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Sem cargos públicos, vereadoras suplentes enfrentam discriminação no mercado de trabalho

“Conciliar minha atuação de suplente da periferia e trabalhar como diarista em casa de família, me obriga a fazer uma política limpa”, afirma a vereadora suplente Andreia de Lima do PT

Texto: Letícia Fialho | Edição: Nadine Nascimento | Imagem: Reprodução 

 

7 de setembro de 2021

Embora o número de 267 vereadoras negras eleitas no pleito de 2020 seja expressivo e represente uma conquista para o movimento negro, algumas das mulheres inseridas na política sentiram discriminação na busca por oportunidades no mercado de trabalho após o período das eleições. 

A Moradora do Parolin, bairro periférico da região central da capital do Paraná, Andreia de Lima (PT) foi eleita vereadora suplente de Curitiba integrando um mandato coletivo — a Mandata Coletiva das Pretas -, junto à fotógrafa Giorgia Prates. A candidatura recebeu 3.582 votos e foi a quinta com mais eleitores do PT na capital do Paraná. Como suplente, no entanto, Lima não recebe nenhum salário ou auxílio da Câmara Municipal. Por isso, ela precisa ganhar a vida como diarista — a única atividade que lhe rende algum dinheiro no momento.

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“Conciliar minha atuação de suplente da periferia e trabalhar como diarista em casa de família, me obriga a fazer uma política limpa. Sou uma transformadora social desde a infância. Hoje posso dizer que minha jornada é dupla e que só parei de fazer diária na semana das eleições. Outro fato, é que as pessoas precisam entender que o suplente não exerce atividade remunerada”, relata a política.

Lima iniciou sua jornada como ativista na juventude. Durante 23 anos fez parte do PMN (Partido da Mobilização Nacional) do Paraná. E, pouco antes das eleições de 2020, optou por se filiar ao Partido dos Trabalhadores (PT), após receber o convite de lideranças políticas. Atuante na sua comunidade, paralelamente, Andreia sempre trabalhou como diarista. 

“Trabalho para ter uma fonte de renda. Ainda que sejam só R$475 fixos. Agradeço a rede de acolhida que tenho na comunidade, principalmente vindo das mulheres negras periféricas. Mas se eu tivesse parado de trabalhar pela atuação política, não teria como pagar as minhas contas”, declara. 

Para Simone Nascimento, candidata à vereadora do PSOL em São Paulo, em 2020, que conquistou 9.733 votos e foi eleita como suplente, o mercado de trabalho é preconceituoso e punitivista com pessoas que disputam cargos eleitorais, mesmo considerando que a posição política não é uma profissão. 

A suplente, que compõe a Coordenação Estadual do Movimento Negro Unificado (MNU), é formada em jornalismo e já atuou na grande imprensa. Mas, após a candidatura, percebeu um resquício antidemocrático que pune profissionalmente as pessoas que disputam processos eleitorais, principalmente ao se tratar de mulheres negras. 

“Minha militância partidária é de muito tempo antes de eu ser candidata. Inclusive, eu tenho mais tempo como filiada ao partido do que como concorrente à eleição. Mas o processo de disputa eleitoral foi fundamental para pautar dentro e fora do partido a importância das candidaturas negras”, conta Simone Nascimento.

Após as eleições, a psolista teve como desafio enfrentar o mercado de trabalho e perceber que, apesar do Estado ser democrático, há uma dificuldade de aceitação para retomada profissional de políticas negras no mercado da comunicação.  Para Simone, o acolhimento que recebeu como fortaleza veio do mandado da vereadora eleita Luana Alves (PSOL), e afirma que esse apoio do movimento negro é fundamental no fazer político de mulheres negras. 

Já Ana Mielke, também candidata à vereadora do PSOL em 2020, conquistou 14.386 que, ainda que expressivos, não foram suficientes para garantir sua vaga na Câmara paulistana. Segundo ela, o acolhimento que recebeu pós-eleições veio por parte das organizações que têm relação direta com a pauta anti-racista, das quais recebeu convites para atuar em projetos. Acredita que isso só foi possível devido as relações estreitas que construiu ao longo da sua atuação nos últimos dez anos junto ao movimento negro. 

“É importante destacar que, infelizmente, ainda são as pessoas negras que olham para outras pessoas negras e veem nelas um potencial, seja na vida política pública, nas organizações ou assessorias parlamentares. E constituir essa rede é fundamental para garantir a sobrevivência material das candidatas eleitas ou não, e também da sobrevivência política”, afirma Ana Mielke. 

Hoje a defensora dos direitos humanos integra a assessoria da liderança da bancada do PSOL na Câmara Municipal de São Paulo, por indicação da Mandata Coletiva Quilombo Periférico. 

Leia também:Vera Lúcia: ‘Mulheres negras devem ocupar a política para romper servidão e submissão’ 

Oportunidades

“A população negra, que foi destituída deste lugar de sujeito político, tem muita dificuldade de se colocar no lugar de representante. Sendo instigada a participar da política apenas nos processos de votação ou como parte de uma base articulada para conquistar votos para outras pessoas”, acredita Mielke. 

Para ela, se os partidos querem de fato construir um novo tipo de representatividade, eles precisam dedicar a essas figuras oportunidades e possibilidades delas seguirem participando e atuando da vida política. 

“Este é um desafio que está colocado, para romper com essa lógica secular de que quem participa da vida pública sempre foram os homens oriundos dessas oligarquias. Precisamos entender que, para construir novos quadros de lideranças, é preciso dar condições para que elas garantam sua sobrevivência material e política no período entre eleições”, completa a assessora. 

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