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Quilombolas no Censo 2022: ‘Invisibilidade nos tira o direito de viver de forma digna nos territórios’

Em levantamento inédito, o Censo de 2022 do IBGE vai coletar dados exclusivos sobre as comunidades quilombolas no Brasil; para lideranças, a pesquisa significa um passo importante no enfrentamento ao racismo estrutural

Quatro mulheres quilombolas estão com saias estampadas e três homens batem palmas e tocam um tambor

Foto: Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

9 de fevereiro de 2022

Pela primeira vez, o Brasil vai desenhar um retrato inédito sobre as comunidades quilombolas. A partir de agosto deste ano, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dará início ao Censo 2022, que trará estatísticas exclusivas sobre esses povos, como características demográficas, populacionais, sociais, econômicas, além de dados baseados na autodeclaração das comunidades em relação ao pertencimento étnico.

Desde janeiro, lideranças quilombolas têm participado de uma série de seminários com o IBGE, que busca apresentar as metodologias, protocolos e medidas de abordagem que serão aplicadas de forma específicas nos territórios. De acordo com o Instituto, o diálogo visa mobilizar as lideranças comunitárias sobre seu papel no Censo, assim como a importância dos guias locais e a relevância do levantamento para a população quilombola.

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Segundo Marta Antunes, responsável técnica pelo projeto de povos e comunidades tradicionais do IBGE, todo o processo tem sido feito em conjunto com representantes quilombolas, desde a avaliação das questões chave da metodologia ao aprimoramento da metodologia.

“No momento atual de planejamento do censo demográfico 2022 nas localidades quilombolas, o desafio é sensibilizar essas lideranças de todo o país sobre a importância do censo, para que elas ajudem o IBGE a chegar em seus territórios e realizar o censo demográfico sem deixar ninguém para trás. Para isso, apresentar a todas as lideranças a metodologia do censo e criar uma rede de troca permanente entre as equipes estaduais do IBGE e as lideranças quilombolas de cada estado é essencial para o sucesso do censo”, destaca Antunes.

REUNIAO CONAQ IBGE siteReunião entre lideranças e coordenadores quilombolas com técnicos do IBGE | Foto: CONAQ

Uma das organizações participantes é a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ), que há mais de 15 anos vem construindo estratégias para garantir que o governo brasileiro reconheça a existência e direitos da população quilombola. Para Antônio João Mendes, coordenador executivo da CONAQ, a inclusão desse povo tradicional no Censo representa um passo importante no enfrentamento ao racismo estrutural – que exclui os quilombolas da garantia de viver em seus territórios, de se organizar e ter acesso a direitos básicos.

“Enfrentamos muitas dificuldades pois o racismo estruturado nas instituições governamentais não deixava o diálogo fluir. Sabemos que a invisibilidade dessa população cumpre um papel importante na marginalidade do nosso povo ao acesso ao direito a viver de forma digna nos nossos territórios”, comenta Mendes.

Leia também: Como o racismo estrutural dificulta o acesso dos quilombolas à saúde?

ANTONIO CRIOULO FACEBOOK siteA invisibilidade dessa população cumpre um papel importante na marginalidade do nosso povo’ | Foto: Antônio Crioulo/Arquivo Pessoal

Os números sobre as comunidades quilombolas ainda são muito variados, o que gera uma descentralização de estatísticas que poderiam servir de base para destinação de políticas públicas e reconhecimento das comunidades tradicionais. Dados da Fundação Palmares contabilizam cerca de três mil comunidades, enquanto o IBGE, junto com a CONAQ, calculou quase seis mil, com estimativa aproximada de cerca de 6.330 comunidades.

Segundo Antônio, a expectativa é que o levantamento possa trazer dados quantitativos sistematizados que vão auxiliar na elaboração de políticas públicas assertivas.

“Nunca houve uma preocupação institucional em qualificar as informações sobre a população quilombola. A discrepância nas informações demonstra que não aconteceu uma política pública que atendesse toda essa população […] Realizamos várias reuniões com as lideranças quilombolas das comunidades onde percebemos as expectativas de que esse Censo traga informações qualificadas sobre nosso povo e que essas informações sejam transformadas em dados que dê sustentação a construção de políticas públicas”, ressalta Mendes.

O coordenador também destaca que a falta de mapeamento dessas comunidades e, consequentemente, de políticas públicas também acaba sendo um fator que leva à migração de quilombolas para as cidades, para onde se deslocam vão em busca de acesso à educação, saúde e moradia.

“A migração dos quilombolas para as grandes cidades reflete a ausência de políticas públicas no território. A grande maioria dos territórios não têm acesso a um prédio escolar de qualidade, não tem direito à comunicação, tem que se locomover para as cidades para ter algum atendimento médico, as terras são invadidas por grileiros e pelo grande latifúndio gerando conflitos dentro das comunidades. As pessoas que continuam residindo nas comunidades são verdadeiros guerreiros e diariamente convivem com as negligências impostas pelo sistema”, diz a liderança.

Metodologia

Em 2022, o Censo será realizado a partir do dia 1º de agosto e segue até o dia 30 de outubro. A pesquisa, feita de dez em dez anos pelo IBGE, funciona como um sistema de informações sobre a população do país e suas condições de vida, baseadas em recortes raciais, de classe, gênero, econômicos, geográficos entre outros. As estatísticas coletadas servem de base para a criação de políticas públicas em diversas áreas assistenciais da sociedade, como saúde, educação, moradia, saneamento básico entre outros.

Para a coleta de dados sobre quilombolas, o IBGE vai se basear em seis pilares: questionários, cartografia censitária (base territorial), treinamento, sensibilização, coleta e garantia de cobertura, e divulgação dos resultados.

No questionário, serão levantadas informações sobre as condições da habitação (material das paredes, número de cômodos, de dormitórios, de banheiros, condições de saneamento e descarte do lixo, e se há bens duráveis) e dos moradores, que devem responder questões de cor ou raça, idade, dados sobre a família, religião ou culto, educação, trabalho e rendimento. Ao todo, o mapeamento será feito em 5.972 localidades quilombolas do país, que incluem Territórios Quilombolas oficialmente delimitados, agrupamentos quilombolas e outros lugares.

“O IBGE mapeia todas as localidades quilombolas, independentemente de sua localização em área rural ou urbana. Esse mapeamento envolve as áreas em que há contiguidade entre os domicílios ocupados por quilombolas e áreas ocupadas pelos quilombolas de forma espacialmente dispersa. Adicionalmente, se forem identificadas áreas habitadas por quilombolas durante o recenseamento em regiões não previamente mapeadas, a localidade será registrada em nossos cadastros para verificações futuras”, explica Marta Antunes.

O levantamento também vai contar com protocolos sanitários específicos, devido à maior vulnerabilidade dos povos quilombolas. Além de EPIs, os recenseadores deverão manter uma distância de 1,5 metro e realizar as entrevistas fora das residências.

Conforme o IBGE, os recenseadores que cobrirão às áreas de povos e comunidades tradicionais também terão um dia adicional de treinamento para conhecer as normativas e conceitos quilombolas, se familiarizarem com normas e práticas de conduta nesses territórios, como planejar a coleta e a importância do contato com a liderança local.

Leia também: Construindo quilombos e amplificando vozes da diáspora afro-brasileira: ‘Femigrantes BR Podcast

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