A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados deve discutir projetos de lei que podem modificar o sistema prisional brasileiro. O PL 1808/07 prevê penas mais brandas em casos de furtos de pequeno valor, que impacta diretamente a parcela da população que têm cometido pequenos delitos por necessidade. Se aprovada, a matéria vai a plenário. A matéria estava na agenda desta terça-feira (12), mas foi retirada de pauta pelos participantes.
O PL 1808/07 é de autoria do deputado Carlos Bezerra (PMDB/MT) e está sob relatoria do deputado Delegado Pablo (UNIÃO-AM). A matéria diz que se o criminoso é réu primário e o furto é considerado de pequeno valor, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. Nestes casos a competência será do Juizado Especial Criminal.
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Em sua justificativa, o autor argumenta que a medida aperfeiçoaria a legislação vigente, pois são “da competência dos Juizados Especiais Criminais causas mais lesivas ao interesse público, como crimes de abuso de poder, fraude no comércio e moeda falsa, por exemplo. Haveria, pois, de se incluir, ainda, o furto privilegiado”.
No entanto, o relator, em seu parecer, datado do dia 24 de junho de 2022, entendeu que a proposta é inconstitucional. No mérito do texto, ele votou pela rejeição da matéria. “Isso porque entendemos serem descabidas as alterações propostas para o Código Penal, a fim de delinear o tipo de ‘privilégio’ de furto, na medida em que a pena deste tipo penal é bastante elástica e permite a imposição da pena de forma individualizada e proporcional à conduta praticada pelo agente”, escreveu.
Para o direito criminal, em situações de furtos, algo de pequeno valor é a que não ultrapassa um salário mínimo. Já algo de valor insignificante é o que, de tão inexpressivo, sequer merece a proteção da justiça.
Se aprovado em plenário, o projeto pode tirar das grades, por exemplo, casos crescentes de furtos famélicos – aqueles que são motivados pela necessidade e fome. Tais casos aumentaram graças à crise econômica, inflação, aumento da desigualdade e da insegurança alimentar, além da dificuldade na gerência da pandemia pelo governo Bolsonaro.
Dados do Supremo Tribunal Federal (STF) demonstra que mais de 3100 processos que envolvem a aplicação do princípio da insignificância, ou da bagatela, passaram pela corte desde 2010. Já no Superior Tribunal de Justiça (STJ), de 2008 até o início de 2022, tramitaram cerca de 2300 casos desta natureza.
O advogado criminalista Jonatas Moreth avaliou que o PL 1808/07 é, em certo ponto, positivo, pois trata que coisas de pequeno valor como celulares, por exemplo. Para ele, mesmo que não seja tão insignificante este tipo de crime tem baixo índice de violência e, se propostas de diminuição de penas forem implementadas, pode ajudar a diminuir o encarceramento da juventude negra.
“Adolescentes que praticam seus primeiros delitos, por exemplo, tendem a ficar muito tempo encarcerados. Esse é um PL benéfico, a pensar de precisar de mais regulamentação e definição tecnica”, disse o advogado.
De acordo com o jurista Djeff Amadeus, coordenador do Instituto de Defesa da População Negra, uma lei semelhante é aplicada a funcionários públicos que possam cometer furtos em algum órgão. Segundo o advogado, o profissional pode fazer um ressarcimento ao erário e não cumprir qualquer pena, mas uma pessoa pobre não tem esse direito.
Para ele, essa lei já deveria existir a muito tempo e ir além. “Isso poderia ser resolvido com a justiça restaurativa, com acordos entre a parte lesionada e o agente do furto. Também é uma máquina inviável economicamente, já que é necessário toda a estrutura do sistema judiciário para investigar e prender um cidadão que furtou algo de pequeno valor”, conclui.
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