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‘Sem enfrentar o racismo, não há educação democrática’: juventude negra ocupa Congresso e exige PNE antirracista

Em entrevista à Alma Preta, especialistas envolvidas na articulação destacam a importância de combater desigualdades raciais no sistema educacional brasileiro
Estudantes e movimentos sociais em Brasília para discutir o Plano Nacional de Educação (PNE) antirracista.

Estudantes e movimentos sociais em Brasília para discutir o Plano Nacional de Educação (PNE) antirracista.

— Reprodução/Frank Carvalho

8 de maio de 2025

Na última terça-feira (7), a Caravana Uneafro-BR pela Equidade levou 40 jovens negros de São Paulo a Brasília para participar de uma mobilização no Congresso Nacional em defesa da inclusão de estratégias antirracistas no novo Plano Nacional de Educação (PNE). 

A articulação reuniu oito organizações negras brasileiras, entre elas o Observatório da Branquitude, e acontece em meio ao debate do Projeto de Lei n.º 2.614/2024, que tramita no Congresso e define as metas da política educacional brasileira para a próxima década.

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A mobilização também coincide com casos recentes de violência racial nas escolas, como o de uma estudante negra do Colégio Mackenzie, hospitalizada após ser encontrada desacordada, em um episódio com indícios de racismo, homofobia e bullying.

Participação direta da juventude negra

Para Adriana Avelar, analista de advocacy do Observatório da Branquitude e uma das articuladoras da mobilização, a presença da juventude negra no debate é decisiva. 

“A articulação da presença da juventude negra em Brasília vem no sentido de pautar a importância da participação desses jovens, que são destinatários diretos das metas e diretrizes que serão previstas no próximo Plano Nacional de Educação, e possam atuar ativamente contribuindo com propostas de melhorias no texto“, afirmou em entrevista à Alma Preta.

Já Adriana Moreira, coordenadora da Uneafro Brasil, afirma que o envolvimento da juventude negra também representa um compromisso com a reconstrução democrática. 

“Esse momento de reconstrução da democracia no Brasil passa necessariamente pela incorporação da centralidade do combate ao racismo no processo democrático brasileiro”, afirmou em entrevista. “Significa trazer os direitos fundamentais da população negra para o centro do debate”, complementa.

Caravana de alunos negros durante a Audiência Pública da Comissão de Educação e Cultura do Senado. (Divulgação/UNEafro)

Demandas apresentadas no Congresso Nacional

Entre as principais reivindicações está a exigência de que o conceito de equidade, presente no texto do PL, não seja genérico. “É preciso que essa equidade indique os destinatários dos objetivos previstos no texto, tenha um financiamento adequado e uma distribuição justa dos recursos, respeitando a diversidade e as especificidades territoriais”, disse Avelar. 

Ela defende ainda que as metas de combate à desigualdade venham acompanhadas de indicadores que permitam a implementação e o monitoramento efetivo das ações voltadas à população historicamente excluída do sistema educacional.

Adriana Moreira destacou, por sua vez, que o novo plano precisa romper com a homogeneização das políticas educacionais. “Quando a gente pensa na gestão pública do Estado, ele considera a população educacional de maneira homogênea. Não considera o calibre da política pública a partir das demandas dos grupos sociais e das suas características”, afirmou.

Ela criticou o fato de o PNE anterior ter reconhecido a menor escolaridade da população negra sem traduzir esse dado em ações concretas. 

“O último Plano Nacional de Educação reconhece que a taxa de escolaridade média da população negra é menor que a da população branca, mas só há uma meta voltada para essa população. Essa meta não foi monitorada e, como toda meta sem monitoramento, não foi executada.”

Sinalizações de apoio e riscos de diluição

Durante as atividades no Congresso, representantes das organizações relataram escuta e acolhimento por parte de parlamentares. Segundo Adriana Avelar, “houve uma sinalização muito positiva da senadora Teresa Leitão (PT-PE) e da deputada federal Dandara (PT-MG) de que as reivindicações e recomendações serão pautadas com muita seriedade”.

Ainda assim, Avelar alertou para os riscos de diluição das pautas antirracistas na versão final do PNE. “Há o risco do debate genérico em torno da desigualdade e da equidade não enfrentarem as especificidades de acesso, aprendizado e evasão que atingem em maior proporção a população negra e indígena.”

Ela também defendeu a nomeação do racismo como estrutura organizadora das desigualdades, sem a qual não há possibilidade real de equidade.

Seminário PNE Antirracista no auditório do Senado. (Divulgação/Frank Carvalho)

Estratégias e consequências da exclusão do recorte racial

As organizações também atuam em frentes fora do Congresso, com mobilização da sociedade civil e articulação de coalizões entre movimentos negros. “Estamos fazendo um grande chamado para a importância de um PNE Antirracista, como única possibilidade de efetivar uma sociedade efetivamente justa e democrática”, afirmou Avelar.

Questionada sobre as consequências de um eventual fracasso na aprovação de um PNE com esse enfoque, ela foi categórica: “Um PNE que não seja antirracista não enfrenta a desigualdade de acesso, a evasão escolar, a falta de diversidade do corpo docente e a injustiça curricular.”

Adriana Moreira também questionou o uso de indicadores educacionais que ocultam desigualdades. “Quando trabalhamos apenas com médias, escondemos os graus de desigualdade. O IDEB, por exemplo, não considera que grupos como população negra e indígena mereçam acompanhamento específico. Se o sistema educacional não mede desigualdade, ele ignora os desiguais.”

Acompanhamento popular como pilar da mudança

Para Adriana Moreira, o envolvimento da sociedade civil é decisivo para garantir que as propostas antirracistas avancem. Ela destacou a necessidade de popularizar o debate e ampliar o acesso às informações sobre o Plano Nacional de Educação.

“É fundamental que todas as pessoas entendam o que é o Plano Nacional de Educação. Ele será votado e terá força de lei pelos próximos dez anos”, afirmou. “A sociedade precisa se mobilizar. Precisamos de um plano com equidade racial e de gênero, que atenda de fato os estudantes das escolas públicas.”

Ela também chamou atenção para a importância de democratizar os conteúdos e propostas do movimento. “Nosso caderno, ‘O Direito à Educação da População Negra e o Novo Plano Nacional de Educação 2024–2034’, mostra o que precisa mudar para que a educação pública no Brasil avance”, disse. “Quando a escola melhora para a população negra, melhora para toda a sociedade.”

Avelar reforçou que a mobilização popular é o que garantirá que as demandas de comunidades historicamente excluídas estejam de fato incorporadas no PNE. “Cabe ao Brasil saber se, no seu projeto de nação, vai abrir mão desse acúmulo de conhecimento técnico mesmo sabendo que sem ele é impossível garantir educação de qualidade”, conclui.

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  • Giovanne Ramos

    Jornalista multimídia formado pela UNESP. Atua com gestão e produção de conteúdos para redes sociais. Enxerga na comunicação um papel emancipatório quando exercida com responsabilidade, criticidade, paixão e representatividade.

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