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Destacamento Blood: Filme de Spike Lee critica nacionalismo branco dos EUA

26 de junho de 2020

Ao utilizar a história para falar sobre racismo e antirracismo, o cineasta não quer fazer um acerto de contas com o passado, o seu “fuzil” na verdade está apontado para o presente e o disparo quer atingir o futuro das relações raciais nos EUA

Texto: Henrique Oliveira | Imagem: Divulgação/Netflix

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Um dia após ganhar o Oscar de melhor roteiro adaptado com “Infiltrado na Klan”, Spike Lee viajou para a Tailândia, onde iria começar a produzir a gravar “Destacamento Blood”, seu mais recente filme, que estreou em 12 de junho na Netflix.

Com roteiro escrito em parceria com Kevin Wilmott, Dany Bilson e Paul De Meo, Spike Lee disse que “Destacamento Blood” era uma oportunidade de explorar um lado da experiência negra na guerra do Vietnã, ainda não retratada no cinema. Um exemplo disso, segundo Lee, era que os soldados negros quase se rebelaram ao saberem que Martin Luther King havia sido assassinado. “Eles estavam prestes a disparar algumas armas e não seria nos Vietcongs”, diz o cineasta.

Para falar sobre os soldados negros que participaram da guerra do Vietnã, a história do filme gira em torno de cinco homens, que se autodenominam “Bloods”. Norman Holloway, interpretado por Chadick Boseman, morreu na guerra. Quatro veteranos de guerra retornam ao Vietnã para resgatar os restos mortais de Norman e recuperar um tesouro que foi escondido.

Contudo, o retorno ao Vietnã foi também um encontro entre o passado e o presente, seja com vietnamistas que nasciam com má formação física, devido ao uso do Agente Laranja, um herbicida químico utilizado pelos EUA para destruir plantações de arroz e a selva onde se escondia os vietcongues, que ainda deixou o solo contaminado, causando distúrbios respiratórios e câncer, 50 anos depois. Ou então por pisarem numa mina terrestre ainda instalada.

Se por um lado, o filme aborda os traumas e um certo ressentimento que a guerra deixou nos vietnamitas, os traumas e sequelas também acompanham os ex – soldados negros. Isso se expressa no uso de remédios como oxicodona, feito pelo personagem Otis, que é um fármaco produzido através do ópio, utilizado para dores crônicas. Pois, as guerras que os EUA se envolveram deixaram uma legião de homens feridos e traumatizados, que quando não se suicidam, vivem a base de antidepressivos. Os efeitos psicológicos da guerra do Vietnã podem ser lidos através da interpretação impecável do ator Delroy Lindo no papel de Paul.

Uma das estratégias utilizada por Spike Lee para fazer uma crítica antirracista à guerra do Vitenã e ao nacionalismo branco norte americano foi utilizar imagens históricas de discursos de Angela Davis, Kwame Ture, Malcolm X, assim como de Muhammad Ali, que se recusou a ir ao Vietnã, dizendo: “Por que me pedem para vestir uma farda, viajar 10 mil quilômetros e matar vietcongues, se eles nada fizeram de mal para mim?”.

A recusa de Muhammad Ali simbolizou o questionamento que o movimento pelos direitos civis fazia à noção de cidadania vigente nos EUA. Como poderiam os negros que viviam sob discriminação racial e leis de segregação lutarem numa guerra representando um país que os não consideravam cidadãos de fato? Ao inserir o protesto negro contra a guerra, Spike Lee quis mostrar que não só o movimento Hippie, com seu lema “paz e amor”, formado por uma maioria branca, fez oposição ao conflito.

A crítica de Spike Lee também acerta em cheio a própria indústria do cinema norte-americano quando em meio ao diálogo os personagens dá alfinetadas em filmes como Rambo e Braddock, produzidos para falsificar o real resultado da guerra do Vietnã, assim como suas representações recheadas de nacionalismo branco em torno do Exército de um homem só. Entretanto, a população negra era 12% dos habitantes dos EUA, mas foi 1/3 do contingente enviado ao Vietnã.

Por fim, Spike Lee rende uma homenagem a Martin Luther King, que no fim da vida passou a ser mais detestado ainda pelos liberais dos EUA, porque justamente passou a denunciar a guerra do Vietnã, dizendo que a mesma era “inimiga dos pobres”, pois, o orçamento bélico estava retirando recursos de programas de combate à pobreza. A reação dos liberais ocorreu por meios de críticas dos jornais como New York Times e Washington Post, que disseram que Martin Luther King estava prestando um desserviço. Segundo o National Public Radio, nada menos do que 168 jornais dos EUA atacaram King por seus discursos contra a guerra e, também em razão deles, o ativista acabou assassinado no dia 4 de abril de 1968.

“Destacamento Blood” não é só uma reavaliação da participação dos soldados negros na guerra do Vietnã, como estão dizendo por aí, ao utilizar a história para falar sobre racismo e antirracismo. Spike Lee não quer fazer um acerto de contas com o passado, o seu “fuzil” na verdade está apontado para o presente e o disparo quer atingir o futuro das relações raciais nos EUA.

Henrique Oliveira é historiador e militante do coletivo negro Minervino de Oliveira, em Salvador, na Bahia.

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