Na reta final das campanhas eleitorais no Brasil, a população caminha para os últimos dias de escolha dos representantes do Poder Executivo e Legislativo comprometidos com as pautas em que acreditam. Temas como regularização fundiária, além de políticas públicas para educação, segurança e saúde, se destacam como principais áreas de interesse das comunidades quilombolas, que buscam eleger seus primeiros representantes no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas.
“Ter representantes quilombolas no Parlamento significa nos fazer representar dentro de nossas pautas, em que somente o quilombola, além de discutir, sente na pele. São pautas necessárias para aquele que sofre dia após dia no país que ainda o trata como invisível dentro da elaboração das políticas públicas de saúde, educação, assistência social, geração de trabalho, turismo, cultura entre tantas outras”, explica Bia Nunes (PDT-RJ), quilombola candidata a deputada federal.
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O quilombola José Galiza (PSOL), candidato a deputado federal pelo Pará junto à chapa Ubuntu – Coletivo Quilombola, pontua que o movimento das comunidades tradicionais já vem ao longo do tempo criando várias estratégias de luta e, hoje, a ocupação do espaço de poder e decisão faz parte do novo plano.
“Precisamos também ocupar as Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas e o Congresso, porque é lá que fazem as leis, aprovam projetos e discutem orçamento. Então é necessário que a gente vá para dentro para fazer política para nós, já que todos aqueles que a gente apostou ao longo dos anos nunca deram essa atenção”, ressalta Galiza.
Nesse sentido, a iniciativa Quilombo nos Parlamentos reúne 120 candidaturas negras comprometidas com o movimento negro e o enfrentamento ao racismo. A Alma Preta Jornalismo identificou quilombolas em ao menos 20 candidaturas na plataforma, entre disputas para o Congresso Nacional e para as assembleias legislativas estaduais. O observatório De olho nos ruralistas, também publicou um mapa em que identificam ao menos 23 candidaturas quilombolas em 15 estados e no Distrito Federal.
Segundo estimativa do IBGE, existem no Brasil 5.972 localidades quilombolas. A candidata a deputada estadual por Goiás Lucilene Kalunga (PSB) explica que a falta da representatividade quilombola e negra na política interfere muito em quais pautas serão priorizadas na hora da distribuição de recursos. No Congresso Nacional, menos de 25% dos parlamentares são negros.
“O diferencial [da participação política quilombola] é a garantia de que os investimentos estarão em sintonia com as reivindicações locais e que o olhar será diferente, porque parte de uma pessoa que sabe o que está fazendo, não só por ser quilombola, mas também pela trajetória de luta e diálogo”, destaca a candidata.
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Propostas consideram as especificidades das comunidades
A quilombola Lucilene Kalunga, também Secretária Estadual de Mulheres do Partido Socialista Brasileiro em Goiás, relata que sua vida política iniciou quando se percebeu mulher, preta e quilombola. “Foi a partir daí que decidi que iria trabalhar para mudar a minha realidade e também a da minha comunidade”.
Há cerca de 20 anos, ela é ativa na luta em prol das mulheres, mães, povos e comunidades tradicionais de Goiás, já tendo atuado, por exemplo, como gestora estadual de comunidades tradicionais e coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Goiânia. Pela primeira vez, ela disputa uma vaga na Assembleia Legislativa de Goiás.
“Trago como princípio entender como cada comunidade gostaria de ser atendida em suas demandas”, explica. Entre as defesas da candidatura de Lucilene, estão a luta pela terra e territórios titulados e a defesa pela educação, emprego e geração de renda como aspectos fundamentais para o combate ao racismo estrutural e para o fortalecimento das comunidades quilombolas da região Centro-Oeste.
“Fica óbvio que muitos problemas enfrentados nos territórios, atualmente, estão diretamente ligados à falta de investimentos em políticas públicas de educação, emprego e renda, o que impõe a saída dos jovens das comunidades para os centros urbanos em busca de melhores oportunidades. Nossa proposta vem nesse sentido de tentar fazer com que as pessoas possam ter vida digna e autonomia em suas próprias comunidades”, defende.
Antonia Cariongo (PSOL), única mulher quilombola concorrendo ao Senado pelo Maranhão, também destaca que a demarcação e a regularização das terras e dos territórios quilombolas e indígenas é a sua maior bandeira de defesa. Foi justamente a questão da demora dos processos de regularização fundiária que fizeram a também coordenadora do Comitê Quilombola de Santa Rita e Itapecuru Mirim/MA buscar a entrada na vida política.
“Eu acredito que se eu conseguir avançar nessa pauta de regularização dos territórios dos povos tradicionais, quilombolas e indígenas, consigo também várias outras políticas públicas, porque, tendo o território regularizado, se pode fazer muita coisa, como produzir com mais qualidade e tranquilidade”, afirma a candidata, que também defende as pautas de proteção da natureza, política de mulheres, população LGBTQIA+ e agricultura familiar.
Já a candidata a deputada federal pelo Rio de Janeiro Bia Nunes (PDT), nascida no Quilombo de Maria Conga em Magé/RJ, destaca a educação como questão fundamental. Ela é professora e sempre lecionou com crianças e adolescentes, principalmente na alfabetização, e sempre trabalhou em comunidades periféricas com crianças e famílias em vulnerabilidade. Por conta das situações de violência que presenciava, ajudou a fundar e construir o primeiro Conselho Tutelar do seu município.
“Em relação às propostas que impactam na qualidade de vida da população quilombola, gostaria de destacar a primeira: a escola quilombola com a grade curricular que respeite todo o contexto histórico daquela comunidade. É necessário trabalhar com as crianças e os adolescentes das comunidades para que eles possam entender o pertencimento da sua história, pois isso lhe garantirá a permanência da luta e da resistência”, pontua Bia Nunes, que propõe um mandato coletivo junto a mais cinco mulheres.
“Cada metro quadrado de perda das nossas terras e do nosso território significa um pedaço perdido de nossa história”, acrescenta.
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Rumo à primeira bancada quilombola
O Ubuntu – Coletivo Quilombola, do Pará, foi criado em agosto de 2020, a partir de quilombolas e povos de religiões de matrizes africanas do estado para discutir as questões que impactam as comunidades tradicionais no cenário político. O coletivo reúne atualmente cerca de 70 integrantes e lançou duas chapas coletivas para disputar as vagas como deputados federais e estaduais, sendo José Galiza (PSOL) um dos candidatos da chapa à vaga federal.
A historiadora e candomblecista Micele Silva, integrante do Coletivo Quilombola, reafirma a responsabilidade das candidaturas com a segurança pública, além das pautas de educação e titulação. “[Defendemos] efetivar políticas públicas de combate à violência contra a mulher, em especial a mulher negra quilombola, e efetivar políticas contra o racismo religioso”, ressalta.
Entre outras medidas do Coletivo, está no plano de mandato propor a criação de uma guarda municipal rural capacitada e formada por profissionais especializados em abordagens não racistas, que atuará no enfrentamento aos crimes que ocorrem nas estradas, rios e comunidades. Além disso, eles propõem a implementação de ações voltadas ao combate do racismo ambiental e que busque trabalhar os impactos das mudanças climáticas.
Já a quilombola Mãe Andréia Deloizi (PSOL), da candidatura coletiva LGBTQIAP+ Diversas em Pernambuco, destaca a questão da saúde mental entre suas bandeiras. Uma das propostas é a defesa de investimento e interiorização de política de saúde mental voltada para a comunidade LGBTQIAP+ e para pessoas negras.
Há também a defesa da estruturação em Pernambuco de condições de acesso e promoção da saúde de pessoas trans e pessoas LGBTQIAP+ em geral com a luta pela implementação de ambulatórios LGBTQIAP+ e pelo combate à estigmatização que atinge as pessoas que vivem com HIV e AIDS.
Quilombola, mulher trans e sacerdotisa de Candomblé, Mãe Andréia relata que percebeu a importância de colocar seu próprio corpo na política para que possa haver a representatividade do povo negro, de terreiro e trans na Assembleia Legislativa.
”Isso é importante em um momento onde o fundamentalismo religioso ocupa esses espaços e articula discursos e atitudes que colocam nossas vidas em risco”, finaliza.
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