O candidato à Prefeitura da maior cidade do país propõe uma agenda antirracista em várias frentes e diz conhecer de perto os problemas da população na educação e na saúde pública; confira a entrevista
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Danilo Verpa
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Nascido na periferia de Salvador, o candidato à Prefeitura de São Paulo, Orlando Silva, vive na capital paulista há pelo menos 30 anos. O sotaque junto de algumas expressões típicas revelam facilmente a origem soteropolitana.
O candidato trabalha desde os 13 anos de idade e diz que quer ser o prefeito preto da cidade, com uma agenda política voltada ao combate ao racismo. A maior cidade do país já foi governada por dois prefeitos negros. O advogado Paulo Lauro, entre 1947 e 1948, e o economista Celso Pitta, na virada de 1999 para os anos 2000.
Entre as propostas de Orlando, que também é deputado federal pelo PCdoB, está a criação de uma defensoria pública municipal para checar ocorrências de autos de resistência registradas na capital. “Vamos colocar luz na brutalidade policial que fica oculta nos autos de resistência”, afirma.
O candidato também possui um plano emergencial de emprego e renda com o objetivo de gerar no mínimo 300 mil empregos em 2021. Segundo ele, o tema será tratado como prioridade em uma eventual gestão.
O Alma Preta entrevistou Orlando Silva, que inclusive é o único homem negro na disputa pela Prefeitura de São Paulo. Confira:
AP: Qual o seu projeto de governo para a cidade de São Paulo, principalmente nessa perspectiva de retomada pós-pandemia nos próximos anos?
Orlando Silva: São Paulo é uma das cidades mais ricas do mundo. Ela tem uma grande infraestrutura urbana e social, uma capacidade instalada na ciência e na cultura. São Paulo é muito forte, mas também é muito desigual. Dá para perceber na expectativa de vida. Quem nasce na Cidade Tiradentes [extremo leste da capital] tem expectativa de viver até os 60 anos e quem nasce em Moema [bairro da zona sul] tem expectativa de viver até os 80. A pandemia expôs ainda mais essa desigualdade. Na reconstrução, pós-pandemia, o foco deve ser na geração de emprego e renda. A nossa campanha apresenta um plano emergencial de emprego e renda com a retomada de obras públicas; a criação de frentes de trabalho, sobretudo para ocupar jovens; a valorização da economia solidária, das cooperativas e dos arranjos produtivos nas periferias e a normatização de algumas atividades, como o trabalho por aplicativo. A Prefeitura de São Paulo não pode ser omissa à superexploração dos trabalhadores por aplicativo. Precisa ter regras e um preço mínimo justo.
AP: Como as pautas da negritude serão tratadas em um possível governo seu em São Paulo? Principalmente o racismo estrutural e o genocídio da população negra?
Orlando Silva: Eu quero ser o prefeito preto de São Paulo. A cidade já teve um prefeito negro, mas sem identidade racial [Celso Pitta, prefeito entre 1997 e 2001]. A diferença será a presença da luta antirracista no conjunto das ações da Prefeitura, atravessando toda a gestão. Temos que efetivar o ensino da história da África e da cultura afro-brasileira com a dimensão que deve ter, vamos requalificar os professores para estudar um pouco mais sobre essa matéria. Essa medida tem um impacto muito grande no campo simbólico. Vou criar uma defensoria municipal com base nos Direitos Humanos e ênfase no combate ao racismo. Vamos acompanhar cada crime de racismo. Não vamos deixar barato, não pode ser convertido em injúria racial. O racismo precisa ser chamado pelo nome.
AP: De que outras formas o racismo será combatido na cidade?
Orlando Silva: Teremos medidas no plano da economia. Um caso de racismo numa loja, por exemplo, tem que imputar a responsabilidade solidária ao dono do estabelecimento. Não adianta acusar o vigilante ou eventualmente um funcionário. É responsabilidade do dono criar um ambiente de segurança para a população negra circular como qualquer cidadão, com o seu direito respeitado. Tanto a criação da defensoria municipal como as medidas de impacto na autorização de funcionamento de estabelecimentos com casos de racismo são ações fundamentais na agenda antirracista.
AP: O que motivou sua candidatura à Prefeitura da maior cidade do país? Como é sua relação com São Paulo?
Orlando Silva: Aqui eu constituí a minha família. Aqui nasceram os meus três filhos. São Paulo me deu o direito de representar a cidade e o Estado em Brasília, como deputado federal. Quando ministro dos Esportes [no governo Lula] fiz um trabalho muito concentrado na periferia da cidade. Me considero preparado para governar São Paulo pela experiência de vida que tive. Vivi a enchente, a escola pública, a saúde pública. Conheço os problemas do povo. Quero devolver para São Paulo, na forma de trabalho, o que São Paulo me deu. Tenho experiência na política e experiência na gestão pública.
AP: O PCdoB é um partido que não tinha tradição de apresentar uma candidatura própria para a Prefeitura de SP, o que mudou em 2020?
Orlando Silva: O partido nunca apresentou uma candidatura para a Prefeitura de São Paulo. Foi de 2000 para cá que a legenda começou a concorrer e ganhamos no governo do Maranhão e em Aracaju, além de outras cidades importantes do país. Então é importante concorrer na maior cidade do Brasil. No nosso entender, a política precisa de uma renovação. Um novo ciclo começou. O ciclo anterior começou na redemocratização e da Constituição de 1988 e foi encerrado em 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro. É a hora da troca de pele na política, de novas ideias.
O PCdoB tem como característica a apresentação de candidaturas de negros e negras. Eu em São Paulo, Olívia Santana em Salvador (BA), Alessandra Ribeiro em Campinas (SP) e João Bosco em São José dos Campos (SP) são alguns exemplos.
AP: Como você avalia o avanço do conservadorismo e o ataque às pautas identitárias no Brasil?
Orlando Silva: O traço principal do conservadorismo no Brasil é o caráter antidemocrático. Os ataques feitos às pautas de combate ao racismo, às pautas de defesa da liberdade de orientação sexual e ao respeito que as mulheres exigem, os ataques que essas pautas sofrem são fruto do caráter reacionário desse campo conservador que tomou conta do Brasil. Não dá para falar de democracia no Brasil com racismo. Do mesmo modo que não dá para achar que seremos um país justo com a manutenção do machismo estrutural ou com a homofobia produzindo violências diariamente em quase todas as cidades do país.