Amplificar a voz de trabalhadoras. Essa é a principal meta de Neon Cunha, 52 anos, candidata a deputada estadual pelo PSOL na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Ativista independente, a publicitária diz que sua candidatura surge para ocupar um vazio que seria deixado pela deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL-SP), que decidiu não tentar a reeleição ou concorrer a outro cargo político em 2020. Malunguinho publicou um longo texto de apoio a Neon nas redes sociais.
Quem também apoia Neon é a vereadora de São Paulo Erika Hilton (PSOL-SP), que concorre a uma vaga no Congresso, além de ativistas do movimento negro de peso como Sueli Carneiro, Silvio Almeida, Anielle Franco, Lucia Xavier, Isa Silva, da marca Issac Silva, Nilza Iraci, entre outros. Sua candidatura também faz parte do movimento inédito puxado pela Coalizão Negra Por Direitos, chamado Quilombo nos Parlamentos que potencializa candidaturas do movimento negro.
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Na comunidade LGBT, Neon é apoiada por Isa Silva (criadora da marca Isaac Silva), Renata Carvalho, Ave Terrena, Marcia Pantera, Heliana Hemetério, Dudu Bertholini, Ricardo dos Anjos, entre outros. A candidata também recebe apoio de movimentos ligados aos direitos do povo de rua e pela luta por terra, como o MST.
Os apoios não a impedem de fazer uma candidatura com poucos recursos recebidos do seu próprio partido, o PSOL, e de lembrar de seu ativismo independente que em que muitas vezes teve que bancar com os próprios recursos sua luta. “Havia um desejo coletivo de muitas vozes. Mesmo assim, tivemos pouco tempo e pouco recurso. Iria ficar um buraco na Alesp e decido que não dá para não ter esse lugar de ocupação”, resume.
História
Neon Cunha cresceu em São Bernardo do Campo na década de 70, uma época em que as questões de gênero e orientação sexual eram patologizadas e tratadas com violência. Dos 4 aos 11 anos, ia com a mãe, que atuava como faxineira, para o trabalho, como uma forma de garantir sua integridade física.
“Hoje entendo que foi para me proteger. Ali, aprendi a fazer o trabalho doméstico e fui reproduzindo em casa também. Associo muito essa história com a do menino Miguel Otávio, 5 anos (morto em Recife em 2020”, diz ela, afirmando que, nessa época, aprendeu que a favela não era bem-vinda, porque as patroas diziam que chegavam com o pé sujo de barro.
O primeiro trabalho remunerado foi o de mensageira na Prefeitura de São Bernardo do Campo (SP), onde permanece há 40 anos como funcionária pública, tendo passado por diversas diretorias. “Desde a década de 80 entro no gabinete do prefeito, a música naquela época era o rock de protesto. Passo pelas lutas estudantis, pela Diretas Já. Meu pai era metalúrgico, então tive esse debate muito intenso”, pontua.
Formada em Técnico de Publicidade e Propaganda e pela Faculdade de Arte e Educação com habilitação plena de Artes Plásticas, além da licenciatura acadêmica pela UFABC, Neon é uma renomada designer. Atua na área da moda com trabalhos com a marca Isaac Silva, além do ativismo na Marcha das Mulheres Negras de São Paulo.
“Na Marcha, coloco minha excelência profissional a serviço, não sou figura central. Sou participante como as demais. Tenho máximo respeito por esse coletivo que é o mais próximo do black lives matter por ter uma potência que não pode ser represada”, diz.
“Preta, ameríndia e ativista independente, me banco a partir do meu recurso, sem investidores, para manter autonomia de pensamentos”, classifica-se.
Em 2016, venceu uma luta que beneficiou todas as pessoas trans que hoje conseguem garantir o uso do nome social sem a necessidade de um laudo psiquiátrico, sendo a primeira pessoa trans a falar em um encontro da Organização dos Estados Americanos (OEA).
“A despatologização da homossexualidade se dá em 90, mas para as pessoas trans só ocorre em 2016”, ressalta ela, que retificou a certidão de nascimento e os principais documentos a partir da decisão que abriu caminhos para outras pessoas fazerem o mesmo. Hoje a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275 garante essa retificação de nome de todas as pessoas trans.
Trajetória política
Em 2018, Neon foi conselheira da campanha que elegeu Erica Malunguinho para a Alesp. “Sempre disse a ela: não é sobre ganhar, é sobre projeto político, projeto de mundo, o que as mulheres negras estão fazendo, como descreve a diretora Day Rodrigues no documentário “Mulheres Negras projeto de mundo”. Neon lembra também que o assassinato da vereadora Marielle Franco, em 2018 no Rio, fez com que várias mulheres negras enfrentassem as batalhas do campo político.
Já a relação com Erika Hilton é descrita por ela como uma afetividade com construção política e respeito mútuo. “Ela me chama de ‘mãe’ pela relação que a gente constrói, por termos o mesmo tom de pele e muita coisa em comum”, afirma. A candidata diz que não tinha pretensão de concorrer a política, mas trocando com outras mulheres negras entendeu que sua presença seria necessária para dar continuidade e ampliar o trabalho que Malunguinho iniciou na Alesp.
“Se com Erica lá tiveram a ousadia de realizar o PL 504/2020 (que proibia publicidade com LGBTQIA+ e crianças), sem nós como vai ser?”, questiona, brincando ainda que sua candidatura garante a beleza e a tranquilidade de continuidade das lutas.
Neon é a única candidatura trans dentro do PSOL paulista a sair numa candidatura solo para a Alesp e lembra que o apoio do partido foi simbólico comparado ao recurso destinado a outras candidaturas. “Quem trabalha comigo e eu que lutemos”. Mesmo assim, ela lembra que o movimento de pessoas trans na política é crescente e irreversível, apesar das dificuldades enfrentadas.
“Os candidatos cisgênero que se dizem aliados não têm em seu corpo técnico pessoas trans. Precisamos ocupar esse espaço para garantirmos conquistas e possibilidades”, diz.
Ela considera ainda que a Mandata Quilombo de Erica Malunguinho deixa aprendizado e conquistas que precisam de continuidade. Em uma possível legislatura, Neon pretende levar o debate sobre mães solos da periferia, como creche atrelada ao no pré-natal; saúde integral; acesso de crédito nas quebradas, combate à fome por meio de assistência a pessoas em situação de rua, valorização das catadoras de recicláveis; educação de qualidade desde a primeira infância; reforma da previdência do funcionalismo paulista; combate à violência policial; melhora do transporte coletivo.
“As pessoas precisam pensar, têm que conhecer a história e saber que meus projetos interseccionam com muitas causas e pautas. Temos um papel de garantir a humanidade das pessoas”, garante, lembrando que as vidas negras e LGBTs importam e muito.
A candidata ressalta ainda que os passos que constroem a campanha vieram de longe e parafraseia a escritora Conceição Evaristo para pedir voto. “Eles combinaram de nos matar, nós combinamos de votar 50700 para iluminar”.
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