Por: Paula Nunes
Hoje, dia 1 de agosto, é o Dia Mundial da Amamentação. Essa data, celebrada no Brasil e em mais de 120 países, foi criada pela Aliança Mundial de Ação pró-Amamentação em 1991 com a finalidade de ampliar a conscientização sobre a importância do aleitamento.
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O leite materno é o melhor alimento que os bebês podem ter e a amamentação traz inúmeros benefícios a eles e às parturientes. Apenas para mencionar alguns, a amamentação nas primeiras horas de vida pode reduzir a mortalidade neonatal e auxiliar nas contrações uterinas, evitando hemorragias pós-parto, além de fortalecer o vínculo entre mãe e recém-nascido.
Ademais, o leite materno é a primeira “vacina” do bebê, protegendo-o de doenças perigosas. Por essas e outras razões, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que os bebês sejam alimentados exclusivamente de leite materno até os seis meses de vida e, mesmo após iniciada a introdução alimentar complementar, a continuidade da amamentação até os dois anos de idade.
Essa é a recomendação mundial e, portanto, a nossa utopia. Mas em um país continental e desigual economicamente e racialmente como o Brasil, qual é a realidade das mães trabalhadoras?
É preciso dizer que a licença maternidade legalmente prevista no nosso país para trabalhadoras em regime CLT é de quatro meses. Essa é a primeira conta que não fecha. Como alimentar exclusivamente com leite materno um bebê por seis meses quando o tempo que as mães têm afastadas de seu trabalho para cuidado exclusivo dos filhos é de, no máximo, quatro? E digo que a licença maternidade é de no máximo quatro meses porque infelizmente muitas mulheres sequer têm direito a esse tempo, por estarem desempregadas ou por ocuparem postos de trabalho informais, sem direitos garantidos.
Dentre as pessoas economicamente ativas no Brasil (98 milhões de pessoas), cerca de 52% são mulheres, ainda que a taxa de ocupação, ou seja, de pessoas efetivamente trabalhando, seja de 66% entre os homens e de 46% entre as mulheres. Boa parte dessas mulheres, no entanto, estão no mercado de trabalho informal. Atualmente, são 16 milhões de mulheres na informalidade.
As mulheres negras representam, sozinhas, 35,5% dos desempregados do país e 41% das trabalhadoras informais. Mais uma vez: como garantir o direito à amamentação exclusiva a filhos de mulheres que sequer têm direito à licença maternidade?
Antes de me tornar mãe, eu pensava que a amamentação era natural. Ora, para amamentar basta a combinação entre seio, leite e bebê, não? Não! No meu caso, foi fundamental o respeito ao plano de parto dos obstetras e da pediatra que acompanharam o parto, o apoio de uma profissional – a doula – que garantisse o contato pele a pele entre mim e minha filha na primeira hora de vida dela para que ela fosse estimulada à amamentação, e que me ensinasse a forma correta de amamentar, a “pega” correta do bebê para não ferir os seios e para a deglutição eficaz do leite.
Foi muito importante também a existência de uma rede de apoio: meu companheiro, pai da minha filha, garantiu que eu sempre ingerisse a quantidade de água suficiente para a produção do leite, e me auxiliou a encontrar a posição correta para passar horas amamentando sem lesionar minha coluna; meus amigos garantiram um mês de alimentação saudável para a minha família depois do parto; minha mãe me auxiliou com serviços domésticos quando eu precisei passar muitas horas sentada na mesma posição para alimentar minha filha.
A partir daí que, como mãe, eu entendi que a amamentação é um ato coletivo. Foi assim que, como parlamentar, eu refleti sobre qual deve ser o papel do Estado na garantia do direito de mães e bebês à amamentação.
Com meu retorno ao trabalho, aos quatro meses de vida da minha filha, me dei conta de que a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), um espaço público, não tinha um local adequado para amamentação e troca de bebês. Lutamos pela implementação de um espaço como esse e, agora, temos o primeiro fraldário da casa legislativa. Era preciso estender esse direito a todo o estado e, por isso, conquistamos a aprovação do PL 1302/23, de nossa autoria, para instituir espaços de amamentação e fraldário em todos os prédios públicos do estado de São Paulo. O projeto atualmente aguarda a sanção do governador para que se torne lei.
Agora, protocolamos um projeto de lei para garantir o reconhecimento da Semana Estadual do Aleitamento Materno em São Paulo. O caminho é longo, mas se a nossa utopia é a garantia da amamentação pelo tempo adequado a todos os bebês, o estado de São Paulo precisa cumprir o seu papel: conscientizar as pessoas sobre a importância da amamentação; capacitar os profissionais responsáveis pelo atendimento à gestantes e puérperas sobre o suporte correto à amamentação; e pôr fim à pressão pela substituição do aleitamento materno pelas fórmulas industrializadas, que devem ser evitadas sempre que possível. Um viva ao tetê, que há séculos garante a continuidade das gerações!
Paula Nunes é mãe da Flora, lactante, codeputada estadual pela Bancada Feminista do PSOL em São Paulo, advogada e defensora de direitos humanos.