
Em Harvard, onde Amâncio realiza pesquisas, o resultado da eleição foi amplamente debatido, especialmente nos setores acadêmicos de ciências humanas. “Eles se mobilizaram para debater não apenas os fatores que levaram à sua vitória, mas também as falhas dos modelos preditivos, que não conseguiram captar as nuances do eleitorado. Esse esforço evidenciou a complexidade do cenário político e social dos Estados Unidos, que muitas vezes desafia as ferramentas analíticas tradicionais”, completa.
‘Muitos negros e latinos são moderados, conservadores e religiosos’
Petrônio Domingues, professor, pesquisador do movimento negro e historiador da Universidade Federal de Sergipe (UFS), observa que o desempenho de Trump entre os eleitores negros também foi perceptível.
À Alma Preta, o estudioso aprofundou alguns fatores que possam ter desencadeado essa guinada à direita, como a percepção das comunidades sobre as disparidades salariais, taxas de desemprego e políticas de segurança pública.
“Muitos negros e latinos são moderados ou conservadores e também religiosos. Neste contexto, parte desses eleitores tem posições mais próximas do Partido Republicano do que da agenda democrata em temas como aborto ou segurança na fronteira […]”, afirma.
O pesquisador aponta ainda que metade desse eleitorado considera a criminalidade nos grandes centros urbanos um “problema fora de controle” no país e não vê na identidade racial uma questão central.
“Para essa fatia, que não confere centralidade à sua identidade étnica e racial, as políticas de Joe Biden e do Partido Democrata não resolveram seus problemas, ao passo que Trump é visto como uma espécie de salvador da pátria, capaz de solucionar os problemas da economia”, declara Domingues.
África, BRICS e preocupação para aliados e rivais
A repercussão da escolha dos norte-americanos ecoa na comunidade global que, segundo Petrônio, pode acautelar aliados e rivais. “A visão nacionalista de Trump sobre a economia pode gerar conflitos no cenário do comércio internacional. Tarifas sobre produtos e disputas comerciais com grandes economias, como a China e a União Europeia, parecem inevitáveis, o que pode afetar a economia global e criar instabilidades e turbulências no mercado financeiro”, completa.
Além da economia, o segundo mandato de Donald Trump pode representar “um provável arrefecimento” nas relações bilaterais, nas mais diversas pautas. Recordando a promessa de retirar o país do Acordo de Paris de 2015, tratado climático internacional, o pesquisador afirma que a volta do ex-presidente é um “banho de água fria” na perspectiva ambiental.
“Trump, que tem se referido às mudanças climáticas como farsa, declarou que planeja retirar os EUA do Acordo de Paris de 2015 […] e revogar regulamentações ambientais, incluindo aquelas que limitam as emissões de gases poluentes”, lembra.
O mecanismo de cooperação internacional formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã, conhecido como BRICS, pode ser impactado transações entre os países. “O novo mandatário dos EUA deve aplicar sobretaxas comerciais para proteger a predominância do dólar de maneira mais incisiva os países do bloco. Ele já ameaçou publicamente instituir impostos suplementares sobre os produtos de países que deixem de fazer transações usando o dólar”, analisa o professor.
Para Petrônio Domingues, o regresso do republicano deve chamar atenção dos países emergentes do continente africano.
“Basta dizer que, durante o seu primeiro mandato, ele fez uso amplamente divulgado de linguagem depreciativa para se reportar a algumas partes da África quando falava contra a imigração desse continente. Ao contrário de seus quatro antecessores, Trump não visitou a África uma única vez durante o seu mandato. Além disso, sua retórica de ‘América primeiro’, de olhar mais para dentro, pode levar a sua administração a assumir uma postura de cunho isolacionista, retirando-se inclusive de assuntos internacionais”, finaliza.