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Fala demais?: Veja como declarações polêmicas de Bolsonaro se materializaram no governo

A Alma Preta levantou declarações de Jair Bolsonaro em torno de seis diferentes temas e elencou o quanto seu discurso está alinhado à aplicação de programas e políticas públicas

A colagem possui imagens de Bolsonaro de boca aberta, mulheres negras, habitações em uma favela e árvores queimadas.

Foto: Colagem: Vinicius de Araujo/Alma Preta com adaptação de imagens de Gilucci Augusto

21 de outubro de 2022

No dia 30 de outubro, está agendado o segundo turno das eleições que irá eleger o presidenciável dos próximos quatro anos, além de decidir os governadores de 12 estados. Nesta reta final, a Alma Preta Jornalismo levantou quais foram os programas e políticas públicas do governo de Jair Bolsonaro (PL) em torno de seis diferentes temas ao longo de seu mandato.

A partir de declarações proferidas por Bolsonaro ao longo de sua carreira política, a agência elencou as iniciativas e propostas trabalhadas pelo Governo Bolsonaro, desde 2019, em torno dos seguintes temas: vulnerabilidade social e econômica, meio ambiente, regularização fundiária, população negra, mulheres, além de crianças e adolescentes.

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Leia mais: Estudo aponta sucateamento generalizado de políticas sociais no Brasil

Confira abaixo as declarações de Jair Bolsonaro e como estão os programas e as políticas públicas de acordo com as temáticas abordadas por ele.

Vulnerabilidade social e econômica

“Quem cuida do povo sou eu, do mais pobre. Olha o Auxílio Brasil. Você que é pobre, tem dificuldade. Multipliquei por três o valor médio do Bolsa Família” (Debate presidencial na Band – 16 de outubro de 2022)

Ao longo dos debates presidenciais que estão ocorrendo no período eleitoral deste ano, o presidente Jair Bolsonaro tem feito declarações sobre a criação do Auxílio Brasil com o objetivo de diminuir a rejeição popular e garantir a vitória eleitoral. Atualmente, o programa tem o valor de R$600 até dezembro deste ano, fim do mandato atual. O presidente coloca a promessa de manter o recurso a partir de 2023 caso seja eleito, mesmo quando seu governo não incluiu recursos para isso na proposta de Orçamento da União para o próximo ano.

Outras declarações de Bolsonaro durante a campanha eleitoral são de que partidos da esquerda foram contra a criação do Auxílio Brasil e da elevação do valor de R$400 para o valor atual. Entretanto, conforme checagem publicada n’O Globo, essa manifestação por parte dos partidos de oposição não aconteceu.

Bolsonaro durante entrega do cartão simbólico do auxílio brasil. Jair Bolsonaro e Ministro de Estado da Cidadania João Roma durante entrega simbólica de Cartão Auxílio Brasil | Crédito: Isac Nóbrega/PR

Segundo a publicação, a oposição questionou o mecanismo usado pelo governo, que elevaria o gasto com o programa social criando um estado de emergência no país para driblar regras fiscais e eleitorais. Entretanto foram o PSOL e PSB que propuseram alterações que retiravam a delimitação temporal da transferência de R$600 para as pessoas em situação de vulnerabilidade, o que foi rechaçado pela base governista.

Ao longo de sua carreira política, Bolsonaro também já deu declarações que iam contra a transferência de renda ou aumento de recursos para a população mais vulnerável, com defesas de controle de natalidade para os mais pobres. Confira algumas declarações no vídeo abaixo. 

Em 2000, então como deputado, ele foi o único a votar contra a criação do Fundo de Combate à Pobreza, com cerca de R$ 2,3 bilhões – valor da época – para ações de saneamento e programas de transferência de renda. “O Bolsa Família nada mais é do que um projeto para tirar dinheiro de quem produz e dá-lo a quem se acomoda, para que use seu título de eleitor e mantenha quem está no poder”, foi outra declaração de Jair Bolsonaro como deputado em 9 de fevereiro de 2011.

No auge da pandemia, conforme checagem do Aos Fatos, seu governo propunha um valor de R$200 de auxílio emergencial, valor que foi aumentado após articulação da Câmara de Deputados e pressão da oposição. (Demais fontes: Congresso em Foco e Brasil de Fato)

Combate a crimes ambientais

“Não vou mais admitir o Ibama sair multando a torto e a direito por aí, bem como o ICMbio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade]. Essa festa vai acabar” (Solenidade de formatura de cadetes aspirantes a oficial do Exército – RJ – 1° de dezembro de 2018)

O relatório “A conta do desmonte”, estudo produzido pelo Institutos de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e que oferece um balanço do Orçamento Geral da União de 2019 a 2021, revela que, no ano passado, o orçamento executado para o meio ambiente foi o menor dos três anos analisados. Foram gastos R$2,5 bilhões, valor considerado baixo para o bom funcionamento de todos os órgãos ambientais (Ministério do Meio Ambiente, Ibama, ICMBio, Jardim Botânico) e o Fundo Nacional de Mudanças Climáticas.

Em 2021, os gastos com as emendas parlamentares do “Orçamento Secreto”, que obtém apoio político do Parlamento, alcançaram mais de quatro vezes as despesas com o meio ambiente.

“Os números irrisórios do gasto com a área ambiental são parte do cenário de terra arrasada da política ambiental brasileira, cuja expressão mais evidente, mas não única, é o maior aumento do desmatamento dos últimos 15 anos. Compõem este quadro, o sucateamento dos órgãos ambientais pela falta de pessoal, o desmonte infralegal e as nomeações políticas sem capacidade técnica”, complementou o relatório.

Nesse cenário, o ex-ministro do Meio Ambiente do Governo Bolsonaro Ricardo Salles esteve envolvido em declarações, durante o início da pandemia, sobre “passar a boiada” com a mudança para regras menos rigorosas para proteção do meio ambiente. Ele pediu exoneração do cargo após ser alvo de investigação sobre sua participação em crimes ambientais. Neste ano, um despacho do presidente do Ibama, Eduardo Bim, indicado por Ricardo Salles para a pasta, deve anular multas ambientais que podem chegar a R$16,2 bilhões. São processos que vão de desmatamento e queimadas a transporte ilegal de mandeira.

Ricardo SallesRicardo Salles | Crédito: José Cruz/Agência Brasil

Outra regra alterada por Bim determinava que para os fiscais do Ibama responsabilizar um infrator, eles teriam de comprovar, além do dano ambiental, a intenção de provocar queimadas ou desmatamento. Por conta dessas e de outras medidas, a aplicação de multas realmente despencou durante a gestão Bolsonaro. Servidores do órgão já chegaram a denunciar a paralisação total do sistema de multas.

Enquanto isso, nos três primeiros anos da gestão Bolsonaro, a taxa de desmatamento subiu 73%. Além disso, o número de mortes em conflitos no meio rural aumentou mais de 1.000% no ano passado, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). (Demais fontes: G1, ((o))eco, Uol, Climainfo)

Regularização fundiária para quilombolas e indígenas

“Se eu chegar lá (na Presidência), não vai ter dinheiro pra ONG. Esses vagabundos vão ter que trabalhar. Pode ter certeza que se eu chegar lá (na Presidência), no que depender de mim, todo mundo terá uma arma de fogo em casa, não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola” (Palestra no Clube Hebraica – RJ – 3 de abril de 2017)

Segundo o relatório “A conta do desmonte” do Inesc, em 2021, foram autorizados apenas R$340 mil para ação de reconhecimento e indenização de territórios quilombolas, dos quais foram pagos somente R$164 mil. Outros R$792,4 mil foram utilizados para pagar contas de anos anteriores. A maior parte dos valores pagos, R$607 mil, foi para indenização de ocupantes irregulares de imóveis em áreas reconhecidas para comunidades quilombolas.

“Em 2020, ações judiciais dessa natureza levaram a desembolsos, por parte da União, de R$33,3 milhões. Ainda que seja fundamental que o Estado retire os ocupantes irregulares dos territórios para finalizar a sua regularização, é questionável que a política pública tenha se reduzido a isso, uma vez que há outras necessidades para sua realização”, destaca o estudo.

Já houve carta de servidores do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) – órgão responsável pela titulação dos territórios quilombolas – apontando o desmonte da política de regularização fundiária estabelecida nos últimos quatro anos com a transferência da autarquia para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e com a drástica redução orçamentária. Matéria anterior da Alma Preta Jornalismo também pontuou como a Instrução Normativa N° 128 do Incra, publicada em 30 de agosto, pode dificultar mais a titulação de territórios ao determinar que a etapa de desapropriação de imóveis não quilombolas que estão dentro da comunidade só acontecerá se houver recurso disponível. 

Em relação aos indígenas, o cenário no país é de muitos conflitos territoriais envolvendo invasões de territórios. De acordo com o relatório “Yanomami sob ataque”, em 2021, houve um aumento de 46% da atividade de garimpo ilegal nos territórios Yanomami, em Roraima, em relação ao ano anterior.

O estudo do Inesc também aponta que foram cerca de R$100 milhões a menos disponíveis para a Fundação Nacional do Índio (Funai) comparando o orçamento autorizado em 2022 com os demais anos da gestão Bolsonaro. Além disso, nos últimos três anos, 45% dos recursos gastos na ação orçamentária para proteger e demarcar os territórios indígenas foram destinados a indenizações e aquisições de imóvel.

“Parte significativa dos recursos que deveriam ser aplicados em atividade de fiscalização, monitoramento territorial, diárias de servidores para acompanhar as terras, todas as etapas do processo demarcatório foi parar nas mãos de não-indígenas que invadiram TI (Terras Indígenas)”, explicou o documento. (Demais fontes: Congresso em Foco).

Leia mais: Programa do governo Bolsonaro impõe interesses privados em territórios de comunidades tradicionais

População negra

“Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles” (Palestra no Clube Hebraica – RJ – 3 de abril de 2017)

Jair Bolsonaro já esteve envolvido em declarações racistas, como a que fez no Clube Hebraica em 2017, motivo pelo qual chegou a ser condenado a pagar R$50 mil por danos morais coletivos a comunidades quilombolas e à população negra em geral.

O levantamento do Inesc revela que, de 2015 a 2018, a política de promoção de igualdade racial sofreu recorrentes cortes orçamentários, mas foi a partir de 2019 – início do Governo Bolsonaro-, que a atuação institucional desmontou definitivamente a política pública. No Plano Plurianual 2020-2023 – que define as estratégias e metas da administração pública dentro de quatro anos-, o tema do enfrentamento ao racismo foi excluído.

A Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SNPIR), mesmo continuando a existir, sofre com baixos recursos que comprometem a sua efetividade. Em 2021, o recurso autorizado para o tema foi de R$3 milhões, no âmbito do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH). Em 2020, nenhum recurso foi autorizado para gasto com políticas para igualdade racial. Em 2021, o MMFDH, comandado por Damares Alves, gastou somente R$ 1 milhão em recursos novos.

“Enquanto o governo não financia a política de igualdade racial, o Brasil segue com os piores indicadores para a população negra: registrou-se aumento de 54% na taxa de feminicídio de mulheres negras, territórios quilombolas registram taxa de 47,8% de insegurança alimentar grave (Consea, 2012). Na pandemia, os negros morrem quatro vezes mais do que brancos em decorrência do novo coronavírus”, pontuou o estudo do Inesc. 

Leia também: Gestão Bolsonaro é marcada por 94 discursos racistas em que os autores não foram responsabilizados, diz estudo inédito

Mulheres

“Ela não merece (ser estuprada) porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar porque não merece” (Entrevista concedida ao jornal Zero Hora sobre fala proferida para deputada Maria do Rosário (PT-RS) em dezembro de 2014)

A frase de Jair Bolsonaro proferida para a deputada Maria do Rosário em 2014 lhe rendeu uma condenação por danos morais. Em relação ao trabalho com o público feminino em seu governo, segundo o Inesc, as políticas para as mulheres de 2019 a 2021 tiveram uma gestão aquém do desafio imposto pelos indicadores de violência de gênero no país. “O Brasil é o 5º no ranking mundial de feminicídios, e em 2020, registrou uma morte a cada 6 horas e meia; e continua a liderar a estatística de violência contra pessoas trans, com aumento de 41% de mortes em 2020 em relação a 2019, com 175 travestis e mulheres trans assassinadas”, pontuou o documento.

A nomeação de Damares Alves, colocada à frente do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, resultou na mudança da política pública voltada para as mulheres, colocando a pauta em um programa dedicado à família e a promoção e defesa dos direitos humanos de forma mais geral. De 2019 a 2021, houve a execução de apenas metade do recurso autorizado para o programa, o que interfere no financiamento de serviços urgentes voltados aos públicos impactados.

“A Casa da Mulher Brasileira [equipamento que oferece atendimento à vítimas de violência doméstica] permaneceu negligenciada pela ministra Damares Alves: dos R$ 21,8 milhões autorizados para execução, foi gasto apenas R$ 1 milhão, acompanhando a lamentável série histórica de execução deste recurso, já que em 2019 nada foi executado e, em 2020, apenas R$ 308 mil dos R$ 71,7 milhões disponíveis”, pontuou o estudo.

Segundo publicação da Folha, dois terços das ações que beneficiam mulheres no Orçamento tiveram cortes na proposta para 2023 enviada pelo governo de Bolsonaro ao Congresso no fim de agosto. Há casos em que o corte representa 99% do que havia sido reservado inicialmente em 2022. (Demais fontes: Congresso em Foco)

Proteção à infância e adolescência

“O trabalho dignifica o homem e a mulher, não interessa a idade” (Live de Bolsonaro em 4 de agosto de 2019)

Na campanha presidencial de 2018, um dos discursos mais fortes de Bolsonaro foi contra o que chama de “ideologia de gênero” e sobre a defesa da infância. De lá para cá, o presidente já esteve envolvido em polêmicas envolvendo foto com criança segurando arma de brinquedo, declarações em torno do trabalho infantil ou a mais recente fala sobre “pintar um clima” ao citar meninas venezuelanas.

O levantamento do Inesc pontua que os balanços anteriores do Orçamento Geral da União, para os anos de 2019 a 2021 mostraram a queda de recursos públicos para várias áreas da infância e adolescência. Publicação do Brasil de Fato também elenca ações do governo Bolsonaro que causaram redução de direitos das crianças, como corte de recursos para creches e educação infantil e desinvestimento em vacinação com redução da cobertura da imunização contra a paralisia infantil para 67% das crianças e lentidão na aprovação das vacinas de Covid-19 para os pequenos.

 Imagem de Bolsonaro com criança que segura arma de brinquedo. Bolsonaro em evento em Belo Horizonte/MG | Crédito: Reprodução/Uol

“Com R$ 1,9 milhão autorizado para ações de enfrentamento do trabalho infantil e estímulo à aprendizagem, apenas R$ 331,9 mil foram executados, ou seja, somente 17,7% do recurso disponível para o ano [2021]. E quando analisada a diferença entre 2019 e 2021, a queda das despesas foi de 95%”, destacou o estudo do Inesc. (Demais fontes: Uol)

Leia também: Pastoral Carcerária entra com representação contra propaganda de Bolsonaro

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